Jovens ativistas destacam impacto da crise climática na educação durante Congresso Internacional
Três ativistas abordaram questões desde a preservação ambiental até o racismo ambiental e a desinformação em meio a desastres naturais
A crise climática e os alertas dos jovens sobre os efeitos do aquecimento global foram a temática de abertura do 8º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação, promovido pela Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca), realizado em São Paulo. A programação começou nesta segunda-feira (2), e segue até esta terça-feira (3).
Em meio a cenários extremos de queimadas florestais, períodos longos de estiagem e enchentes devastadoras, três ativistas de Rondônia, São Paulo e Rio Grande do Sul mostraram como o ativismo climático possui impacto direto na educação e no futuro da geração. A mesa foi mediada pela presidente da Jeduca e repórter especial do jornal O Estado de S. Paulo, Renata Cafardo, e pela jornalista e diretora do Instituto Porvir, Tatiana Klix.
"Quando se é indígena, eu vejo que não se tem essa escolha, se vamos querer lutar ou não. Então, para nós, não é muito uma escolha. Meus pais já eram grandes ativistas, já eram grandes defensores da floresta, muito antes de mim", explicou a liderança indígena e estudante de Direito, Txai Suruí, da etnia Paiter Suruí, de Rondônia.
A luta à qual a jovem de 26 anos se refere é contra a invasão de território, contra a exploração ilegal de madeira, contra as alterações climáticas provocadas pela atividade humana e contra as ameaças de morte que seu povo enfrenta. Foi na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática COP 25, realizada em Madri, na Espanha, que Txai afirmou ter tido a noção de ser uma ativista pelo clima.
"Vi como aquilo que estávamos vivendo em nosso território estava ligado a uma questão planetária. Hoje, quando falamos sobre a proteção da floresta, sobre a proteção do meio ambiente, do direito dos povos indígenas, a gente está falando de uma questão global. Os povos indígenas são 5% de toda a população mundial e protegem mais de 80% de toda a biodiversidade, porque é dentro das terras indígenas que as florestas estão em pé", pontuou Txai Suruí.
Há uma semana, o governo estadual de Rondônia decretou estado de emergência por causa dos incêndios florestais que, nesse período de seca extrema, bateram recordes na quantidade de queimadas. Outro ponto de preocupação é em relação ao nível dos rios.
De acordo com relatório divulgado pelo Serviço Geológico Brasileiro (SGB), na última sexta-feira (30), no rio Madeira, em Porto Velho, o nível estava em 134 cm, o segundo menor já registrado. A água desceu 7 cm em uma semana. A pior medição ocorreu no ano passado, quando a água bateu em 110 cm.
Os efeitos das mudanças climáticas são sentidos de perto, principalmente por quem vive nessas localidades. E a educação diferenciada exerce um papel importante na vida dessas pessoas, quando respeita a língua materna de cada etnia, quando transmite os ensinamentos culturais de cada povo, refletindo na consciência sobre a preservação ambiental.
"Acho que a educação diferenciada deveria ser não só para que a gente possa ter incluída essa questão cultural dentro das escolas, mas também para que o não indígena pudesse aprender sobre nós. Porque o que eu vejo ainda é que a história é contada pelo outro lado, principalmente nas escolas e para as nossas crianças", disse Txai.
Racismo ambiental
Moradora da favela Jardim Pantanal, na zona leste de São Paulo, a técnica em Meio Ambiente e estudante de Geociências e Educação Ambiental na Universidade de São Paulo (USP), Jahzara Ona, de 19 anos, convive com um histórico de enchentes, o que acabou fazendo com que ela começasse a lutar por justiça climática e principalmente contra o racismo ambiental.
"Quando se vive os impactos socioambientais cotidianamente, é muito complicado entender que aquilo não é comum. Conforme fui crescendo e me deparando com outras perspectivas da realidade, seja indo estudar no centro de São Paulo e pegando o transporte, e vivendo com o medo da chuva, eu fui aprendendo quão grande aquele problema era", afirmou Jahzara.
Ela relembrou que sua comunidade viveu um episódio de enchente que atingiu cerca de 300 famílias. Foi nesse momento, aos 14 anos, que Jahzara Ona fez uma ação para arrecadar alimentos, livros e diversos outros materiais para várias famílias. "Ali eu entendi que o ativismo estaria sempre presente na minha vida. Eu já nasci uma ativista a partir do momento que nasci lutando contra tudo aquilo que se colocou na minha comunidade, desde falta de acesso à educação até insegurança alimentar", declarou a jovem.
Ao entender outros conceitos a partir dessas vivências, a estudante também passou a compreender que esse contexto estava inserido dentro do racismo ambiental. O termo é aplicado para descrever situações de injustiça social no meio ambiental em contexto racializado.
"No Brasil, ele está instalado de diversas formas, seja com a falta de demarcação de terras, pela insegurança alimentar, problemas de saúde, falta de saneamento básico. Então, o racismo ambiental se encontra nos lugares onde as pessoas estão mais vulneráveis às crises climáticas e aos impactos ambientais", destacou a estudante, que tem levado essa discussão sobre a justiça climática para dentro das escolas de São Paulo.
Desinformação em meio a uma tragédia
As chuvas que castigaram o Rio Grande do Sul entre abril e maio deste ano atingiram 95% das cidades gaúchas. Quatro meses após a tragédia, ainda há 2,4 mil pessoas fora de casa. A estudante do curso normal na Escola Liberato Salzano Vieira da Cunha, em Porto Alegre, Giovanna Corrêa, exemplificou como as notícias falsas afetaram sua comunidade durante as enchentes.
"Lá no meu bairro, falaram que o dique da Fiergs [Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul] tinha estourado. Apavoraram todo mundo, fizeram todo mundo sair correndo, pessoas se machucaram, caíram uma em cima da outra, sendo que o dique não estourou, ele rachou, está em manutenção, mas não estourou", disse. "O jornalismo foi essencial, porque foram os jornalistas que trouxeram para a gente todas as informações", completou.
Atualmente, os alunos da escola de Giovanna estão tendo aula três dias por semana, divididos em dois lugares diferentes, já que o prédio onde eles estudavam está passando por reformas, em decorrência da enchente. Infelizmente, diante da grave situação, a estudante de 18 anos precisou interromper um projeto feito junto com dois professores e um colega de turma para mudar o nível de aprendizagem dos alunos em matemática.
"Nós sempre tentamos ajudar pela educação e, quando tivemos oportunidade, agora no ensino médio, de fazer o curso junto com o Ministério da Educação, ficamos muito felizes em levar o conhecimento para outros colegas. Com a pandemia e agora com as enchentes, essa deficiência de aprendizagem está muito maior", disse Giovanna.
O 8º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação da Jeduca já conta com o patrocínio master da Fundação Itaú, Fundação Lemann e Instituto Sonho Grande; patrocínio ouro da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Fundação Telefônica Vivo e Instituto Unibanco; patrocínio prata do Instituto Ayrton Senna, Instituto Natura e Santillana Educação; e apoio da Fecap, Canal Futura, Colégio Rio Branco e Loures Consultoria. O evento conta também com o apoio institucional da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), Abej (Associação Brasileira de Ensino de Jornalismo), Ajor (Associação de Jornalismo Digital), Coalizão em Defesa do Jornalismo, Instituto Palavra Aberta, Jornalistas&Cia e Unesco Mil Alliance.
*A titular da coluna Enem e Educação, do Jornal do Commercio, Mirella Araújo, viajou a convite da Jeduca.