O recado de 2024 para pensarmos o futuro que vai além de 2025 ou 2026

Esquerda e direita, com representantes populistas, apresentam-se em soluções de descontinuidade do outro e propostas de voo de galinha para o Brasil.

Publicado em 30/12/2024 às 20:00
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O ano que agora se encerra foi usado pelos políticos e pelos eleitores para respirar. E foi um ano eleitoral. Mas havia um cansaço, quase uma falta de fôlego pelo acirramento ideológico dos últimos anos. Foi esse cansaço, em certa medida, o que mudou a divisão dos eleitores que até 2022 e 2023 separavam-se em dois grupos majoritários à esquerda e à direita.

O centro cresceu nesse desgaste, demonstrou isso nas eleições municipais e tende a exercer maior influência daqui por diante. É preciso vislumbrar a oportunidade.

Rápido e errado

Se isso vai ser bem aproveitado ou não, depende de alguns fatores. O principal que precisa ser observado é a disposição desse centro para propor um país no curto, médio e longo prazo. Esquerda e direita, com representantes populistas, apresentam-se sempre em soluções de descontinuidade do outro e com propostas de voo de galinha para o Brasil.

Resultados rápidos e pouca sustentação.

Finitos

O fim deste ano é importante para apresentar o próximo. Os dias de 2024 entregaram uma grande oportunidade para a política brasileira, que tal qual a espuma de uma almofada é o enchimento que dá forma às gestões públicas. Não é algo fácil porque as soluções de curto prazo atraem as massas em todas as instâncias.

Nossas participações na vida ativa são limitadas, somos fisiologicamente finitos e costumamos projetar os resultados que queremos dentro de um espaço que possamos contemplar e, claro, aproveitar.

Singapura?

A frase sobre “o Brasil que queremos deixar para os nossos netos” já ajuda, mas ainda não resolve. Fala-se muito sobre países que mudaram sua rota e revolucionaram seu desenvolvimento, quase sempre através da educação, em 30 anos. Isso não funciona com o Brasil, não nesse tempo, não com a realidade brasileira.

Singapura é um exemplo muito citado, pelo investimento que fez na educação de 1997 até hoje e transformou o país.

Diferenças

O pequeno país, na Ásia, tem menos de 6 milhões de habitantes. O Brasil tem 212 milhões. Por lá foi possível mudar tudo em pouco mais de 30 anos. Aqui há mais recursos, claro, mas as complexidades são muito maiores. O Brasil não pode mais ser apenas “pensado para os netos”.

É preciso que tenhamos consciência e desprendimento para pensar o Brasil de cinco ou seis gerações adiante. Isso vale para os políticos, para a imprensa, para o mercado empresarial e financeiro. Vale para o eleitor.

Centro

O recado de 2024 que precisa ser absorvido pelo Brasil não é que o “centro cresceu”, porque o tal centro são pessoas e os seus interesses. O recado que precisa ser absorvido para o futuro é que o equilíbrio e as soluções de médio e longo prazo podem encontrar espaço no esgotamento dos brasileiros com os tiros de curta distância.

Aliás, tem algo sobre a curta distância que é interessante de contar aqui. Tem a ver com o curto e o médio prazo.

Uma história

No penúltimo dia deste ano, antes de essa coluna ser escrita, peguei uma corrida com um motorista por aplicativo. Conversa vai e vem, contou-me que foi atleta de volei, de uma geração vitoriosa no país, mas nunca chegou muito longe. Pesquisando depois, encontrei ele na internet.

Hoje trabalhando como motorista, o meu novo amigo chegou a jogar em seleções na época, mas não chegou muito longe. Não dando tão certo no volei, que ainda não havia ganho medalhas, trocou de esporte e foi para o atletismo, mas passou pouco tempo dessa vez. Durante o percurso, explicou que se aposentou por problemas no joelho, após várias cirurgias.

Tiro curto

Curioso, relacionei o problema imediatamente ao tempo em que passou no volei, um esporte em que é preciso passar horas saltando e caindo o tempo todo. Perguntei sobre isso e ele sorriu. “Nunca tive problema com os anos de volei. O problema foram os meses de atletismo”, comentou.

Ele disputava provas de corrida de 100 metros, que duram poucos segundos. Uma partida de volei dura cerca de duas horas. Mas a preparação para a corrida exige uma explosão muscular que nem todo organismo suporta.

O que fica

A lição é que o curto prazo repetido é muito mais desgastante. O que estamos fazendo no Brasil se não repetindo o curto prazo há décadas?

Se os políticos e as organizações brasileiras mais equilibradas não aproveitarem o momento de cansaço e desgaste físico e mental para construir soluções bem estruturadas, com discurso econômico e social de longo prazo, passaremos por muitas cirurgias no joelho, muito desgaste, e nunca conseguiremos evoluir.

É sempre mais fácil aderir às soluções ideologicamente condizentes com o que acreditamos, engolir soluções de futuro rápido e contar vitória ao fim de uma eleição. Mas o que fica, realmente, construído para depois? É para pensar. Feliz ano novo!

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