Por Felipe Vieira, da coluna Grande Recife
A cena se repete diariamente desde a noite do último domingo (26): pessoas se aglomerando em frente às agências da Caixa Econômica Federal para receber o auxílio emergencial de R$ 600 do governo federal contra a pandemia.
À primeira vista, e para quem está em casa com a geladeira abastecida, pode parecer um absurdo que se burle as orientações das autoridades de saúde, saindo às ruas quando o pico de contágio, perigosamente, se aproxima.
Mas não é tão simples assim.
Há uma multidão, colhida pela tempestade da covid-19, que não tem mais como tirar o sustento diário. A necessidade bruta de se colocar comida à mesa, comprar remédio, pagar alguma conta, se impõe e não pode, jamais, ser criticada. Principalmente por quem está no conforto do home office e recebendo salário normalmente.
Mas a grande questão é: como fazer esse enorme contingente de pessoas entender que a aglomeração é um fator de risco para a transmissão da doença e que estamos nos aproximando do pior período da pandemia? Que as recorrentes cenas de pessoas se amontoando em filas de banco pode ter um reflexo dramático, em forma de infectados e mortos, daqui a duas semanas?
Trata-se de um jogo em que todos precisam fazer sua parte. E que, até aqui, há vários erros. Parte da população peca por desinformação, como diz a própria Caixa. "Em cada cinco pessoas que buscaram presencialmente o banco na última segunda-feira (27), apenas uma tinha direito ao saque na referida data", disse, em nota, a instituição.
Ou seja, haveria quatro vezes menos pessoas nas ruas se todos fossem nas datas corretas, relativas ao mês de aniversário dos beneficiários.
As autoridades, por sua vez, claramente subestimam o estado de necessidade que leva a população em peso às agências. Quando se quer, organiza-se o acesso de multidões maiores, como em shows e jogos de futebol "padrão-Fifa". E o que se vê são apenas portões fechados na cara das pessoas.
A pesquisadora Ana Brito, da Fiocruz em Pernambuco, diz que o cenário poderia ser diferente. "O poder público poderia ter um atitude mais humana no atendimento dessas pessoas. Sair para equipamentos mais amplos como Geraldão, Centro de Convenções e conseguir garantir o distanciamento", comenta.
"Assistir a essas cenas (de aglomerações) é como ter um punhal cravado no peito. É preciso humanizar o atendimento. Isso foi feito, por exemplo, na cidade de Goianinha, no interior do Rio Grande do Norte, onde o prefeito colocou um ginásio de esportes para organizar a distribuição".
As aglomerações dos últimos dias - no País inteiro, frise-se -, somados ao respeito ainda abaixo do ideal ao isolamento social, podem resultar no empurrão que faltava para o colapso do já pressionado sistema de saúde.
Resta torcer, contra todas as evidências, para que não.
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