Entre trabalhar num lixão e estudar, Cassiano Oliveira, 29 anos, escolheu os dois. Catando materiais recicláveis desde os 10 anos de idade no que, à época, era o lixão de Passira, no Agreste pernambucano, ele encontrou, junto à família, uma fonte de renda e,do lugar mais inóspito, a inspiração que precisava para estudar. O garoto que na adolescência era chamado de ‘rato do lixo’ agora quer ser conhecido como professor de ciências biológicas.
“A gente passava certa dificuldade por conta de falta de emprego. No lixo, era só ter a coragem de trabalhar, material tinha sobrando. Foi a partir daí que as coisas começaram a ficar melhores para a gente”, conta Cassiano com orgulho sobre o tempo que coletava materiais recicláveis.
As idas ao lixão de Passira com a família começaram quando ele ainda tinha 10 anos. “Eu gostava de estudar e gostava muito do lixão. A gente arrumava brinquedos, livros… Tenho até hoje alguns que achei”.
Até conquistar, neste ano de 2023, o segundo lugar na classificação para o curso de licenciatura em ciências biológicas da Universidade Federal de Pernambuco, o núcleo familiar de Oliveira, formado por um irmão, seu pai e sua mãe, jamais tinha visto alguém de casa ir a uma universidade.
“Meu pai começou a ir pro lixão de Passira todos os dias. A gente morava em Cumaru, mas não tinha emprego. Eram 19 quilômetros de distância de bicicleta. Em 2004, ele resolveu levar a família, e passamos a morar em Passira. Meu irmão e eu, quando não estávamos na escola, estávamos no lixão. Papai sempre disse para a gente estudar: ‘Se não quiser estudar, vai trabalhar’, dizia ele”, relembra o jovem.
Até chegar à UFPE, foram sucessivas provas do Exame Nacional do Ensino Médio, dias a fio estudando pelo celular e muita vontade de conquistar uma vaga.
“Quando comecei o ensino médio fui conversar com papai, porque começava a ter ensino integral. E se não fosse integral, eu não iria estudar. Ele nunca me impediu. Avisou que iria estudar durante a semana, mas no sábado o trabalho iria ser dobrado”.
Cassiano já havia conseguido uma vaga no curso de Engenharia Ambiental e Sanitária, na UEPB, mas desistiu por conta da distância e de não achar que ali conseguiria unir a teoria da sala de aula à sua prática diária com materiais recicláveis.
“Vejo que com esse curso estarei mais perto de gente com conhecimento teórico. Depois de formado, tentarei continuar a conscientizar mais a população, mostrando que é possível crescer com sustentabilidade. Tentar cada vez mais praticar a coleta seletiva, de forma prática”, planeja.
Na bagagem, Cassiano conta com a experiência não só de catador, mas também de um mandato como vereador em 2016 na cidade de Passira. Fora dos lixões, ele mantém na localidade um depósito de materiais recicláveis.
“Pego mercadoria de quem cata na rua e compro, procuro até pagar preço maior, porque comecei igual a eles. Atendo pequenos catadores e pequenas empresas de resíduos”.
As aulas começam em maio, no polo EAD da UFPE em Limoeiro, e significam muito mais do que apenas um ano letivo para Cassiano.
“Antigamente o preconceito era maior do que hoje. Já fui chamado de ‘rato do lixo’, porque trabalhava no lixão. Hoje conseguimos ‘quebrar’ mais esse preconceito e tenho orgulho de virar o jogo como referência desde a escola”.