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Estado diz que acusações de 'desmandos' da AGU são cortina de fumaça usada pelo governo Bolsonaro contra Noronha

De acordo com a ação da AGU, os desmandos teriam acontecido há cinco anos. Não há informe, na ação, dos eventuais desdobramentos

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Jamildo Melo

Publicado em 02/04/2022 às 15:48 | Atualizado em 02/04/2022 às 15:59
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Mais cedo, o blog revelou que a Advocacia Geral da União (AGU), na petição que apresentou ao STF, solicitando a declaração de titularidade da ilha de Fernando de Noronha, o órgão elenca uma série de ações que seriam desmandos por parte da gestão estadual, no comando da ilha. O Estado retrucou, nesta tarde. Veja os termos abaixo.

Veja a nota da Procuradoria Geral do Estado de Pernambuco (PGE), em resposta às acusações da AGU de Bolsonaro

Acerca das acusações de supostos desmandos na gestão de Fernando de Noronha, a Procuradoria Geral do Estado (PGE-PE) entende que as alegações relacionadas à gestão do arquipélago são mais uma tentativa de interferência do governo federal sobre o estadual, em manifesta afronta ao pacto federativo, não passando de cortina de fumaça para tentar esconder o real intuito da ação ajuizada no STF: desfazer o resgate histórico realizado pela Constituição de 1988, que devolveu Fernando de Noronha a seu verdadeiro titular, o Estado de Pernambuco.

Mas, assim como a leitura do art. 15 do ADCT espanca quaisquer dúvidas quanto à nulidade do contrato de cessão no qual a União fundamenta sua pretensão de retomar o domínio federal sobre Fernando de Noronha – como se um contrato pudesse passar por cima da Constituição -, a verdade dos fatos também coloca por terra toda a narrativa desenvolvida na petição inicial da ACO 3568.

Senão vejamos.

A narrativa de que haveria irregularidade nas permissões de uso de imóveis emitidas pela Administração do Distrito Estadual de Fernando de Noronha não se sustenta, porquanto baseada nas cláusulas do inconstitucional contrato de concessão, que impõe a aplicação das regras para concessão de bens da União, o que, por previsão constitucional, não é o caso das terras que compõem o arquipélago de Fernando de Noronha.

Em se tratando de bens do Estado de Pernambuco, a legislação a ser aplicada é, por óbvio, a estadual, no caso, a Lei nº 11.304/1995 (Lei Orgânica do Distrito Estadual de Fernando de Noronha), cujo art. 20, VII, atribui ao Administrador-Geral competência para “autorizar o uso dos bens públicos da autarquia, por terceiros, através de atos de permissão ou contratos de concessão de direito real de uso”.

Pelas mesmas razões, é igualmente desprovida de fundamento a afirmação de os empreendimentos deveriam se sujeitar “às normas federais de uso e ocupação do solo” e que haveria edificações irregulares “em áreas da União”.

A alegação de que “aos locais, nada é concedido” é rechaçada pelo art. 86 a Lei Orgânica, segundo o qual a concessão de direito real de uso, para fins de moradia ou residência, destina-se exclusivamente: “I - a cidadãos residentes no Arquipélago, servidores públicos distritais ou particulares; II - a servidores públicos estaduais ou federais com exercício em Fernando de Noronha; III - a profissionais vinculados a entidades públicas ou instituições científicas, designados para a execução de serviços ou atividades temporárias, de interesse da Administração”.

Além disso, a Administração do Distrito Estadual de Fernando de Noronha esclarece que, por meio dos Decretos Distritais 002/2016 e 002/2020, foi instituída Política Habitacional para construção de casas populares, resultando, até o presente momento, na concessão de mais de 300 lotes à população mais vulnerável.

O discurso de que restrições para reformas em imóveis recairiam apenas sobre a população nativa não se sustenta, uma vez que, independentemente de quem seja o solicitante, as autorizações para reforma, ampliação ou instalação de edificações são condicionadas ao atendimento da legislação urbanística e ambiental, notadamente:

i) o Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental de Fernando de Noronha – Rocas – São Pedro e São Paulo;
ii) O Decreto Distrital 2001, que estabelece normas para construção de obras específicas e pequenas reformas;

iii) o Decreto Distrital nº 013/2003, que disciplina a entrada de materiais de construção;

iv) A Portaria AG/ATDEFN 020/2017, que dispõe sobre os procedimentos para análise de projetos de Engenharia.

A autorização também é condicionada à comprovação da existência de regular TPU (Termo de Permissão de Uso), devendo ser solicitada através de “Proposta de Projeto Arquitetônico” que se enquadre aos parâmetros urbanísticos e às condições de sustentabilidade estabelecidos no Plano de Manejo.

Outra prova de que, ao contrário das alegações da União, a gestão estadual prestigia a isonomia, especialmente em seu aspecto material, é a disponibilização de técnicos do setor de infraestrutura da ATDEFN para elaboração gratuita de projetos arquitetônicos residenciais para moradores que não tenham condições financeiras de arcar com o custo.

Igualmente sem fundamento a afirmação de que não haveria controle sobre as cargas que chegam ao porto.

As empresas que têm autorização para efetuar o envio de cargas ao arquipélago Fernando de Noronha encaminham previamente um manifesto via e-mail, especificando qual tipo de carga, a quantidade de toneladas contida, e a discriminação dos itens.

A gestão portuária possui uma equipe responsável por realizar a vistoria de todas as embarcações que adentram no Porto de Santo Antônio, certificando-se de que a carga está de acordo com o manifesto. Além disso, todas as embarcações que saem do Porto de Recife-PE ou Natal- RN, com destino a Fernando de Noronha, vêm acompanhadas com o despacho da Marinha Mercante do Brasil.

A acusação de que o Estado teria usado a estratégia de “desativar a maternidade local” para “inibir o nascimento de novos noronhenses” e restringir direitos é, além de leviana, um atestado de desconhecimento da realidade local.

Isso porque, desde 2017, é possível o registro da naturalidade noronhense de bebês cujas mães residam em Fernando de Noronha.

No mesmo sentido, é irreal a narrativa de que o atendimento de saúde seria precário e colocaria em risco a segurança de turistas.

O Hospital São Lucas, classificado como de média complexidade, presta atendimento de urgência e emergência, tanto para moradores como para turistas. Caso necessário, os pacientes são estabilizados em uma estrutura semi-intensiva e, se for preciso atendimento especializado, são transferidos para o continente, inclusive em UTI aérea, como recentemente ocorreu em fatídico episódio de ataque de tubarão sofrido por uma criança, justamente na área atualmente controlada pelo Governo Federal, na qual, segundo denúncias, apesar da cobrança de ingressos, sequer havia salva vidas ou kit para primeiros socorros.

Frise-se que o Hospital São Lucas, que também possui um banco de sangue, presta atendimento de urgências em diversas especialidades (como clínica geral, cardiologia, obstetrícia, odontologia, ortopedia, pediatria, psiquiatria), contando com apoio diagnóstico em colposcopia, eletrocardiograma, laboratório, radiodiagnóstico e ultrassonografia. Além disso, realiza consultas permanentes em cardiologia, fisioterapia, fonoaudiologia, ginecologia, pediatria, psicologia, nutrição, terapia ocupacional e serviço social e, de forma matricial, oftalmologia, urologia, cirurgia plástica, dermatologia, ortopedia, otorrinolaringologia.

O arquipélago conta, ainda, com Posto de Saúde da Família, com equipe completa formada por médicos, dentistas, enfermeiros, psicólogos, assistente social, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, nutricionista, técnicos de enfermagem e agentes comunitários de saúde disponíveis para toda população, prestando os serviços de puericultura, pré-natal, prevenção de CA cérvico uterino, DST/AIDS, diabetes, hipertensão arterial, hanseníase, tuberculose. Disponibilizam-se, ainda, os seguintes procedimentos: curativos, inalações, administração de medicamentos, retirada de pontos e programa de saúde na escola. Fernando de Noronha também conta com um Programa de Imunização em várias especificações, como BCG, Hepatite A e B, Febre Amarela, Influenza,Varicela, inclusive para Covid.

Voltando à questão das gestantes, elas são acompanhadas durante todo o pré-natal pela equipe de Saúde da Família, com realização de todos os exames necessários, fator considerado imprescindível para um melhor resultado gestacional. Fernando de Noronha conta ainda com o espaço Mãe Coruja, que faz o acompanhamento das gestantes da ilha no parto e pós-parto. No sétimo mês de gestação, a paciente é encaminhada para o continente, onde é acompanhada por uma unidade de referência em obstetrícia, recebendo todo o acompanhamento e assistência necessária. Na capital, a gestante conta ainda com a retaguarda de toda a rede de saúde de Pernambuco, pronta para qualquer tipo de intercorrência. A ida da gestante para o continente, a estada no Recife e a volta à Noronha são arcadas pelo Governo de Pernambuco, que inclui o direito a acompanhante, assim como de refeições diárias.

Quanto à alegação de que “desde 2017 a Câmara de Conciliação e Arbitragem Federal – CCAF busca uma solução para o impasse”, a PGE destaca que foi do Estado de Pernambuco a iniciativa de requerer a instauração do procedimento, dada a manifesta nulidade do contrato de cessão assinado em 2022. Entretanto, após algumas reuniões, o procedimento foi suspenso no final de 2018, por iniciativa da própria CCAF, que optou por aguardar o término da transição na Presidência da República e a posse do novo Governo, tendo esse, por sua vez, resolvido judicializar a questão e tentar tomar o domínio de Fernando de Noronha de Pernambuco, desconsiderando regra clara da Constituição.

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