Comumente se associa a palavra "democracia" ao ato de escolher governantes e legisladores. E a população média entende justamente dessa forma. É como se apertando a tecla "confirma" a pessoa fizesse sua parte a cada dois anos e pronto.
Democracia é bem mais que isso. Quem deu uma definição certeira foi a chanceler de Mianmar e Prêmio Nobel da Paz Aung San Suu Kyi. "Democracia é a arte de manter o governo sob escrutínio". Em outras palavras, é exercer uma vigilância permanente sobre as atividades dos governantes tão logo eles sejam empossados e até o final de seus mandatos.
Desnecessário dizer que isso está longe de ocorrer por aqui. E os mandatários costumam se aproveitar desse torpor da população média para incorrer em práticas não muito republicanas como a de aproveitar as proximidades com o período eleitoral para acelerar obras e anúncios de benfeitorias.
De Mianmar vamos para o Grande Recife. Em Olinda a gestão Lupércio Nascimento (SD) apostou todas as fichas da reeleição na requalificação da Avenida Presidente Kennedy, principal corredor viário da periferia do município. Há pouco mais de uma semana o primeiro trecho da obra foi inaugurado com pompa e circunstância. Alguns poucos metros de uma via limpa e organizada em contraste com o show de horrores que é o resto da Avenida. O efeito sugestivo é óbvio: a população tem o gostinho do que pode vir por aí com a via totalmente reformada. Bingo.
Em Jaboatão dos Guararapes, o prefeito Anderson Ferreira (PL), que também busca a reeleição, anunciou "o maior parque metropolitano", o Parque da Cidade. Segundo a gestão serão 87 mil metros quadrados de área de lazer no bairro de Prazeres e que estarão prontos para uso até o final do ano. Mais uma vez, timing irretocável.
Mas nada se compara ao anúncio de um habitacional de 600 unidades na Zona Sul do Recife feito pelo prefeito Geraldo Julio (PSB) na quinta-feira (20). Uma obra prometida em sua campanha de 2012 e que só foi anunciada oito anos depois, bem às vésperas do início da corrida eleitoral. Há uma sutileza no anúncio: ter um teto, um abrigo contra as intempéries, é um dos sonhos mais antigos do ser humano. Daí a força do tema "habitação" no jogo político. Em seu segundo mandato, Geraldo não busca a reeleição, mas o condomínio político ao qual pertence - e que há oito anos gere os destinos da cidade - já tem nome e sobrenome na busca pela continuidade do projeto.
Pode-se alegar que não há nada de ilegal na prática de aproveitar o clamor do período eleitoral para "mostrar serviço". Mas que é feio, isso é. Enquanto a prestação de serviço à população for condicionada ao cálculo eleitoral e a disputas por poder, falar em democracia não vai passar de uma hashtag para fazer gente esperta aparecer bem na foto.
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