De um dia para o outro e muito rapidamente, eles tiveram que se reinventar. Com nenhuma ou pouca experiência no ambiente virtual, a maioria dos docentes foi obrigada a migrar da sala de aula para as telas de celulares e computadores por causa da pandemia de covid-19, iniciada em meados do mês de março, no Brasil. Se no começo faltou familiaridade com a tecnologia, sobrou disposição para aprender, inovar, criar e garantir condições para não deixar estudantes sem aulas e ainda manter a atenção deles na hora de repassar os conteúdos. É o que contam, neste Dia do Professor, os mestres Fernando, Danielle e Luís.
Afeto para manter os vínculos
Semana passada, antes do retorno das aulas presenciais na rede estadual (durou apenas um dia, por decisão da Justiça), muitos alunos perguntaram à direção da Escola Estadual Ernesto Silva, em Rio Doce, Olinda, no Grande Recife, se o professor Fernando Chile, 50 anos, estaria no colégio. Estavam ansiosos para reencontrá-lo após tanto tempo vendo-o apenas por uma tela. Sentimento igualmente compartilhado pelo docente. “A falta do dia a dia na escola é perturbadora”, diz Fernando, metade da vida passada dentro de salas de aulas, lecionando história e filosofia.
A volta ao presencial durou menos de um dia, suficiente para Fernando ministrar cinco aulas e rever os estudantes do 3º ano. Regressou para as tardes de aulas remotas na sala de sua casa, transmitidas pelo computador e cercado de livros que vez ou outra consulta no meio da conversa com os alunos. Entre os desafios está o de prender a atenção dos estudantes, muitos desmotivados pelo ensino online. “Nas lives tenho entre 17 e 30 alunos”, conta. Pode parecer pouco, em um universo de cem discentes em cada série. Mas colegas da mesma escola lamentam não chegar a 10 estudantes por aula.
“Sou da periferia, como meus alunos, isso facilita a linguagem. Estudei em escola e universidade públicas. Procuro estabelecer uma relação de amizade. Se for com muita formalidade, o aluno se desinteressa, vai gazear a aula. Ao mesmo tempo, cobro deles, pois não me atraso, não falto, dou minhas aulas com responsabilidade”, diz.
Fernando está apreensivo com o aumento da evasão. “Não podemos dar as costas aos alunos, sobretudo num momento como esse. Tem que manter o vínculo pedagógico, com educação afetiva, fraterna e conselheira”, defende o professor.
Conexão até sem internet
Apenas cinco crianças, de uma turma multisseriada com 16 alunos dos anos iniciais do ensino fundamental, tinham sinal de internet em suas casas quando começou a pandemia. Foi o primeiro obstáculo que a professora Danielle Jéssica dos Santos, 28 anos, teve que enfrentar depois que a Escola Municipal Maria Sales de Moura fechou. Ela e os estudantes vivem na zona rural da cidade de Belém de Maria, na Zona da Mata pernambucana: Danielle, no distrito de Batateira, distante 7,5 km do Centro do munícipio, onde fica o colégio; e eles, em sítios vizinhos.
“Comecei mandando as tarefas impressas. Uma vez por semana, os pais iam buscar as fichas na escola. Mas me preocupava porque não tinha como explicar os assuntos. Se a união entre escola e família é importante, com a pandemia aumentou. Aos poucos os pais perceberam que se eles não acompanhassem de perto as tarefas dos filhos dificilmente haveria aprendizado. Hoje é surpreendente a participação das famílias, o engajamento de todos. Tanto que agora só cinco estudantes não têm internet e somente porque onde moram não chega o sinal”, conta Danielle.
“Gravo vídeos explicando e mando pelo grupo do Whatsapp. Tenho um pequeno quadro verde em casa que ajuda, por exemplo, nas aulas de matemática. Faço chamadas de vídeo, tiro dúvidas por telefone. O ruim do ensino online é não estar perto, acompanhar junto se a tarefa foi feita. A gente acabou sendo obrigada a mudar rapidamente o jeito de ensinar. As dificuldades ainda existem, a preocupação é redobrada. Mas quem é apaixonado pela profissão faz de tudo para encontrar meios de vencer”, assegura Danielle.
Oportunidade para aprender
Com mais de quatro décadas de magistério, sempre ensinando a alunos de graduação e pós-graduação, o professor e pesquisador Luís Carvalheira de Mendonça, 72 anos, diz que “soube transformar, como outros colegas, uma potencial ameaça em oportunidade”, ao comentar a transição do ensino presencial para o remoto.
“Não digo que tiro de letra, mas transito hoje nas plataformas com naturalidade. Foi um desafio superado. Aqui e acolá, se aparece alguma dificuldade com as ferramentas, tem sempre um aluno para ajudar”, afirma Luís, docente do curso de administração da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) há 20 anos. Ele aposta que daqui pra frente o melhor formato será o ensino híbrido, que mescla aulas presenciais e virtuais.
Luís aproveita o isolamento imposto pela covid-19 (é do grupo de risco por causa da idade) para ler, escrever e aprofundar suas pesquisas. Depois, compartilha-as com os alunos. “Procuro criar um ambiente de troca nas aulas, de partilha do conhecimento, sendo menos expositor e mais um facilitador. Gosto de me debruçar sobre o aluno, entender as diversidades e demandas deles”, afirma Luís.
“A carreira docente não gera riqueza monetária. Se quiser ser professor, é importante saber que não ficará rico. O sucesso é mais no plano da automotivação. O bem que acumulamos é o capital intelectual. Esse é indissolúvel, pertence ao professor. E eu o distribuo, compartilho com os alunos. Quem é movido pela paixão de algo, assim o faz. É o meu caso", ressalta Luís.
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