Dessa vez Lula está certíssimo: ainda não e possível liberar José Múcio
Por mais que queira cuidar dos netos, acontecimentos sucessivos mostraram que não dá para abrir mão de sua interlocução. E o presidente sabe disso.
Se o foro íntimo fosse para ser discutido em jornal, seria chamado de foro popular. Mas vamos abrir uma exceção por aqui.
O ministro da Defesa, José Múcio, tem seus motivos e pediu ao presidente para ir descansar. Considera que sua missão de pacificação entre militares e civis está cumprida.
Não é de agora esse desejo de se retirar da vida pública mais ativa. Faz alguns meses que ele vinha comentando que considerava seu trabalho feito e pretendia finalmente se aposentar.
Mas sempre acontece alguma coisa para segurá-lo.
Necessário
Inicialmente, Lula queria que ele pacificasse a relação entre os militares e os civis, promovendo uma despolitização das Forças Armadas. Múcio começou fazendo isso ainda na transição.
Foi muito criticado pelo PT, partido com dificuldades para abandonar a adolescência que desejava uma caça às bruxas acirrando os ânimos. O ministro engoliu seco e seguiu.
Quando os comandantes estavam em seus lugares, ele chegou a comentar que só estava lá para ajudar o amigo Lula e que, se não precisassem mais dele, iria embora sem problemas.
Aí veio o 8 de janeiro e o PT foi obrigado a pausar as reclamações. Múcio foi essencial para colocar ordem no país outra vez.
Ainda não
Depois, quando as coisas estavam entrando nos eixos de novo, o ministro pernambucano chegou a comentar com o presidente que quando tivesse uma reforma ministerial poderia liberá-lo do compromisso.
Lula desconversou e depois disse que ainda precisava dele e que ainda era preciso encaminhar a despolitização das Forças Armadas.
Politização
Múcio seguiu trabalhando, e articulou com Exército, Marinha e Aeronáutica um documento a ser votado no Congresso, determinando que o militar da ativa que quiser disputar eleição terá que ir para reserva ou se desligar de forma definitiva das Forças Armadas. A mesma regra valeria para o militar que vier a ocupar algum ministério.
O PT, que queria algo mais duro e restritivo contra os militares, voltou a reclamar. A proposta ficou pronta e Múcio voltou a falar em sair, queria ir cuidar dos netos.
Aí veio a crise em Israel e depois no Líbano.
Israel
Múcio estava viajando para a Suécia onde iria negociar a compra e a venda de aviões militares quando a crise começou. O voo para Estocolmo decolou na manhã de 7 de outubro de 2023. A aeronave com o ministro estava no meio do caminho e retornou imediatamente após o ataque terrorista do Hamas em Israel.
A pasta da Defesa organizou o resgate dos brasileiros que estavam nas áreas de conflito. O mesmo aconteceu quando Israel atacou o Líbano.
PT outra vez
Isso sem falar nos momentos em que precisou peitar o PT e ir buscar armas que o Brasil comprou de Israel e os petistas queriam abandonar como protesto.
São armamentos que podem proteger a fronteira do Brasil com a Venezuela, por exemplo. Foi mais um episódio em que o PT entrou em conflito com a pasta da Defesa e o ministro teve que repetir que estava lá para cumprir a missão que o amigo lhe designou e sua responsabilidade com o país.
Se dependesse só dele, estaria com os netos.
Temperatura
Situação estabilizada, voltou a pensar em ir para casa, aí veio o indiciamento de militares por causa da tentativa de golpe em 2022. Mais uma vez, Lula pediu para que Múcio ficasse. Depois, no pacote de ajuste fiscal, foi necessário mexer com a aposentadoria dos militares, e outra vez Múcio foi convocado para baixar a temperatura da relação, caso as Forças ficassem insatisfeitas com o sacrifício.
Outra vez, a missão dada pelo presidente foi cumprida. Agora, quando pensa de novo em sair, a Polícia Federal prende um general de quatro estrelas pela primeira vez na História.
Vem mais
E o problema para a aposentadoria de Múcio é que não deve parar nisso. Até o ano de 2026, novos pontos de tensão devem surgir, por causa da politização ainda presente entre os militares.
O vídeo da Marinha, falando em “privilégios dos civis” e “sacrifício dos militares” foi um alerta de que as coisas ainda não estão totalmente pacificadas.
Novos militares devem ser presos nos próximos meses dentro da ação pela tentativa de golpe em 2022.
A própria prisão de Bolsonaro (PL) , que pode acontecer entre 2025 e 2026, deve desencadear reações na caserna e o José Múcio “bombeiro” terá que entrar em ação outra vez.
Por mais que queira descansar com a família, acontecimentos sucessivos estão mostrando nesses dois anos que não dá para abrir mão de sua interlocução. E o presidente sabe disso.
Pontes
O fato é que Lula (PT) está certo em não liberar o ministro pernambucano da missão ainda. Não é possível para o Brasil e para a democracia, hoje, prescindir de José Múcio.
Os netos terão que esperar um pouco mais e entender, lendo textos como este num futuro próximo, que homens e mulheres de valor se medem pelos sacrifícios individuais que fazem para construir um mundo melhor, mesmo que não usufruam desse futuro tanto quanto gostariam.
O mundo da política está carente de pontes. E o avô ainda é o melhor construtor delas em atividade.