Repercussão

Novo marco regulatório do saneamento pode impactar as tarifas para o consumidor

Projeto de lei aprovado no Senado amplia a participação de empresas privadas no setor mas ainda precisa de regulação para garantir acesso das populações mais carentes

Edilson Vieira
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Edilson Vieira
Publicado em 25/06/2020 às 21:09 | Atualizado em 26/06/2020 às 9:53
ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM
Novo marco regulatório tem o objetivo levar água tratada e esgoto para todos os brasileiros até 2033. Mas alto custo das obras e da operação vai exigir fiscalização e regulação das tarifas - FOTO: ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM

O presidente da Associação Municipalista de Pernambuco (Amupe) e prefeito da cidade de Afogados da Ingazeira, no Sertão do Estado, José Patriota, viu na aprovação do marco regulatório do saneamento um avanço, mas ainda indefinido. O marco regulatório do saneamento aprovado ontem (24) pelo Senado, amplia a participação da iniciativa privada no setor. O documento segue para sanção do presidente Jair Bolsonaro, mas ainda carece de regulamentações que serão motivo de disputa política e de interesses empresariais.

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“É uma mudança forte, mas vamos ver se os efeitos realmente serão os esperados”, diz Patriota. Para ele, as empresas estatais terão que se reestruturar para competir também nas licitações que vão determinar onde haverá a prestação do serviço. Só assim haveria um equilíbrio de interesses. “Há uma possibilidade de avançar na cobertura de saneamento no entanto, tudo tem um preço. As tarifas poderão ter um impacto no bolso do consumidor”, observou. 

José Patriota considerou que se não houver uma regulação forte da prestação de serviço, o custo para o consumidor pode ser alto. “Como serão as tarifas para as áreas mais carentes, onde justamente falta o esgotamento sanitário?”, indaga. O presidente da Amupe vê o poder público se distanciando desse movimento, tanto as companhias estaduais de saneamento como o Governo Federal. “A gente fica apreensivo porque o lobby empresarial vai ser muito grande, exercendo pressão sobre os poderes. O poder público tem que ser forte pra regular isso”, afirmou José Patriota.

FISCALIZAÇÃO

O engenheiro pernambucano José Carlos Melo, criador do sistema condominial de saneamento, adotado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) como modelo barato e acessível para comunidades periféricas, concorda com as preocupações do presidente da Amupe. José Carlos Melo diz que a inciativa privada sempre seria bem vinda em todos os setores. “Até hoje, o saneamento feito somente pelo poder público é uma coisa altamente precária. E se continuarmos nesse passo, nem daqui a 100 anos vamos resolver o problema”.

Mas o engenheiro faz a ressalva de que, por se tratar de um serviço ao público, o saneamento privatizado depende de regulação e de fiscalização que sejam fortes, competentes e honestas. “As entidades reguladoras que existem hoje ou são extremamente frágeis, sem estrutura, funcionários ou verbas, ou são corruptas”, afirmou. Para José Carlos Melo, em vez da privatização se transformar numa coisa boa para o saneamento e para a população, pode se tornar apenas um bom negócio para os empresários. “Regulação é tudo, neste caso. O custo para botar saneamento em uma favela, por exemplo, é baixo, mas o custo de operação é muito maior do que o de um prédio em Boa Viagem”. Ele acredita que, de qualquer forma, o modelo proposto no marco regulatório deve ser tentado, desde que fiscalizado pela própria população. “Como está crescendo no povo a capacidade de entender e de cobrar as coisas, se o serviço não prestar, que se bote pra fora”.

José Carlos Melo diz que, no Brasil, esse modelo privatizado prospera apenas nas cidades mais ricas e cita, como exemplo, localidades no interior de São Paulo. Para ele, a complicação começa quando o saneamento deve chegar nas cidades com população pobre. “O investidor então faz força pra não ir. Eu gostaria de acreditar que a meta de universalização até 2033 será atingida, mas é preciso acontecer muita coisa até lá, para que o empresário seja levado a querer botar água numa favela. Para isso acontecer é preciso uma mão forte, pública ou privada, atuando na regulação”, diz o engenheiro.

 

PREFEITURAS

Já o prefeito de Gravatá, no agreste pernambucano, Joaquim Neto, comemorou a aprovação pelo Senado Federal do novo marco para o saneamento. “No mundo todo esse é o modelo adotado {o da privatização}. Na minha opinião será um grande avanço, pela quantidade de empregos que as obras irão gerar, e pela quantidade de vidas que irá salvar. A população vai pagar o saneamento mas vai economizar em saúde”.

Joaquim Neto defende a existência de uma tarifa social. “Em Gravatá, imóveis de até 50m2 são isentos de IPTU, não faz sentido cobrar dos pequenos. O consumo de água de uma casa dessa também é muito pequeno, mas ele tem que ter saneamento. E quem pode pagar, que pague”. O prefeito de Gravatá afirma que apenas 30% da cidade que governa é saneada. “São obras complexas e caras. Calculo que para sanear Gravatá hoje deve custar mais de R$ 200 milhões de reais. E não existe esse recurso hoje”, diz o prefeito

A secretária de infraestrutura e obras de Ipojuca, Giuliana Cavalcanti, vê na possibilidade de haver concessões e parcerias público privadas um fator positivo. “Teríamos celeridade e compromisso. Seria uma solução para, por exemplo, concluir o saneamento de Porto de Galinhas, que ainda é precário”. Giuliana alega que nem sempre a companhia estatal de abastecimento consegue atender as necessidades do município, que tem alta demanda turística. “A Compesa fornece muito abastecimento de água, mas o tratamento de esgoto não acompanha”, exemplifica.

A reportagem do JC procurou ainda representantes das prefeituras do Cabo de Santo Agostinho, Petrolina, Jaboatão dos Guararapes e Caruaru, mas, através das suas assessorias, responderam que preferem não se pronunciar no momento.

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