Opinião

Mais leis, mais armas, mais mortes. Por Ricardo Leitão

Jair Bolsonaro decidiu que, em ano de eleição presidencial, priorizará no Congresso pautas da agenda de segurança pública

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Jamildo Melo

Publicado em 10/02/2022 às 10:14 | Atualizado em 10/02/2022 às 10:22
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Por Ricardo Leitão, em artigo enviado ao blog

Atento às suas bases de direita e extrema direita, Jair Bolsonaro decidiu que, em ano de eleição presidencial, priorizará no Congresso pautas da agenda de segurança pública. Temas como flexibilização na aquisição de armas e munições, porte de armas e redução da maioridade penal serão novamente trazidos à votação pela base parlamentar bolsonarista. Ninguém vá esperar daí qualquer sensibilidade ao risco de mais mortes com o fim das restrições ao armamentismo ainda vigentes.

Um dos projetos defendidos por Bolsonaro acaba com a identificação que permite o rastreamento de armas e munições, importante para a investigação de ações criminosas. Também amplia o direito de porte permitindo, por exemplo, que cerca de 500 mil colecionadores possam circular, em qualquer rua, horário e trajeto, com uma arma pronta para ser usada.

O pacote de segurança pública é totalmente coerente com o discurso de Sua Excelência na campanha de 2018 e à frente do desgoverno: “Se armar é um direito do cidadão”. Criticado, sempre ironizou: “Tem que todo mundo comprar fuzil. Se não quer comprar, não enche o saco de quem quer comprar”, continuou Bolsonaro. “Povo armado jamais será escravizado”.

As facilidades postas em prática pelo desgoverno já tiveram efeitos deletérios em 2021, quando o número de novas armas registradas pela Polícia Federal foi o mais alto nos últimos 13 anos. Em 2019, primeiro ano do desgoverno, os novos registros saltaram de 51 mil para 94 mil, crescimento de 84%.

O Instituto Sou da Paz, do Rio de Janeiro, responsável pelos dados acima, calcula que, somados os registros da Polícia Federal com os do Exército (que controla armas de maior calibre), haveria hoje em circulação no Brasil aproximadamente 450 mil armas com registro legal nas mãos de cidadãos comuns. O total não inclui as armas ilegais, de posse de quadrilhas.

Apesar desses números alarmantes, não falta tinta na caneta de Bolsonaro. Até 2018, atiradores desportivos tinham seus limites definidos de acordo com seu grau de competição desportiva. Em janeiro de 2019 Sua Excelência decretou que os novos limites seriam de até 60 armas (sendo 30 de uso restrito), 180 mil munições e 20 quilos de pólvora – independentemente do nível do atirador desportivo.

A caneta não descansou. Sua Excelência também autorizou novos limites para os caçadores registrados. Antes, eles tinham direito de comprar 12 armas, 6 mil munições e 2 quilos de pólvora; os limites foram expandidos para 30 armas, 90 mil munições e 20 quilos de pólvora. No caso dos colecionadores, que não possuem limite para o total do acervo, passaram a ter direito de possuir cinco unidades de cada modelo do acervo, contra um modelo na legislação anterior.

Comparado a dezembro de 2018, período imediatamente anterior ao início do desgoverno Bolsonaro, o aumento de certificados para as três categorias acima relacionadas saltou 161% para os atiradores; 219% para os caçadores e 228% para os colecionadores.

De acordo com o Instituto Sou da Paz a gravidade do quadro é maior porque o aumento do número de armas em circulação ocorre sem que haja crescimento correspondente na fiscalização. Apenas 2% dos arsenais privados são fiscalizados. Em 2021, foram realizadas só 7.234 visitas de fiscalização, em um total de 308.510 acervos privados.

O resultado dessa omissão e incúria é o morticínio – principalmente de homens jovens e pretos. Em dezembro passado, o Brasil registrou 17,2 mil internações hospitalares decorrentes de lesões provocadas por armas de fogo. O tratamento das vítimas custou ao Sistema Único de Saúde cerca de R$ 38 milhões. Levantamento da Sociedade Brasileira de Pediatria mostrou que em 2019 – primeiro ano do bolsonarismo – a cada 60 minutos uma criança ou adolescente morreu por arma de fogo no Brasil.

O desgoverno conhece esses números, o que não impede Bolsonaro de recomendar que os brasileiros adquiram fuzis. Por quais motivos? A quem interessam a flexibilização na compra de armas e munições, o esvaziamento da fiscalização e a importação descontrolada de armas de grosso calibre? Aos que rejeitam a escravidão ou às milícias de extrema direita que podem ser mobilizadas no permanente delírio golpista do bolsonarismo? Fuzis de longo alcance e metralhadoras de chão não se prestam ao alegado “direito do cidadão de se defender”.

Em meio a crises que não irão se resolver em um ano eleitoral, uma campanha violentada por milícias armadas da extrema direita vai insuflar o caos institucional. É o que pretende Bolsonaro para escapar da derrota cada vez mais provável. Os brasileiros querem votar, exercer o seu direito de construir um novo futuro. Para tanto, não precisam de armas, mas da afirmação da democracia e da extirpação urgente do golpismo.

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