Perto de completar seis meses distantes presencialmente da escola, por causa da pandemia de covid-19, crianças e adolescentes estão se concentrando menos nas aulas remotas, mais inquietos e sem paciência para aprender por meio de telas. O impacto de um longo período longe do convívio de colegas e professores e da socialização que o ambiente escolar proporciona, associado ao isolamento como uma das medidas protetivas para evitar a contaminação pelo novo coronavírus, tem se revertido em ansiedade, irritação, crises de choro, medo, agressividade, instrospecção. Psicólogos clínicos e escolares percebem um aumento da procura de pais preocupados com o aspecto emocional dos seus filhos. Em Pernambuco, as unidades de educação básica estão fechadas para os estudantes desde 18 de março. Decreto que proíbe as aulas presenciais no Estado, nas redes públicas e privadas, vale até a próxima terça-feira (15).
"No consultório tem chegado muitos relatos e casos de crianças e adolescentes com crises de ansiedade, com pânico. Até com TOC (Transtorno Obsessivo-Compulsivo) por causa dos cuidados excessivos com a higiene. A criança se desenvolve a partir da relação com o outro, por meio de brincadeiras livres, de interação, de troca de experiências. Infelizmente isso foi interrompido por causa da pandemia, já que as escolas foram obrigadas a fechar e são muitos meses longe da rotina escolar", ressalta a psicóloga clínica e mestre em psicologia do desenvolvimento infantil Thaís Lins.
"Minha caçula tem 7 anos. No início da pandemia estava numa boa, mas agora percebo-a muito sentimental. O mais velho, com 9 anos, está numa ansiedade grande. Roendo as unhas, reclamando que quer passear. Mas ainda não tenho certeza se os mandarei quando as escolas reabrirem. Na próxima semana vou levá-los ao pediatra e conversarei sobre isso", conta a funcionária pública Daniela Vilaça.
SATURAÇÃO
"Há uma fadiga muito grande, os alunos estão saturados, cansados mentalmente pois é muita exposição à tela. Porque têm aulas diárias pelo computador. E como a maioria está sem sair de casa, a conversa com os amigos ou os momentos de lazer também são nas telas, vendo televisão, assistindo a filmes, jogando no celular", observa a psicóloga do ensino médio do Colégio Fazer Crescer, Leandra Gueiros.
"Atendo adolescentes entre 14 e 17 anos, a maioria. A cada fim do prazo do decreto que proíbe o ensino presencial há uma expectativa grande pelo anúncio de quando as escolas poderão voltar. Eles questionam que já estão liberados a ir para shoppings e parques. Perguntam por que então não podem ir para escola também", diz Leandra.
"Percebo meu filho mais ansioso e desmotivado para as aulas remotas. Está sem se concentrar, disperso. Por mais que os professores se esforcem, e eles estão fazendo isso, se reiventando para prender a atenção dos alunos, o rendimento não é o mesmo. Não acho que esteja acontecendo aprendizado", comenta a empresária Sibelle Felix, mãe de Mateus Felix, 17 anos, aluno do 3º ano do ensino médio. "Lamento principalmente porque é o ano em que ele fará o Enem.
PROTOCOLOS
Diretora do Colégio Santa Maria, Rosa Amélia Muniz defende que as escolas que atenderem os protocolos sejam autorizadas a terem aulas presenciais. "Por mais que o ensino remoto esteja funcionando, jamais será igual ao presencial. Nossa equipe de psicólogos observa uma busca crescente de pais pedindo assistência psicológica. É urgente que os alunos retornem à escola. Será a vacina para crianças e adolescentes vencerem o impacto emocional da pandemia", destaca.
"A escola não cumpre só o papel cognitivo. Tem o aspecto social muito forte. Na medida que o aluno é afastado por muito tempo, causa um grande rombo emocional na vida dele", complementa a diretora pedagógica do Colégio Fazer Crescer, Gláucia Lira. Tanto o Santa Maria quanto o Fazer Crescer estão prontos para o retorno das atividades. "Contratamos a consultoria do Hospital Português para nos ajudar nessa adequação. Confiança é a palavra chave. A família que confia na escola do seu filho concorda com a volta das aulas presenciais", diz Rosa Amélia.
CUIDADOS
Na opinião da médica infectologista Millena Pinheiro, do Hospital Português, o retorno às aulas pode se dar com segurança se a escola atender todas as medidas descritas no protocolo específico para o setor educacional. "Também se o estudante consegue aplicar as medidas de proteção, como uso de máscara, higiene das mãos e distanciamento social. E se ele não possui e não convive com quem tem doença crônica ou preexistente. E se a escola está preparada, a volta às aulas pode acontecer sim com segurança", diz Millena.
Ela sugere que as escolas enviem, antes da volta às aulas, o seu protocolo de retorno, esclarecendo aos pais como serão trabalhadas (com toda a comunidade escolar-professores, alunos, funcionários e família) as medidas mais importantes de prevenção à Covid-19 (uso de máscaras, distanciamento social, higienização das mãos, etiqueta respiratória e higienização dos ambientes.
"A volta às aulas deve ser voluntária e gradual. Cada família deve avaliar, individualmente, pelo histórico de saúde dos filhos e de quem convive com eles, os riscos e benefícios desse retorno. Ter filho com doença crônica pré-existente, principalmente respiratória, idosos em casa ou adultos com alguma comorbidade, como diabetes, hipertensão, pneumopatia e nefropatia, por exemplo, deve ser levado em consideração na decisão familiar", observa a infectologista.
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