O xingamento da primeira-dama atrapalhou o Brasil e o governo do próprio Lula
Muitas vezes a punição maior é estar rodeado por pessoas que o atrapalham todo dia. Quando não é gente do próprio partido, é a própria esposa.
Às vezes é preciso exonerar parcialmente o presidente Lula de alguns problemas de seu governo. Não é que ele não tenha culpa, mas muitas vezes a punição maior é estar rodeado por pessoas que o atrapalham todo dia. Quando não é gente do próprio partido, é a própria esposa.
O presidente tinha dois objetivos nos próximos dias. O primeiro era apresentar um pacote com o corte de gastos que deixe o mercado satisfeito e não derrube mais a sua popularidade com os segmentos sociais do governo. Para viabilizar isso, era muito importante ter todos os holofotes possíveis para o pacto global de combate à fome e à pobreza a ser lançado na reunião do G20.
Com o pacto social do encontro internacional, Lula poderia deixar a área social satisfeita e ser menos questionado pelos cortes no governo. Para reforçar as atenções ao pacto contra a pobreza do G20, o governo organizou um evento paralelo no fim de semana que foi o G20 Social.
Atenção
Era para todas as lentes, mentes e corações estarem voltados ao discurso final de encerramento, que teve Lula no palco, segurando a declaração final e comemorando. Mas no fim de semana ninguém falava de outra coisa a não ser o xingamento da primeira-dama Janja ao empresário e integrante do governo Trump, Elon Musk. Não foi por acaso que Lula perdeu a paciência e deu uma bronca pública, sem citar a esposa, logo após a situação. Para tudo o que foi planejado, o prejuízo é grande.
Não se trata de concordar ou não que Musk vá tomar o que quer que ele precise tomar, mas de uma primeira-dama contribuindo para fazer naufragar a estratégia de comunicação de um governo pressionado pela oposição e pelos aliados, no momento em que recebe líderes importantes do mundo todo.
Diplomacia
E, tirando o impacto interno na estratégia do governo do marido, Janja ainda acabou atrapalhando os esforços da diplomacia brasileira com os EUA. Acontece que os diplomatas do Brasil, através da embaixada em Washington, estão trabalhando há alguns meses como se fossem mineradores para obter pedras que possibilitem construir alguma ponte com os republicanos.
Depois que a vitória de Trump se confirmou, os funcionários do Itamaraty intensificaram os esforços para ter algum interlocutor com a nova gestão. O objetivo dos últimos dias era tentar conseguir um telefonema entre os dois presidentes. Um simples telefonema.
Lula, é preciso admitir, está contribuindo e ciente da necessidade de atuar para que as relações entre Brasil e EUA sejam ao menos pragmáticas. Por isso reconheceu a vitória de Trump o mais rápido possível e o parabenizou.
EUA e Brasil
Estamos falando de um fluxo comercial de quase R$ 360 bilhões entre os dois países. É o nosso segundo maior parceiro e Trump tem prometido fechar suas portas para produtos importados, o que atrapalha o Brasil. Justo quando o argumento de todos é pelo pragmatismo, deixando de lado a ideologia e as preferências pessoais, a primeira-dama faz uma declaração de nível rasteiro, com uma ofensa pessoal contra um homem forte do novo governo Trump.
Errou
Não se trata de machismo, como alguns se apressaram em classificar quem criticava Janja logo após o ocorrido. Foi errado do ponto de vista estratégico, político, econômico, institucional e até de educação doméstica, independente de a origem ser um homem ou uma mulher. O mundo passa por um momento difícil, como enfatizou o próprio Lula no discurso que abriu a cúpula do G20 nesta segunda-feira (18).
Não é momento para polêmicas de internet geradoras de engajamento e cliques. Janja deve ter ouvido bem o discurso do marido, já que estava sentada bem atrás dele, ao lado do ministro da Fazenda Fernando Haddad, no espaço em que, aliás, deveriam estar apenas os assistentes de Relações Exteriores e Economia do presidente.
Não havia microfones por perto.