Militares e juízes na política: prejuízo para as instituições e para o Brasil

O fato a ser observado é que, de 1985 até 2018, sem que os militares tentassem ser presidentes ou dar golpes, a imagem deles melhorou muito.

Publicado em 21/12/2024 às 20:00
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Se existe algo que os responsáveis por instituições sólidas dentro de um país deveriam tomar muito cuidado é com a politização.

O Exército Brasileiro, que existe desde 1822, e o Supremo Tribunal Federal, ainda mais antigo e em pé desde 1808, já deveriam ter aprendido uma lição básica: a política é transitória como a música.

Você até dança aquela que estiver tocando, mas não deve tentar compor uma se não pretende ou não pode viver daquilo por muito tempo. Ainda mais sabendo que basta passar a moda para você ser esquecido.

Deposto

Pegue a lista de todos os presidentes militares que o Brasil teve. Quase todos acabaram em prejuízo para a imagem das Forças Armadas no curto e no médio prazo.

O primeiro deles foi o primeiro de todos, o marechal Deodoro. Enganado por uma notícia falsa plantada num jornal Republicano, contando que teria sua prisão decretada, resolveu empunhar uma espada e proclamar a República. Era mentira, mas quando o militar, monarquista até então, descobriu isso, já era tarde.

Espada

Deodoro passou apenas dois anos como presidente e foi obrigado a renunciar quando tentou implantar uma ditadura.

Assumiu o marechal Floriano Peixoto, também militar, que terminou o mandato mas ficou conhecido como um sanguinário que massacrou milhares nas batalhas da Revolução Federalista e mandou degolar até os que já haviam sido vencidos.

Floriano evitou o quanto pode que uma eleição ocorresse e, quando aconteceu em 1894, quem venceu foi um civil.

Militares não

A imagem dos militares era a pior possível na época. Tanto que o único candidato militar neste primeiro pleito, com alguma votação, foi o tenente Lauro Sodré, então governador do Pará. O tenente terminou em sexto lugar na disputa, com 0,5% dos votos.

A imagem do Exército ficou publicamente arranhada por anos.

Sodré tentaria de novo em 1898, ficando em segundo lugar, mas perdendo por uma diferença assombrosa. Na época, o civil Campos Sales foi eleito com 91% dos votos e o tenente teve apenas 8%.

Sodré ainda tentou mais uma vez, em 1906, quando teve 1,6% dos votos contra 97% do civil Afonso Pena.

Golpe

Passaram-se 16 anos até que, em 1910, um militar chegasse à presidência da República outra vez. Foi o Marechal Hermes da Fonseca, sobrinho de Deodoro. Ele assumiu com grande popularidade, mas enfrentou revoltas, colocou o país em Estado de Sítio e terminou muito mal avaliado. Outro mau resultado de um militar que culminou em críticas ao Exército se envolvendo na política.

Depois disso, um militar só voltou a governar o país vinte anos depois, com Getúlio Vargas. E só conseguiu porque criou o Estado Novo através de um golpe, não venceu a eleição.

Marcas ruins

Em seguida, democraticamente, o general Gaspar Dutra foi eleito e fez o que pode ter sido o melhor governo de um militar na História do país. Isso ajudou a candidatura do militar seguinte Getúlio outra vez. 

Vargas foi o presidente logo depois, eleito com votos pela primeira vez, mas colocou o país em uma imensa crise e terminou se matando.

Dez anos depois disso tivemos uma ditadura militar que durou 20 anos até 1985. O período deixou marcas negativas na sociedade e prejudicaram a imagem das Forças Armadas publicamente com uma rejeição imensa.

Era de ouro

O fato a ser observado é que, de 1985 até 2018, sem que os militares tentassem ser presidentes ou dar golpes, a imagem deles melhorou muito. As Forças passaram a estar entre as instituições com a melhor avaliação do Brasil.

Exército, Marinha e Aeronáutica tiveram seu melhor período exatamente nos 33 anos em que estiveram afastados da política partidária. Sua popularidade cresceu gradativamente na medida em que a população sentiu que eles estavam ali para proteger e não para governar.

Na pesquisa “A Cara da Democracia”, realizada pelo Instituto da Democracia todo ano, as Forças Armadas chegaram em 2018 na segunda colocação entre as instituições mais confiáveis do país, com 31% dos entrevistados afirmando que “confiavam muito” e 21% dizendo que “não confiavam”.

Aí, bem, Bolsonaro (PL) foi eleito.

Bolsonaro 1

Jair Bolsonaro, capitão do Exército, aproveitou um momento de enfraquecimento institucional do país, com escândalos de corrupção varrendo a chamada “política tradicional”, ofereceu um discurso de “moralidade” baseado na confiança que a população tinha sobre as Forças Armadas e virou presidente.

Rapidamente encheu o governo de oficiais militares.

Bolsonaro 2

A gestão Bolsonaro foi marcada por polêmicas, atropelos e terminou com o que hoje está sendo investigado como uma tentativa de golpe de estado que envolvia morte de políticos e magistrados civis. Um escândalo.

Resultado é que a mesma pesquisa apontando 31% de confiança em 2018, hoje mostra os militares quase 10 p.p. a menos, com 22% de “confia muito”. Já a rejeição às Forças Armadas, que era de 21%, agora subiu 11 p.p. e está em 32%.

Os prejuízos ainda não acabaram, porque no inquérito do golpe até um general de quatro estrelas, maior graduação do Exército hoje, acabou preso. O mesmo deve acontecer ao próprio capitão Bolsonaro em breve.

Prejuízo sempre

Sempre que uma instituição como o Exército se envolveu em política, houve prejuízo para o próprio Exército. E, de tempos em tempos, mesmo assim, a mosca azul do poder os atinge fazendo com que arrisquem a instituição novamente acreditando que sua força vem das armas e da pretensa moralidade, quando não é isso que os faz longevos.

Engana-se quem acredita que uma instituição se perpetua pela força que tem. A força é uma ferramenta sustentada pela confiança da população. Sem confiança, é muito difícil que essas instituições seculares sobrevivam. Por isso, quem se mete em política, algo que muda como as nuvens, sai prejudicado.

Fica, mais uma vez, a lição.

STF

Mas lá em cima falamos sobre o STF também. E, sim, ocorre o mesmo erro no Supremo Tribunal Federal.

Uma pesquisa do “Poder Data” divulgada na última semana mostrou isso. A avaliação positiva do trabalho dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) caiu de 31% para 12% em 2 anos.

O que aconteceu neste período foi o protagonismo político cada vez maior de alguns magistrados. Uma atuação que deveria ser bastante contida, mas produz manchetes diariamente, sempre acirrando ânimos.

É o Judiciário fazendo, do jeito dele, as mesmas bobagens que fazem os militares.

Moda

Quando STF e Forças Armadas acreditam que podem ser compositores da política, arriscam sua própria sobrevivência. A música de sucesso hoje é velharia amanhã. O compositor é esquecido pelo grande público quando um estilo sai de moda.

Instituições democráticas não podem fazer a moda porque não podem sair de moda, ou será o fim da democracia.

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