A segurança no futebol e a necessidade de ir além do óbvio

Proibir torcida em jogos só faz um mínimo sentido se, ao menos, se puder usar a frase "o transtorno passa e a obra fica". O problema será resolvido?

Publicado em 03/02/2025 às 14:36 | Atualizado em 04/02/2025 às 7:30
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Numa conversa informal, um membro de “alta patente” da equipe de João Campos (PSB) dizia algo que pareceria óbvio, mas o governo Raquel não consegue resolver. Dizia ele: “da alçada do governo, o que importa para quem mora na Região Metropolitana é Saúde e Segurança. Enquanto não resolver isso, a popularidade dela não vai sair do canto”.

Há muita razão nessa análise e é preciso contar que a origem é alguém que entende muito de política.

Calos

No Palácio do Campo das Princesas isso não é tabu. Todo mundo sabe que Saúde e Segurança são os calos do governo na RMR. O problema é como pretendem que seja resolvido.

Na saúde o que se vê é muito investimento em melhorias de infraestrutura, mas até agora sem mudar muito a experiência ruim de quem busca atendimento no sistema sobrecarregado de sempre. Na Segurança esperava-se que a redução de homicídios tivesse impacto na avaliação da gestão.

Não teve. E é natural, porque o óbvio é difícil de capitalizar.

Óbvio

O óbvio é impedir que as pessoas morram. O óbvio é garantir que o teto de um hospital não caia na cabeça dos pacientes.

É verdade que nem esse óbvio, o mínimo necessário, era feito no governo anterior, do PSB. Mas ter mudado a bandeira da gestão não faz do óbvio algo extraordinário.

É realmente difícil assumir a gestão no fundo do poço, porque mesmo depois de escalar 90% do problema você ainda está no buraco. E enquanto não entregar algo além do mínimo será criticado do mesmo jeito.

Mas diminuir o número de homicídios e evitar que os hospitais desabem, somente, não resolve.

Selvageria

Não adianta nada ter reduzido o número de homicídios se a Polícia não consegue prever e evitar a selvageria que tomou conta da Região Metropolitana no último sábado. Porque essa selvageria é o que impacta a rotina dos cidadãos e cidadãs não torcedores, aqueles que pretendiam ir ao shopping, ao parque ou fazer um passeio de bicicleta num momento de descanso. Restaurantes fecharam, casas comerciais foram depredadas, motoristas ficaram presos no meio da confusão temendo pela própria vida.

Nesse ponto, está correto o discurso do secretário de Defesa Social quando diz que sua prioridade tem que ser os 3 milhões de habitantes fora do estádio e não os 30 mil que querem ver a partida.

O problema é que nem os 30 mil e nem os 3 milhões tiveram sossego no último sábado. Se o efetivo não é suficiente nem para cuidar do jogo e nem para cuidar das ruas, isso precisa ser dito e uma solução precisa ser tomada enquanto os novos policiais não chegam.

Sensação

A situação piorou com a informação de que as forças de segurança tinham dados da inteligência sobre a possibilidade de confronto e não conseguiram coibir os ataques.

A impressão que ficou para a população é de que a Polícia de Pernambuco é ineficiente até quando sabe previamente o que vai acontecer. Imagine quando não é possível prever, como num assalto. A sensação de insegurança aumenta e isso derruba a popularidade do governo também.

É uma impressão natural, embora injusta, porque os policiais que atuaram no episódio estavam escoltando um grupo e foram atacados pela horda. Não ter havido uma morte em nenhum dos grupos é sinal de que fizeram o possível.

Oportunismo

É fácil resolver a violência em dias de jogos? Se fosse, já estaria resolvido.

Só existe solução simples para problema complexo na cabeça de quem não tem a responsabilidade de resolver e ganha voto com demagogia. É muito fácil para políticos e outras personalidades públicas que correram para as redes sociais dando declarações sobre cancelar jogos ou responsabilizar os policiais que estavam na rua (e foram agredidos também). O oportunismo é a mercadoria mais valiosa que existe nessas horas críticas.

Mas não dá para negar que houve falha na gestão da segurança do evento, seja por falta de efetivo ou por estratégia insuficiente. Normal não foi.

Efetivo

E mais: proibir torcida em cinco jogos dos times pune principalmente o torcedor que realmente vai ao estádio ver futebol. O torcedor de verdade, não o bandido.

Isso só faz um mínimo sentido se, ao menos, se puder usar a frase “o transtorno passa e a obra fica”. A Secretaria de Defesa Social conseguirá garantir, no tempo desses cinco jogos, que esses eventos violentos sejam evitados no futuro? Se haverá a proibição de torcida em cinco jogos, medidas serão tomadas para reforçar a segurança dos jogos seguintes?

A Federação será cobrada a apresentar soluções também? Os clubes que derem espaço a essas organizadas serão responsabilizados devidamente? 

Já que é para resolver, tem que resolver de verdade.

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