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'O furor da motosserra e do veneno', por Ricardo Leitão

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Augusto Tenório

Publicado em 18/02/2022 às 15:00
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Nada é tão ruim que não possa piorar. O desgoverno de Jair Bolsonaro em nenhum momento desprezou esse princípio. Devolveu com silêncio os alertas, até os internacionais, sobre o descontrole do desmatamento na Amazônia, até ser confrontado, na semana passada, com um número alarmante: janeiro de 2022 registrou o maior desmate na floresta tropical desde 2015. Os 360 quilômetros quadrados devastados representam um volume quatro vezes maior em relação a janeiro de 2021. Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão federal.

Diante da tragédia ambiental não se ouviu sequer um resmungo do desgoverno, que permaneceu silente diante do anúncio de um novo desastre. Apenas 1,3% dos 115.688 alertas de desmatamento na Amazônia, entre 2019 e 2020, resultou em embargos ou autos de infração do Ibama. O total de informações verificado em 2021 foi o menor em duas décadas, enquanto a derrubada das árvores bateu recordes.

Em 2019, quando Ricardo Salles era ministro do Meio Ambiente (foi exonerado por envolvimento com contrabandistas de madeira), o Ibama aplicou 12.375 multas. Em 2020 o número ficou em 11.064 e em 2021 em 9.182 multas. Nos anos 2000, o Ibama emitia entre 20 mil e 25 mil autos de infração, em média, por ano. Regozijam-se hoje os furores das motosserras.

As milhares de árvores tombadas, porém, não aplacam os agrotroglodistas. Na semana passada, por 301 votos a 150, a Câmara dos Deputados, com maioria de parlamentares bolsonaristas, aprovou texto base de projeto de lei que esvazia as atribuições da Anvisa e do Ibama na aprovação de novos agrotóxicos para uso no Brasil. Ficam reforçadas as atribuições do Ministério da Agricultura, onde é grande a influência do agronegócio.

Alega o desgoverno Bolsonaro que a agricultura brasileira está perdendo competitividade por utilizar agrotóxicos tecnologicamente superados. Seria urgente trabalhar com novos pesticidas, dada a importância do setor agropecuário para a economia do País. Se as novas misturas químicas – jogadas no chão ou lançadas no ar por aviões agrícolas – se revelarem cancerígenas, causadoras de doenças renais, hepáticas e neurológicas, são danos colaterais temporários.

Os danos colaterais poderão ser permanentes se não houver uma reação imediata de ambientalistas, cientistas, biólogos e médicos frente ao dano ao meio ambiente. Existe tempo. Aprovado pela Câmara dos Deputados, o texto base seguiu para o Senado, onde pode receber emendas. Um dos pontos a serem debatidos é o que assegura ao Ministério da Agricultura a palavra final sobre a liberação dos agrotóxicos, esvaziando os pareceres técnicos da Anvisa e do Ibama. Caso seja emendado, o documento retorna à Câmara dos Deputados, para a votação final.

Há prazo para uma pressão de forma que o texto base seja rejeitado. O debate no Senado e o eventual retorno do projeto à Câmara dos Deputados podem ocorrer no início da campanha eleitoral – quando os parlamentares estarão priorizando as urnas. É uma esperança.

Uma alternativa seria apoiar proposta do senador Jaques Wagner (PT-BA), que pretende acelerar o estabelecimento de um marco jurídico para a produção de bioinsumos, produtos oriundos de substâncias de natureza vegetal, animal, microbiana e mineral – contraponto aos produtos químicos de largo uso no Brasil. Os bioinsumos movimentam hoje cerca de R$1 bilhão no País, sendo aplicados em 50 milhões de hectares. O marco jurídico em debate prevê que, até 2025, podem gerar um faturamento de R$ 2 bilhões – além de contribuir para a saúde humana, animal e do meio ambiente.

Também irão se intensificar pressões internacionais. Elas são constantes desde o início do desgoverno Bolsonaro, em decorrência dos incêndios criminosos na Amazônia, mas agora receberam um reforço de peso: a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Há tempos o Brasil almeja ingressar na instituição, importante fórum mundial. No entanto, nas exigências do bilhete de entrada consta que o País deve ter uma política de proteção ambiental reconhecida internacionalmente. Até aqui, nunca houve nada sequer parecido no desgoverno Bolsonaro. E com certeza não haverá até o fim da gestão. A OCDE ficará para o futuro. É mais um legado de incompetência que o pior governo da história deixa para os brasileiros.

Ricardo Leitão é presidente da Companhia Editora de Pernambuco, jornalista e autor do livro 'Tempos trágicos - Relatos sobre o desgoverno Bolsonaro'.

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