A receita da vovó e o luto do governo quando é obrigado a cortar gastos
Tirando Haddad (PT) e mais dois ou três, os petistas acreditavam ainda na receita desenvolvimentista "meu gasto, minha vida" das gestões anteriores.
Lula (PT) está com muita dificuldade para bater o martelo sobre o corte de gastos porque está em negação. Bolsonaro (PL) ficou assim na pandemia. A crise agora é muito menor, lógico, mas a reação é parecida porque o momento representa uma quebra de expectativa muito grande para o presidente e para a maioria dos petistas.
Tirando Fernando Haddad (PT) e mais uns dois ou três, os petistas acreditavam ainda na receita desenvolvimentista “meu gasto, minha vida” das gestões anteriores. Deu errado lá atrás porque terminamos numa recessão, mas deu certo para eles, porque os efeitos ruins demoraram a aparecer (somente com Dilma) e deixaram a impressão de que era o certo a se fazer.
Tudo diferente
Pareceu ter dado certo no início da “era PT” porque a conjuntura internacional ajudava e a organização interna deixada pelo governo FHC permitiu muitos investimentos. Agora é tudo diferente. O mundo está em guerra e a conjuntura internacional ruim ganhou ares de drama com a eleição de Donald Trump nos EUA. Internamente, Lula recebeu o governo de Bolsonaro e não de FHC. Isso também faz toda a diferença.
A receita de bolo da vovó só fica igual a da vovó se for feita por ela, no forno e na assadeira dela. Agora que deu errado e precisa solucionar, Lula e os petistas estão tendo que conviver com a ideia de que tudo em que acreditavam está aprisionado no mundo das reminiscências.
Vovó
É como se a “vovó” tivesse morrido. Aí vem o luto e uma de suas fases é a negação. É no seu auge que o presidente dá entrevistas dizendo que vai “vencer o mercado”, depois joga a culpa no Legislativo e no Judiciário, depois diz que a culpa é de Bolsonaro, para em seguida dizer que vai cortar sim, nas próximas horas, como fez, reiteradamente, nos últimos sete dias. Alguém precisa trazer este governo para a realidade, o mais rápido possível.
Tempo, tempo
Quanto mais demora para apresentar um número que seja ao menos razoável, mais difícil vai ser para tentar levar da macroeconomia para a microeconomia os resultados desse esforço. Quanto mais capítulos essa novela for ganhando, mais vai ser difícil fazer com que o brasileiro sinta na bolsa e na carteira os efeitos de um crescimento do PIB ou de uma queda na inflação. E isso pode ser crucial na eleição.
Dados…
Esqueça o que aprendeu com o ditado sobre a lentidão da Justiça. A verdade é que sempre que a ela tarda, falha. Mas é preciso entender que a Justiça muitas vezes é lenta porque a demanda é excessiva.
O Tribunal de Justiça de Pernambuco, por exemplo, criou um mecanismo para contabilizar as decisões de seus membros e mostra que eles trabalham sim, e trabalham muito. O dispositivo é chamado de “Decisômetro”. Ele funciona no site do Tribunal e fica exposto em telas nas entradas dos prédios do Judiciário estadual. Os números são expressivos.
…expressivos
Ao todo, em 2024, já foram 601.972 decisões, 1.314.734 despachos e 603.390 julgamentos, totalizando 2.519.096 atos judiciários. Chama atenção e não é pouca coisa. Além de mostrar que os representantes do judiciário andam bem atarefados, levanta um alerta também sobre a judicialização de tudo no Brasil. Tudo vai parar no judiciário para ser resolvido.
A cultura de convivência brasileira está cada vez mais mergulhada em litígio e afastada da conciliação pacífica. A judicialização de tudo é sintoma de uma sociedade com pouca ou nenhuma compreensão empática. Ausência de empatia e incapacidade de ceder ao ponto de acionar a Justiça é fator gerador de violência.
Bom e ruim
Os juízes em Pernambuco andam trabalhando muito, isso é verdade. Os dados mostram a disposição do judiciário em prestar o melhor serviço possível à população. Dividindo os 2,5 milhões do “Decisômetro” pelo número de dias decorridos este ano, temos mais de 8 mil atos judiciários a cada 24h, somente em Pernambuco, evidenciando um ritmo frenético para fazer frente à demanda.
Isso é muito bom. Mas também é muito ruim.