Os problemas desta eleição de 2024 que Gilmar Mendes antecipou em 2017

Em entrevista a esta coluna, há sete anos, o ministro falava sobre os perigos do financiamento de campanha no formato atual e o crime organizado

Publicado em 22/10/2024 às 20:00

Corria o ano de 2017 e muitas mudanças jurídicas ainda estavam acontecendo na esteira da operação Lava Jato. O Congresso Nacional tinha o interesse de mudar a imagem cristalizada de corrupção na classe política e acenou com novidades. Uma delas foi a proibição do financiamento privado de campanhas.

Na teoria a ideia parecia boa porque dividia o bolo de um fundo eleitoral público para dar isonomia financeira às candidaturas. Ao mesmo tempo pretendia combater o patrimonialismo, evitando que interesses públicos e privados se misturassem quando um candidato a cargo público ficasse amarrado às contribuições de empresas. Era uma forma de evitar que as contribuições de campanha fossem devolvidas depois em contratos públicos, como aconteceu na Lava Jato. Essa era a teoria.

Na prática, a mudança mostrou-se estúpida e ingênua.

Gilmar

Ninguém imaginava? Imaginava sim. Um sujeito chamado Gilmar Mendes avisou. Conhece ele?

Em entrevista a esta mesma coluna, perguntado sobre a mudança que estava sendo aprovada, Gilmar foi direto: “O STF declarou a inconstitucionalidade da doação de pessoas jurídicas e agora temos, vamos chamar assim, esse ‘buraco’ no sistema. Corremos o risco de ter Caixa 2 repetido – corporações e igrejas, sindicatos, fazendo doações pelos seus membros – e o crime organizado”.

O ministro do Supremo Tribunal Federal, nesta entrevista ao JC, estava sete anos adiantado à discussão que está acontecendo agora.

Crime

O financiamento público de campanha serviu apenas para fazer o pagador de impostos gastar mais dinheiro. E não é pouca coisa, porque estamos falando de quase R$ 5 bilhões. O fim do financiamento privado não evitou o “Caixa 2”, já que muitos candidatos seguem recebendo dinheiro por fora e não registrando doações, não evitou o patrimonialismo e nem a corrupção.

O que tivemos nos últimos anos foi uma influência cada vez maior de entidades religiosas e, este ano, a descoberta de que o PCC estaria financiando candidatos. Cientistas políticos consideram a presença da facção criminosa na campanha de São Paulo, por exemplo, como um dos aspectos mais dramáticos da disputa de 2024. A Justiça Eleitoral chegou a cassar três candidaturas associadas ao Primeiro Comando da Capital.

Mas quem entende um pouco de segurança pública e conhece as ramificações do crime sabe que isso é apenas a ponta de um iceberg.

Isonomia

A igualdade entre as candidaturas também não se confirmou. Pelo contrário, até o PT está sendo acusado, no Maranhão, de ter utilizado “candidaturas laranja” na eleição de 2020.

Na prática, os partidos lançam candidatos que não estão de verdade na disputa, pegam a verba que iria para eles e usam para engordar o caixa de outros escolhidos na disputa. As irregularidades são muitas e variadas. Completa o problema uma Justiça Eleitoral lenta, cuja morosidade prejudica eleitores, eleitos e derrotados.

Nesse caso do Maranhão, por exemplo, o TSE demorou três anos e dez meses para julgar e cassar o mandato dos que se beneficiaram da fraude. Eles receberam salários, aprovaram leis e só agora foram punidos.

Custo

O pior é ver isso sendo financiado pelo cidadão, com bilhões que poderiam ser utilizados em outras necessidades e sem a perspectiva real de que os deputados e senadores vão aceitar discutir mudanças sensíveis nessas regras que hoje os beneficiam, enquanto não houver uma ameaça séria de ruptura institucional por pressão popular como a que existiu durante a Lava Jato.

Novas regras devem ser votadas até outubro de 2025 para que valham nas eleições de 2026. A maioria, pode apostar, será para piorar o quadro ou apenas “para inglês ver”.

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