Igor Maciel: Múcio e a vantagem de estar na política sem pensar na próxima eleição
Talvez seja o fato de não estar filiado a partido e não ter pretensão eleitoral o que faz os políticos agirem como deveriam sempre agir os políticos

Quando circulou a informação de que o ministro da Defesa, José Múcio, pretendia deixar a pasta e finalmente assumir a aposentadoria, nos manifestamos aqui nesta coluna contra a ideia. O Brasil ainda precisava de Múcio.
O ministro diz que foi a Lula para entregar o cargo e escutou a mesma coisa, que o país ainda precisava dele. Quem tem vinculações partidárias desprovidas de caráter prático ou caráter moral de baixa estatura para reconhecer o valor alheio pode discordar o quanto quiser. Mas Múcio é necessário à democracia e à política. Demonstrou isso na entrevista que concedeu ao programa Roda Viva, da TV Cultura, esta semana.
Vale uma reflexão: talvez seja o fato de não estar filiado a partido nenhum e não ter qualquer pretensão eleitoral o que faz os homens agirem, no meio político, como deveriam sempre agir os políticos, como estadistas maduros e comprometidos, não como agitadores demagogos.
Maturidade
Talvez por não depender do PT ou do PL, do MDB ou do PSD, por não precisar agradar cacique para ter uma taba, Múcio gravita apenas em torno de suas obrigações, do cumprimento de suas missões no dever, sem se importar com o que aumenta ou derruba a popularidade. Sem ter uma próxima eleição com a qual se preocupar, é muito mais fácil olhar as coisas com a objetividade necessária.
Se estivesse preocupado com a próxima eleição, Múcio pensaria mais antes de falar que contou com a ajuda de Bolsonaro (PL) na transição para conseguir falar com os comandantes das Forças Armadas na época. Sabe que isso pode dificultar as coisas internamente com o PT. Mas ele não está preocupado.
Amizade
A questão é que Múcio nunca pediu para assumir o ministério e deixou isso muito claro na entrevista à TV. Resistiu a participar da campanha no primeiro turno e resistiu no segundo turno.
Mas quando estava para ser empossado Lula apelou para a amizade, dizendo que precisava dele (Múcio) para uma missão que prometia ser muito espinhosa mas essencial ao país: normalizar a relação com os militares. Ele foi.
O pernambucano é hábil articulador e provou isso em diversas ocasiões. Nunca tinha trabalhado diretamente com os militares, mas sabia como pacificar relações porque fez isso em todos os postos que ocupou, inclusive como líder do governo Lula em gestões anteriores.
PT
Apesar de tudo, integrantes do PT fizeram o que era possível para atrapalhar. Alguns dos membros do PT, com influência no governo, acreditam no radicalismo dos embates para revigorar a sigla. Algo que esses petistas (não são todos) tem grande dificuldade para entender é que, na vida, existe a hora de lutar e a hora de pacificar. É covarde quem foge à luta, mas é abjeto quem foge à paz.
Um misto de imaturidade, ganância e falha grave de caráter é o que move àqueles que tentam prolongar guerras em proveito próprio, buscando arregimentar paixões para faturar com isso.
Paz
No Roda Viva, Múcio faz um apelo pela pacificação e coloca questões interessantes, como a necessidade de dosimetria adequada para as penalidades impostas aos que participaram dos ataques aos poderes no dia 8 de janeiro de 2023.
É verdade, há os que invadiram e quebraram o patrimônio, mas há também alguns que estavam no local e não cometeram crimes graves. Todos estão sendo processados pela tentativa de golpe. O início de uma pacificação política não passaria por começar a diferenciar essas responsabilidades?
Em momento algum, é bom que se diga, Múcio defende que os militares envolvidos em planejamento de golpe de estado devem deixar de ser punidos. Pelo contrário, diz que quanto mais rápido isso acontecer, melhor, para que se possa separar o joio (uma minoria) do trigo (a maioria expressiva).
Pelo telefone
Por dizer coisa parecida ao que sugeriu o ministro da Defesa, sobre a dosimetria das penas, Hugo Motta (Republicanos) precisou fazer uma série de telefonemas quase se desculpando com ministros do STF e dando explicações a colegas de Congresso, onde agora é o novo presidente da Câmara.
Múcio não precisa pedir desculpas a ninguém por estar certo. É uma das vantagens de estar na política sem pensar na próxima eleição. O ministro tem a chance de fazer o que é correto para o país sem ligar para o que o PT acha. É uma oportunidade que não se deve deixar passar.
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