
O Movimento Pró-Pernambuco (MPP) foi criado por empresários inicialmente para ajudar em respostas rápidas ao enfrentamento à pandemia do novo coronavírus. O grupo, formado por 32 entidades do setor produtivo, ajudou fornecendo respiradores e EPIs para as unidades de saúde no momento mais crítico dos índices de contaminação. Agora o MPP se engaja em um trabalho de longo prazo: a discussão sobre o futuro das cidades, principalmente no que diz respeito ao Grande Recife e temas como mobilidade, infraestrutura e habitação. O presidente da entidade, Avelar Loureiro Filho, explica o que levou o empresariado a encampar a discussão junto aos demais setores da sociedade e ao próprio poder público. "Não dá mais para ficar apagando incêndio. É preciso, hoje, deixar as bases para o futuro".

JC – O Movimento Pró-Pernambuco surgiu para ajudar a dar respostas rápidas a problemas causados pela pandemia, mas agora quer participar das discussões da cidade. Qual o motivo?
Avelar – Para responder a essa pergunta, a gente tem que voltar um pouco no tempo. Tudo começou há uns quatro anos, quando Ademi e Sinduscon criaram um movimento semelhante ao MPP, chamado Redeprocidade. No início era um movimento ligado à construção civil, pois é um setor que tem um olhar muito urbanista, uma vez que tudo está conectado. Não adianta falar na construção sem pensar o território ao redor. E quando a gente expande vê que todos os outros setores estão envolvidos, como comércio, mobilidade, entre outros.A gente enxergava um definhamento na capacidade do Estado de planejar. Havia órgãos de excelência, como a Fidem, que não foram renovados ao longo do tempo. Sentimos que isso era necessário e chamamos as outras entidades. Mas acho que não foi possível sensibilizar os demais setores naquele momento. O tempo passou, veio a pandemia e tudo que vimos. O Estado estava inerte, notávamos que estava perdido e que a gente precisava chegar junto para cobrar atitudes e postura. Comecei a ficar impaciente e juntou a impaciência de muitos outros setores. O movimento começou a Apesce (Associação Pernambucana de Shopping Centers), que resgatou Ademi e Sinduscon. Depois vieram Fiepe, Fecomércio, OAB. Tudo isso em um único dia. Ao final desse dia já tínhamos as 32 entidades que fazem parte do movimento, que desde o princípio é apolítico. Seria tranquilo ficar esperando pelo Estado, mas nós queríamos uma interlocução.
JC – E qual foi a primeira impressão do governo do Estado sobre a iniciativa?
Avelar – Teve bons olhos e uma boa interlocução nas nossas primeiras ações de combate à pandemia, mas não nos enxergou como um movimento de longo prazo. E o movimento atua nas duas frentes. Há essas ações emergenciais e o que a gente chama de "pauta do futuro", que é justamente a discussão sobre a cidade que queremos daqui para frente. A gente tenta dar um pouco de racionalidade nesse processo, tentamos criar consensos. Recentemente criamos o MPP Planejamento, que é um grupo que engloba entidades públicas, universidades, para tratar dessa pauta do futuro. A gente filtra as reivindicações que vamos levar ao governo pois há coisas em que eles vão bem. Mas acredito que o governo está errando em alguns aspectos, como não permitir a realização de eventos corporativos, por exemplo. É perfeitamente possível fazer isso, os ambientes são controlados. Queremos provocar uma agenda com o governador pois está chegando um ponto em que a gente precisa que o Estado participe mais formalmente desse processo de reconstrução.
JC – O MPP defende que o Grande Recife tem que ser governado não como 14 municípios autônomos, mas como uma grande cidade com 4,5 milhões de habitantes. Mas historicamente há vários entraves nas experiências de governança metropolitana. Como vocês esperar quebrar essa resistência?
Avelar – Primeiramente convencer a sociedade a cobrar isso. Essa pauta tem que aparecer no dia a dia dos cidadãos comuns, dos formadores de opinião que pensam a cidade, dos movimentos sociais de transporte, moradia. Não adianta os municípios se fecharem em planos diretores que não se comunicam entre si, sem uma governança metropolitana. Essa pauta tem que ser incorporada pelos candidatos a prefeitos. É preciso que cada um abra mão de um pouco de sua autonomia local em troca do planejamento coletivo da região metropolitana. É preciso redistribuir os pesos das decisões: governo do Estado e Prefeitura do Recife, juntos, não podem ficar com metade do peso - o ideal seria terem um terço. Cada município tem uma secretaria de planejamento própria e não existe um órgão para elaborar o planejamento metropolitano, que é primordial. Se um alienígena pousar aqui não vai saber o que é Recife, o que é Olinda, Paulista, etc. As cidades se misturam. É preciso que isso seja percebido também em termos de governança.
JC – E como isso seria feito?
Avelar - Precisamos definir uma governança metropolitana e as regras de como vai ser esse futuro, que é o caso do Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI). É preciso que ele seja feito sob novas bases, levando em conta as novas gestões que vão assumir. É um plano que precisa ser feito com calma. O governo do Estado é um ator muito importante nesse contexto. Talvez ele seja o ator principal pois une a todos e tem força maior de decisão.
JC – Dentro dos vários problemas que a Região Metropolitana do Recife apresenta, existe um sobre o qual vocês gostariam de se debruçar com maior urgência?
Avelar - A mobilidade é o que une a todos nós. Todo mundo se desloca dentro das cidades. É uma questão que tem que ser olhada com calma, há vários erros ocorrendo. É preciso mudar alguns modais e realizar a integração temporal em vez da física, por exemplo. Já temos a tecnologia pra isso. De uma forma geral as cidades têm que ser inclusivas, oferecer trabalho e moradia. Também precisamos, por exemplo, criar novas centralidades.
JC – A pandemia é uma tragédia que não podemos de forma alguma dizer que foi uma oportunidade para qualquer coisa. Mas o fato é que ela acabou motivando a criação do movimento e fomentando entre o empresariado essa discussão mais a longo prazo sobre a cidade, que não existia entre o setor. O que esperar desse período em que as coisas começam, mesmo que lentamente, a voltar ao normal possível?
Avelar - A pandemia deixou claro tudo de ruim que todos nós fazíamos de conta que não era conosco. A escolha é: deixar pra lá ou enfrentar. A gente quer sensibilizar a sociedade para o fato de que essa agenda tem que ser incorporada. Não dá mais pra ficar apagando incêndio. É preciso, hoje, deixar bases para o futuro. Veja o caso de Suape. Alguém lá atrás pensou no longo prazo e colhemos até hoje bons frutos dessa decisão.Se essas novas gestões municipais, além do governo do Estado, avançarem no plano metropolitano terão deixado um belo legado. Coube a nós, que não somos e nem queremos ser da política, pressionar a política para que isso aconteça. E vamos ficar em cima.

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