COLUNA ENEM E EDUCAÇÃO

Pernambucano aprovado em 1º lugar em medicina, na USP, entre cotistas

Rafael Costa e Silva Souza, 17 anos, cursou o ensino médio no Ginásio Pernambucano, na Rua da Aurora, no Centro do Recife. Também fez cursinho de redação e matemática como bolsista. Preparação para o Enem começou no 9º ano

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Margarida Azevedo

Publicado em 23/02/2022 às 17:48 | Atualizado em 24/02/2022 às 16:09
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Entre os alunos que vão estudar medicina na Universidade de São Paulo (USP), no câmpus de Ribeirão Preto, está o pernambucano Rafael Costa e Silva Souza, 17 anos. Não bastasse conquistar vaga em curso bastante concorrido, ele ficou em primeiro lugar entre os candidatos de escola pública com renda familiar por pessoa abaixo de 1,5 salário mínimo. Rafael cursou o ensino médio no Ginásio Pernambucano, unidade da rede estadual que fica no Centro do Recife e funciona no modelo integral.

O resultado do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) saiu terça-feira (22). A preparação de Rafael para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), avaliação usada pelo Sisu para selecionar os vestibulandos, começou ainda no 9º ano do ensino fundamental. Além das aulas no colégio, ele fez cursinho preparatório de redação e matemática, como bolsista, com os professores Fernanda Pessoa e Darlan Moutinho.

Ano passado estudou de domingo a domingo. Nos dias em que tinha atividades da escola a preparação somava entre 10h e 12h por dia. Outro fator que contribuiu para o bom desempenho do adolescente foi ter participado das Olimpíadas de Matemática. Ele ganhou medalha de bronze em 2019, quando estava no 1º ano do ensino médio. Na USP sua média geral foi 816,4.

DIFICULDADES

"Com a pandemia foi horrível minha adaptação no ensino remoto. Muitas vezes me senti frustrado e incapaz. Não conseguia ter momentos de lazer. Minha família passando por dificuldade financeira pois temos uma pequena papelaria perto da Unicap. Com a suspensão das aulas na universidade e nas escolas, o movimento caiu muito. Mas ano passado decidi que iria me esforçar ainda mais pois era o ano que faria o Enem valendo", conta Rafael, que começou a fazer o exame nacional, para treinar, desde o 9º ano.

Até o 8º ano, ele estudou em escola privada como bolsista. Na última série do ensino fundamental migrou para rede estadual pois perdeu a bolsa. Cursou o 9º ano na Escola Estadual Rochael de Medeiros, que fica em Santo Amaro, área central da capital pernambucana. "A escola pública infelizmente ainda tem muita defasagem. Tive professores muito dedicados e isso foi importante. Mas acho que só consegui esse desempenho no Sisu por causa do apoio que tive nos cursinhos", relata Rafael. A cada semana ele escrevia uma redação. No Enem somou 960 pontos na dissertação.

FAMÍLIA

Aliado ao suporte dos professores, o estímulo da família, segundo o vestibulando, foi fundamental na sua preparação. "Meu pai estudou em escola pública da periferia. Sabia das dificuldades mas sempre estimulou, a mim e minha irmã, a realizarmos nossos sonhos, a estudarmos. Estou colhendo os frutos de muita dedicação e paciência agora com essa minha aprovação na USP", diz Rafael.

"Só conseguimos nos libertar dessa escravidão moderna com estudo. Sempre mostrei aos meus filhos a importância de serem bons alunos. Nós pobres só temos algum respeito se nos destacarmos na sociedade. E isso se consegue estudando", ressalta Evandro César, 52 anos, pai de Rafael. A única irmã de Rafael, Carolina, é aluna do Ginásio Pernambucano. Está no 3º ano, ou seja, fará o Enem este ano e igualmente como Rafael, deseja ser médica.

SONHO

O sonho de ser médico começou ao perceber as dificuldades de sua mãe, que tem epilepsia. "Desde pequeno eu e minha irmã acompanhamos as crises, as convulsões e os efeitos colaterais dos remédios que ela precisa tomar. Quero ser médico para ajudar as pessoas, principalmente as mais carentes", explica Rafael. Ao se inscrever no Sisu, ele optou apenas por universidades de fora de Pernambuco.

"Eu já tinha descartado a USP pois não havia cota com meu perfil e era um curso muito concorrido. Mas esse ano colocaram. Primeiro me inscrevi para medicina no câmpus de Bauru. Até o penúltimo dia do Sisu eu ocupava a 8ª posição de oito vagas. Mas no último dia caí para a 9ª posição, ou seja, estava fora. Foi quando vi que em Ribeirão Preto poderia ter chances. Arrisquei no último dia e graças a Deus deu certo", afirma Rafael.

Ele estava bem colocado também na Universidade Federal de Minas Gerais, sua segunda opção. "Apesar da UFPE ter um bom curso, com reconhecimento nacional, acho que no Sudeste terei mais oportunidades para intercâmbio e pesquisas", justifica o adolescente.

Para quem está na preparação para o Enem, Rafael sugere dedicação, com treino frequente de redação e resolução de exercícios, além de equilíbrio emocional.

"Eu vivo num ambiente que estimula educação o tempo todo. Meus pais sempre me apoiaram. Meus professores, Fernanda e Darlan, também. Acreditaram em mim. Esse acolhimento e estímulo foram fundamentais para que mantivesse equilíbrio para estudar, principalmente com a pandemia", ressalta o futuro médico.

DESAFIO

O desafio agora será se manter em São Paulo. Com a renda que tem - exclusivamente da pequena papelaria situada no bairro da Boa Vista - a família não possui condições de bancar moradia, alimentação e outras despesas de Rafael no Estado paulista.

"Vou buscar moradia estudantil e bolsas. Na USP há gente do Brasil todo. Acho que a troca de experiências será muito boa", comenta. Alguns familiares e amigos sinalizaram a vontade de contribuir com a viagem e a manutenção do jovem. "Agora estou focado na matrícula. A vaga já tenho. O restante acredito que vou conseguir também", diz Rafael.

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