2020 foi um ano sem São João e não terá grandes festas de Natal e réveillon, por motivos mais que conhecidos. À medida que chega a hora de virar a folha do calendário e entrar em um novo ano, a pergunta que não quer calar é sobre a viabilidade da realização do Carnaval em 2021.
A perspectiva de não termos a nossa maior festa popular soa tão absurda que os poderes públicos ainda postergam os anúncios, como que se agarrando ao fio de esperança das vacinas que vão começando a ser usadas no mundo.
Mas, mais absurda e surreal é a pandemia, e a verdade é uma só: é praticamente impossível o Carnaval de 2021, ao menos na data normal. Mesmo se a população começasse a ser vacinada no início de janeiro, isso seria feito para grupos prioritários como profissionais de saúde e idosos. Não há tempo hábil para se imunizar - algumas vacinas exigem duas doses com intervalo de dias entre as aplicações - toda a população do País. É "do País" mesmo, você leu certo. Não adiantaria de nada apenas a população local estar protegida quando o Carnaval é motivo para a vinda de turistas do Brasil inteiro, também do mundo.
Por mais triste e inimaginável que pareça, é bom nos acostumarmos com a ideia de que não teremos Carnaval. Ao menos não daquela forma consagrada da "mistura colorida da massa", da festa que é a aglomeração por excelência. Acima de qualquer coisa é o mais prudente a se fazer. O maior exemplo veio de um dos maiores símbolos da nossa folia, o Homem da Meia Noite, cuja direção anunciou que não haverá desfile nas ruas este ano. "Colocar uma agremiação como a nossa nas ruas exige um planejamento de meses, por isso resolvemos - e foi uma decisão difícil - não fazer o desfile, mesmo que o Carnaval seja anunciado. Em primeiro lugar está a vida", comentou, ao programa Balanço de Notícias, da Rádio Jornal, na última quinta-feira, o presidente do bloco, Luiz Adolpho.
Falta os governantes encararem a questão com a mesma maturidade - e antecedência. Em Salvador, ainda em novembro a prefeitura anunciou que a festa não seria realizada no período normal, por não haver segurança sanitária para tal. Atualmente vivemos uma escalada no número de casos que já interpretada por alguns especialistas como uma segunda onda de covid-19, com o aumento de infecções e a ocupação das UTIs chegando perto de 90% - um estágio de pré-colapso do sistema de atendimento. Mas o silêncio das autoridades sobre o assunto é ensurdecedor e incompreensível.
A folia está no nosso sangue e, para além da questão cultural, é um poderoso gerador de receitas em vários níveis - dos músicos de orquestras de frevo aos pequenos comerciantes, passando pela cadeia de produção de shows, bebida, alimentos, a lista é extensa. Toda uma estrutura que ficaria sem rodar. Mas não se enxerga outra alternativa no horizonte a não ser um anúncio antecipado, até para que haja tempo hábil para que as pessoas se organizem de outras formas e, na medida do possível, façam a festa da sua forma - sem, claro, aglomerações, através de lives ou outras iniciativas.
Empurrar com a barriga, na esperança de uma imunização em massa cair do céu em tempo recorde, um assunto tão caro à população é que não parece ser a coisa mais republicana a se fazer no momento.
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