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'Decisão no primeiro turno?', por Ricardo Leitão

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Augusto Tenório

Publicado em 01/06/2022 às 17:24
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Uma das muitas vantagens que a oposição tem sobre o bolsonarismo é que o bolsonarismo é previsível. Conhecidos os resultados das últimas pesquisas de intenção de voto, do Datafolha e do Ipespe, aconteceu o que se esperava: as milícias digitais de Jair Bolsonaro correram às redes sociais para desancar seus números, como se o problema fossem os números e não o desgoverno de Sua Excelência.

Bolsonaro, evidentemente, deu sua contribuição pessoal ao escracho: “Isso é uma canalhice. Eu sei que não sou unanimidade. Mas é um absurdo que os evangélicos, os militares e os policiais estão divididos entre mim e o outro candidato”. O ataque do pai foi corroborado pelo senador Flávio Bolsonaro: “O resultado do Datafolha deve ter sido vendido e a próxima pesquisa vai custar R$ 500 mil”, tuitou.

Os índices das duas amostras atordoaram o bolsonarismo. Tanto no levantamento do Datafolha quanto no do Ipespe, Luiz Inácio Lula da Silva venceria Jair Bolsonaro no primeiro turno do pleito presidencial, considerando-se apenas os votos válidos (contagem que exclui os brancos e nulos, como determina a legislação). Na média das apurações, Lula chegaria aos 54% dos votos válidos no primeiro turno, contra 30% de Bolsonaro. É a primeira vez que isso acontece.

Faltam quatro meses para 2 de outubro, o dia do voto, e pesquisas são um retrato momentâneo. Mas outros números divulgados não servem para acalmar os bolsonaristas. Sua Excelência perde em todas as regiões, com destaque para o Nordeste, onde Lula teria quatro votos para cada um de Bolsonaro. Com exceção dos eleitores com renda superior a dez salários mínimos, Lula vence em todas as faixas de renda e abre larga vantagem entre os mais pobres e os desempregados.

Bolsonaro tem melhor posição entre os eleitores com nível superior de instrução, sendo lulistas a maioria dos eleitores das demais faixas. As mulheres votam em Lula, os homens em Bolsonaro; os mais jovens votam em Lula, os mais velhos em Bolsonaro. Em um país onde há mais pobres, mais mulheres e mais jovens o balanço comparativo favorece o petista.

Os índices atestam que fracassa o esforço do bolsonarismo em abrir brechas nas bases lulistas. Para tanto serviriam o Auxílio Brasil (substituto do Bolsa Família); antecipação do 13º para aposentados e pensionistas da previdência social; novas linhas de crédito para pequenos empresários e promessa de aumento salarial linear de 5% ao funcionalismo federal.

As pesquisas mostram que nada adiantou, e Bolsonaro segue como o presidente mais desaprovado desde a redemocratização, em 1985. O desgoverno, que se exaure em sete meses, se mostrou incapaz de debelar a inflação, a alta dos preços dos alimentos, dos combustíveis e da energia e a degradação do meio ambiente – só para ficar na incúria administrativa mais recente. Dela não se escapa com discursos populistas e sim com liderança, planejamento, coragem e unidade nacional.

Isso, Jair Bolsonaro nunca teve e, não tendo, contribui, com sua insuperável incompetência, para o desdobramento das crises no próximo ano. Desde setembro de 2021 a inflação acumulada em 12 meses tem ficado superior a 10%. Deve ficar nesse patamar até o final deste ano e assim adentrar 2023. A inflação, como se sabe, empobrece mais os que já são pobres. O setor público continuará deficitário e a arrecadação, comprimida por favores fiscais, não crescerá. O novo governo terá de evitar, a todo custo, o crescimento da dívida pública, o que afetará seus investimentos. Depois dos delírios bolsonaristas da “nova política” e da “nova economia”, é o Brasil real batendo à porta.

O caos social que essa conjuntura pode provocar – e levar até à morte por fome – não demove Bolsonaro de sua fixação pelo poder. Referindo-se ao seu gabinete no Palácio do Planalto, ele já disse: “Dessa cadeira só quem me tira é Deus”. Nesse sentido, Sua Excelência trabalha com dois planos. O plano B é fragilizar as instituições democráticas e disputar a eleição em meio à conturbação que gera e impulsiona. O plano A é o golpe de Estado, executado antes da eleição ou depois dela, se não for o vencedor.

Acreditam os mais otimistas que Sua Excelência não teria condições de liderar um golpe no velho estilo, com mobilização de tropas e tanques nas ruas. Faltaria o apoio do Exército, da Marinha e da Aeronáutica – essenciais no velho estilo. Os pessimistas, no entanto, contestam e afirmam que agora os golpes são dados em novo estilo: um líder populista chega ao poder com o propósito de lá se manter indefinidamente, ganha o apoio militar e começa a carcomer as instituições encarregadas de conter seus abusos. Foi o caminho escolhido por Vladimir Putin, na Rússia; é uma opção para Bolsonaro.

Porém, há diferenças entre a Rússia e o Brasil. Aqui, a oposição ainda tem força no Congresso; o Poder Judiciário é independente; grupos de pressão social atuam; lideranças comunitárias, intelectuais e empresariais são ouvidas e a Imprensa reage, com sucesso, às tentativas de censura. Na Rússia de hoje, nada disso acontece. Bolsonaro pode ser um novo Putin, a quem prestou solidariedade dias antes da invasão da Ucrânia?

Os tempos que correm são desafiadores para o Brasil. E tornam-se ainda piores porque na liderança do País há um presidente que nunca foi, não é e jamais será um democrata. Conhecendo a trajetória política de Bolsonaro e tudo que disse e fez no desgoverno, acertará quem sustentar que ele vai insistir no golpe. A questão agora é quando e como.

POR RICARDO LEITÃO

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