Vitoriosa em dois turnos, Raquel Lyra agora precisa exercitar a musculatura
Governadora venceu nas três maiores cidades do Grande Recife, além do interior, e recuperou uma expectativa de poder que muitos haviam descartado.
Atribuir qualquer derrota a João Campos (PSB) no primeiro turno era uma injustiça. Ele foi o grande vencedor do Recife, uma cidade com 1,4 milhão de habitantes, e por estar fazendo campanha na capital ficava impossibilitado de se envolver com empenho nas outras cidades.
Até então era possível dizer que Raquel Lyra (PSDB) venceu, mas Campos não havia perdido. No segundo turno isso muda, por uma questão de prática discursiva e ação direta. As campanhas de Olinda e Paulista, ambas na Região Metropolitana do Recife onde se dizia que a popularidade da governadora era “pífia” e a do prefeito do Recife era “estrondosa”, tornaram-se campos de batalha de uma “guerra fria” entre os dois grupos, com possibilidade iguais de envolvimento.
Dessa vez, as duas vitórias de Raquel são duas derrotas de João. E são bem simbólicas.
Derrota com lealdade
Em Paulista, o prefeito do Recife sabia desde o início que a missão era difícil, mas não deixou de apoiar Júnior Matuto (PSB). Aliás, verdade seja dita, o grupo de Matuto em Paulista precisa reconhecer e ser grato ao socialista vizinho, porque o candidato não tinha qualquer chance de vitória, nunca teve. E ainda assim ninguém pode falar em abandono.
A eleição já estava definida nos últimos dias e Campos seguiu participando de atividades de campanha com Matuto. Fica aí uma característica importante e necessária para quem quer ser líder político. É que a derrota fortalece laços e saber perder em união galvaniza apoios futuros. Campos foi muito correto com o aliado, embora já soubesse que estava derrotado desde a primeira semana do segundo turno.
Derrota apesar do esforço
Em Olinda, o empenho foi ainda maior. O socialista abraçou a campanha de Vinicius Castello (PT) como se sua fosse. A coluna teve informações de que integrantes da equipe de Campos foram deslocados para a campanha do petista. Vereadores da base do PSB também foram acionados para ajudar na mobilização na cidade vizinha.
Os grandes eventos realizados no segundo turno e as mudanças de palanque que aconteceram no segundo turno, com integrantes da base do atual prefeito Lupércio (PSD) pulando para o lado de Vinicius tiveram influência direta do trabalho de articulação de Campos. Sem falar nos vídeos, carreatas e discursos do socialista.
É importante reconhecer o empenho do prefeito do Recife, para justificar o título desse texto indicando que Raquel Lyra venceu e João foi derrotado. Não houve ausência justificada de Campos, como aconteceu em Caruaru no primeiro turno quando lançou candidato com seu apoio, José Queiroz (PDT), e ele terminou derrotado.
Dessa vez ele participou ativamente, mas não deu.
PSDB x PSB
A vitória de Ramos (PSDB) em Paulista desempatou uma disputa pelo número de prefeituras pernambucanas entre PSB e PSDB também. Agora, o partido da governadora tem uma prefeitura a mais do que o PSB de Campos (32 x 31).
O crescimento dos tucanos é impressionante, porque o partido tinha eleito apenas cinco prefeitos em 2020 e agora passa de 30. Já os socialistas caíram ao longo dos últimos anos. Chegaram à eleição de 2020 com 70 prefeituras, elegeram naquele ano pouco mais de 50 e, quatro anos depois, terminam a campanha com 19 cidades a menos.
Surpreendeu?
A força de ser a governadora do Estado conta, é verdade. Mas é a mesma governadora que, os adversários diziam alguns meses antes, não tinha a menor chance de sair vitoriosa de uma eleição. Mudou algo ou calcularam errado?
Somando os candidatos do PSDB e do PSD (que muitos consideram ser o futuro partido de Raquel e que já está com ela), o número de prefeitos já passa de 50. Quando são acrescidos todos os que tiveram apoio do Palácio este ano, a conta sobe para algo além de 100 prefeitos.
Três maiores
A Região Metropolitana, que se apontava como um território no qual a governadora não teria força política para enfrentar João Campos, terminou com os três maiores municípios (tirando o próprio Recife) confirmando vitórias de Raquel. Juntos, Jaboatão dos Guararapes, Olinda e Paulista possuem quase a mesma população que a capital. São 1,3 milhão de habitantes contra 1,4 milhão do Recife.
Esse não é o número que uma personagem política sem expressão alcança. Mesmo que João tenha apoiado mais candidatos vitoriosos na RMR e as vitórias ligadas a ele reúnam uma população bem maior, é preciso reconhecer que perder nas três maiores cidades, incluindo as duas em que teve a chance de atuar diretamente no segundo turno, é uma derrota considerável.
O jogo de 2026
Mas o que isso realmente muda para 2026? Objetivamente, neste momento, nada.
É preciso entender qual a influência das prefeituras para eleições estaduais e nacionais. A eleição municipal determina a musculatura com a qual um grupo político poderá atuar quando efetivamente o jogo da próxima eleição iniciar (nos próximos dias, já).
Quanto mais prefeitos sob sua influência, maior a quantidade de máquinas administrativas reconhecendo o seu trabalho e sua importância junto aos eleitores.
Maior se torna também o impacto nas eleições legislativas, de deputados estaduais e federais. Quanto mais prefeitos, maior o número de candidatos pedindo voto e conectando os eleitores a um palanque principal, estadual ou federal.
Perdedor tem voto
É uma ciência exata e quem faz mais prefeitos é favorito? Não. É um ponto de partida essencial, mas está longe de definir os eleitos na campanha seguinte. Alguns fatores precisam ser levados em conta, e o principal deles é que em todas essas cidades os derrotados também tiveram votações importantes e também dominam a influência sobre parte do eleitorado.
Pro futuro
Quem fez política no primeiro turno e no segundo turno precisará continuar fazendo agora. Se a governadora se distanciar dos prefeitos após a eleição, deixando-os sem apoio político e financeiro, as vitórias não terão validade nenhuma.
Se João Campos for se voltar apenas para o Recife e não ampliar suas agendas estaduais de articulação, pelo partido que todos consideram como sendo dele, o PSB, de nada valerá o esforço que foi feito em 2024.
Músculos
Além disso, a expressão utilizada acima foi a de musculatura política com os prefeitos. O que é preciso fazer para manter a musculatura forte? Exercitá-la.
É bem conhecida nos meios políticos a história da campanha de Miguel Arraes contra Jarbas Vasconcelos, quando o velho governador aproximou-se do período eleitoral com mais de 100 prefeitos lhe pedindo bênçãos, achou que estava eleito e viu todos sumirem em poucos dias quando perceberam que Jarbas é quem estava mais forte. Quem achar que ganhou, perde. Serve de alerta.
Sobre o poder
Só existe uma coisa que é muito mais expressiva e atrai mais aliados do que o poder: a expectativa de poder. Essa expectativa, até antes desta eleição, estava sendo muito trabalhada por João Campos. O resultado no Recife fortaleceu isso, mas as derrotas pelo estado e na RMR fortaleceram muito mais Raquel. Ela já tinha o poder e recuperou sua expectativa. Mas ainda faltam dois anos até a próxima eleição.