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José Múcio Monteiro: 'Qualquer que seja a patente do militar envolvido (com o 8 de janeiro) as Forças têm que punir'

O ministro José Múcio Monteiro também comentou as resistências em Pernambuco à implantação da Escola de Sargentos do Exército

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Jamildo Melo

Publicado em 07/01/2024 às 13:19 | Atualizado em 07/01/2024 às 13:51
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O ministro da Defesa, o pernambucano José Múcio Monteiro, concedeu entrevista exclusiva ao Blog de Jamildo, na véspera do aniversário de um ano da invasão violenta dos três Poderes, em Brasília, por manifestantes radicais do bolsonarismo.

"Nós precisamos apurar quem foram os financiadores e quem foram os idealizadores daquilo", declarou.

Mesmo que com diplomacia, o ministro Múcio Monteiro faz críticas ao comportamento do ex-presidente Bolsonaro. "Ele (Bolsonaro) que tentou misturar a política com as forças armadas. Isso foi muito ruim para as forças. O último governo deixou as Forças Armadas numa posição delicada porque fazia tudo dizendo que as forças concordavam".

"Essa história de que isso foi uma foi uma artimanha do governo para enfraquecer o outro lado isso é uma coisa patética, não tem absolutamente isso", declarou, em outro ponto da fala.

Múcio Monteiro celebra ainda que, um ano depois do 8 de janeiro, se viva um clima de absoluta pacificação, de integraçao entre as forças políticas e as Forças Armadas

Veja os termos da entrevista exclusiva abaixo

Blog de Jamildo - Na avaliação do senhor, em que escala ou medida a democracia brasileira esteve em risco no 8 de janeiro?

José Múcio - Se aquilo tivesse se efetivado evidentemente estaria consumado o desejo de quem idealizou, isoladamente ou em grupo. Evidentemente, como não apareceram os líderes, os idealizadores, as pessoas vieram para cá como baderneiros, assim desordenados, promover um quebra-quebra inconsciente que não redundou em nada, nada, só uma ameaça para democracia. Nós precisamos apurar quem foram os financiadores e quem foram os idealizadores daquilo.

Blog -Um ano depois, em uma entrevista ao Blog de Jamildo, o cientista político pernambucano Antônio Lavareda disse estar convicto de que enquanto não forem apuradas as responsabilidades do atentado, o golpe ainda será uma ameaça. Ele disse: "Quanto aos militares, pessoas físicas, que comprovadamente tenham se envolvido, em qualquer grau, com projetos de autogolpe durante o quadriênio anterior e com os atos golpistas do 8 de janeiro..., esses devem ser exemplarmente punidos. Não só pelo dever de fazê-lo da Justiça, mas também pelo efeito dissuasório". Qual a sua avaliação?

José Múcio - Eu tenho repetido muito que as Forças Armadas não tinham o interesse em macular a nossa democracia com um golpe. Evidentemente que se podia ver militares isoladamente interessados. Eu repito com o exemplo de um jogador indisciplinado numa equipe de futebol. Ele é afastado pelo juíz, mas a equipe continua jogando. Se houvesse interesse das Forças Armadas de dar o Golpe, e eu já repeti isso algumas vezes, todos os golpes as forças vão na frente e o povo vem atrás apoiando. Aqui seria um conforto, já  que as pessoas estariam na ruas, era só a força vir atrás dizendo que estava atendendo um apelo popular. Nós precisamos esclarecer quem foram os responsáveis, quem financiou..

As Forças Armadas têm absoluto de interesse esclarecer tudo isso por que que nada pior para as Forças do que viver sobre esse clima de suspeição. Qualquer que seja a patente do militar envolvido as Forças têm que punir. Têm que tomar uma ação disciplinadora como um desincentivo a qualquer interesse em que se repita esse fato.

Blog - Passado um ano do triste episódio, que avaliação o senhor faz da naturalização dos acampamentos transformados em “puxadinhos” dos quartéis, antes da tentativa de golpe no 08 de janeiro?

José Múcio - Eu fui muito acusado por não ter tomado uma posição contra aqueles acampamentos. Primeiro, nós não podíamos tomar. A Justiça não se pronunciou mandando tirar. Você encontra acampamentos, esse tipo de protesto em várias áreas do Brasil. Eu sabia que aquilo era uma forma de coexistência pacífica entre as duas alas do Exército. Uma majoritária, que era legalista, e uma minoritária, que eram aquelas que não haviam aceitado o resultado das eleições.

Aquilo foi uma forma que o Exército encontrou de ir convivendo ... o cidadão que era contra o resultado da eleição oficial, deixava mulheres e os filhos no acampamento e ia trabalhar…

Quando eu fui chamado para ser ministro no dia 6 de dezembro havia no Brasil 45 mil pessoas acampadas defronte os quartéis, no Recife, Rio, São Paulo, Brasília… era um grande movimento e eram famílias de militares do Exército. Todos os dias passava defronte de manhã quando ia para o trabalho de tarde quando voltava para ver se diminuía… No dia 7 o comandante do Exército me avisou que havia umas 1.500 pessoas aqui em Brasília e no Brasil todo 4.500. O movimento havia se enfraquecido. Se dizia: Vamos ter calma que isso vai acabar. Eram 45.000 hoje já são 4.500.

Nós cometemos um erro porque quando a inteligência do Exército avisou que alguns ônibus estavam vindo de Curitiba, Mato Grosso, Goiás… nós achamos que eram poucos e combinamos que os ônibus não entrariam para o acampamento. Realmente os ônibus não entraram, mas as pessoas sim, e se juntaram e marcharam em direção à Praça dos Três Poderes.

Eu acho que, se nós tivéssemos mexido naquele acampamento, nós não teríamos conduzido a pacificação entre as partes, nós não conseguiríamos que as coisas fossem pacificadas como estão pacificadas hoje.

Blog -O Supremo Tribunal Federal mostrou que é um órgão capaz de impor limites a ímpetos mais radicais, mas os grupos extremistas continuam fortalecidos, apesar dos limites impostos pela justiça brasileira após o 8 de janeiro. Qual o papel das Forças Armadas antes e depois do 8 de janeiro na contenção do radicalismo?

José Múcio - Nossos preceitos são ditos na Constituição. O chefe das Forças Armadas é o presidente da República. Os nossos parâmetros estão ditados pelo STF. O STF é que diz o que pode e o que não pode, se deve se não deve, se nós infrigimos a lei… tanto que no final do dia 8 o STF mandou tirar o acampamento e tirou-se o acampamento. Nosso preceito é de trabalhar pela pacificação, é de ajudar ao governo, as instituições a manterem o país absolutamente pacificado.

Blog - Como as Forças Armadas podem ser mais eficazes em suas responsabilidades? Vimos recentemente o governo Federal tentando fechar as fronteiras para a entrada de armas e drogas? Já há algum resultado concreto?

José Múcio - O trabalho já é eficaz. Nós somos guardiões das fronteiras do Brasil. Se lembrar que os Estados Unidos sofrem com 3.600 km de fronteira com México, nós temos quase 17 mil km de Fronteira. O nosso efetivo evidentemente que tem que ser distribuído de uma forma mínima em áreas mais crônicas com mais soldados e áreas menos crônicas com menos soldados mas todos os dez países limítrofes do Brasil têm a presença das Forças Armadas nas nossas fronteiras.

Agora nessa questão da Venezuela nós fizemos um reforço de Fronteira porque era uma área que parecia que ia haver uma crise. Aqui junto do Mato Grosso do Sul, junto do Lago do Itaipu, no Paraná, nós temos uma presença também grande para conter a questão do tráfico de drogas. O Exército tem trabalhado diuturnamente para manter essa ordem.

EVARISTO SA / AFP
Nesta segunda-feira (8), atos antidemocráticos completam um ano - EVARISTO SA / AFP

Blog -Qual foi o impacto da atuação das Forças Armadas no Rio de Janeiro nos últimos anos?

José Múcio - Foi uma coisa impressionante essa última decisão do presidente da República concordando com o ministro Flávio Dino com o ministro Rui Costa, com secretário executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Capelli, nessa questão do Rio de Janeiro. Nós criamos uma uma linha imaginária e nessa linha imaginária, nos portos e aeroportos do Rio de São Paulo, o presidente determinou que fosse implantada GLO, Garantia da Lei e da Ordem, para que ali as três forças armadas pudesse atuar de forma plena, para que nós evitássemos o trânsito e o tráfico de bandidos, de traficantes e o tráfico de drogas e de armas.

Blog -A realidade tem mostrado que a desinformação é usada para disseminar o ódio e o extremismo, o que pode levar a um aumento da violência política. Baseada na ordem e na disciplina, como as Forças Armadas lidam com esse elemento de sublevação silencioso e eficaz, promovido por políticos populistas?

José Múcio - Eu acho que no momento nós estamos vivendo um período de muita paz no Brasil no campo político. Evidentemente que numa democracia cada um diz o que pensa e manifesta o que deseja fazer, mas desde o dia oito (de janeiro de 2023) que não há um movimento em lugar nenhum do país, não há uma nota mais dura, as Forças Armadas têm permanecido no seu papel. Não houve nenhum manifesto de nenhuma Força, nenhum general, nenhum coronel que fizesse nenhuma manifestação publica de insatisfação.

De maneira que vivemos um clima de absoluta pacificação, de integração entre as forças políticas e as Forças Armadas e é isso que eu defendo no momento que nós enviamos para o Congresso uma PEC proibindo que os militares participem de campanhas eleitorais continuando nas Força. Uma pessoa para ser candidato no Exército, na Marinha ou na Aeronáutica, primeiro tem que se afastar da Arma que serve para poder ser candidato. Isso é uma forma de nós tirarmos os militares da política.

Cada um tem o seu campo. Um é fruto de uma carreira de anos, que são as Forças Armadas. Na área política, os políticos são fruto de mandatos que se renovam a cada quatro anos. De maneira que são duas atividades completamente diferentes, necessárias, mas que não podem ser misturadas.

Blog -O senhor acha que o presidente Lula ou Bolsonaro saíram fortalecidos com o 8 de janeiro? Neste final de semana, o ex-presidente chamou a tentativa de golpe de armadilha da esquerda.

José Múcio - Me desculpe, mas quem saiu fortalecido foi o presidente da República, o presidente Lula. A sociedade assistiu que havia um grupo interessado em uma baderna política para macular a nossa democracia. Essa história de que isso foi uma foi uma artimanha do governo para enfraquecer o outro lado isso é uma coisa patética, não tem absolutamente isso. Na realidade quem saiu fortalecido nisso foi o presidente da República.

Marcelo Camargo/Agência Brasil
Influência do ex-presidente Jair Bolsonaro na invasão da Praça dos Três Poderes divide opiniões: 47% acreditam que ele apoiou e 43% pensam que não - Marcelo Camargo/Agência Brasil

Blog -Internamente, a corporação fez ou fará algum mea-culpa por ter se deixado levar por um projeto de poder, ao colocar um militar na Presidência da República, pelas vias democráticas? Elas estarão afastando-se definitivamente da política?

José Múcio - Quem colocou um ex-militar, que saiu como tenente muitos anos atrás, foi o povo brasileiro, os eleitores do Brasil, não foram as Forças Armadas. Ele que tentou misturar a política com as forças armadas. Isso foi muito ruim para as forças. O último governo deixou as Forças Armadas numa posição delicada porque fazia tudo dizendo que as forças concordavam. Nós não tivemos nenhuma manifestação das forças naquela tentativa… naquela baderna que aconteceu no dia 8…

Blog - Como as Forças Armadas podem contribuir para a consolidação da democracia brasileira? De passagem, lembro aqui falas de governadores do Sudeste contra o Nordeste?

José Múcio - As Forças não podem se meter em fala de governadores do Sudeste contra o Nordeste. Isso é questão do nosso partido federativo, tá no campo político, tá na nossa Constituição. Eu particularmente acho que precisam ser feitas correções pois nós temos regiões com mais privilégios de que outras. Mas isso é no campo político, não tá no campo das Forças Armadas.

reprodução da internet
A Escola de Sargentos será construída onde está localizado o Campo de Instrução Marechal Newton Cavalcanti - reprodução da internet

Blog - Apesar de ser um projeto de Estado brasileiro, não de governos, a implantação da Escola de Sargentos de Armas (ESA) em Abreu e Lima, Pernambuco, tem sofrido incompreensões e resistências. Nos meios políticos, o que se diz é que a ESA ainda não saiu de Pernambuco porque o senhor é o ministro. O preconceito velado contra os militares pode estar atrapalhando? Qual a real chance de ir para outro Estado?

José Múcio - Essa história de que não saiu porque eu sou ministro não é verdade. Não saiu porque o Exército, que estuda isso há muitos anos, chegou à conclusão de que o melhor é Pernambuco, o melhor para até responder uma pergunta anterior é uma forma de você corrigir distorções dos nossos sistemas federativo que o sul é sempre o centro de oportunidades para todos os jovens do Brasil.

Por isso que nós estamos levando o ITA para o Ceará, nós estamos reforçando a área de pesquisa as forças armadas tá ajudando com o CEITEC que está se instalando em Salvador, na base aérea, nós estamos trabalhando para vencer essa resistência dentro do estado de Pernambuco para que a escola de sargentos fique no estado de Pernambuco.

É como se fosse a AMAN que existe no Rio de Janeiro, a escola da Força Aérea de Pirassununga em São Paulo ou outras escolas militares que estão espalhadas pelo sul do Brasil, pela primeira vez surja no Nordeste. E o escolhido foi Pernambuco. Evidentemente que essas dificuldades apresentadas aí têm nos trazido dificuldades, mas nós estamos tentando e se Deus quiser isso tudo vai ser resolvido.

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