Por Fernando Castilho da Coluna JC Negócios
Donas de empresas e marcas consolidadas do mercado, famílias empresárias foram atingidas pela covid-19 quando tratavam da inovação e da identificação e escolha de novas lideranças. Essas famílias são responsáveis por milhares de empregos e estão envolvidas em processos de modernização e melhoria de governança. Os consultores chamam esse processo de planejamento de continuidade.
De uma semana para outra, todas foram obrigadas a redesenhar estratégias, revisar e antecipar programas de inovação, desenvolver processos de sobrevivência. Seja para responder ao desafio de atender o cliente de portas fechadas, manter-se ativas ainda que paradas ou para redefinir estruturas administrativas.
Naturalmente, essas famílias focaram, primeiro, na sobrevivência das empresas; segundo na manutenção de seus quadros de colaboradores e terceiro no atendimento às necessidades de seus clientes que agora estão em casa, mas demandando produtos e serviços que a maioria sequer tinha se preparado para atender. A prioridade da entrega rápida deu lugar ao preço final.
As necessidades logísticas assumiram um novo papel no negócio. Assim como o controle do caixa – agora restrito – passou a ser ferramenta de sobrevivência de toda companhia. Em algumas dessas famílias, o processos de escolha de novas lideranças foi deixado de lado por algum tempo para que todos cuidassem da sobrevivência da companhia.
Mas em algumas, foi acelerado com os novos assumindo funções para as quais ainda estavam sendo preparados. Noutras, os fundadores, que estavam confortavelmente nos conselhos de família, voltaram à ativa para agregar expertise, de modo a definir ações de sobrevivência, criar sinergias e rotinas virtuais que sequer imaginavam serem capazes de atuar, surpreendendo aos jovens pela interação e motivação.
Os conflitos não foram eliminados, mas reduzidos ao mínimo possível, segundo consultores ouvidos. Entretanto, uma coisa parece ter sido unanimidade nesses novos tempos de gestão de crise das empresas familiares: a busca pela manutenção de talentos entre os seus colaboradores.
Primeiro, porque as empresas não podiam ir ao mercado recrutar profissionais capazes de responder às necessidades peculiares da cultura das companhias; segundo porque eles não estavam disponíveis e terceiro porque, simplesmente, não dava tempo.
O processo de manutenção dos negócios de milhares de famílias empresárias teve de ser construído com os times que já estavam dentro de casa e conheciam a cultura das organizações.
E foram eles quem desenharam o novo modelo de atuação na crise e a estratégia de sobrevivência digital, exatamente por conhecerem a forma de atuação das companhias e a força de suas marcas. Isso não impediu demissões, o uso das opções oferecidas pelo governo com redução de salários e jornadas de trabalho e até redefinições de papéis, especialmente depois do uso do home office na cadeia de gestão.
Mas uma coisa parece claro quando se pergunta o que essas famílias empresárias pensam do futuro em que terão que atuar. A necessidade de revisão de todo um modelo de negócio, que alguns chamam de novo normal, e onde muitas não sabem ainda como vão atuar. O antigo já não será suficiente para assegurar a presença de suas marcas nesse desconhecido mercado.
Retenção de colaboradores foi decisiva
Marcelo Silva
O consultor Marcelo Silva, que atua como integrante do Conselho de Administração de empresas com controle familiar, afirma que, quando a covid-19 se instalou, a maioria das empresas com quem tem relacionamento deixou de lado os programas de governança e sucessão para se concentrar no mais importante: manter o negócio.
Silva já foi superintende de empresas como Bompreço, Pernambucanas e Magazine Luiza. Hoje atua como membro dos Conselhos de Administração de várias empresas brasileiras. Ele foca sua atuação exclusivamente em empresas controladas pelas famílias fundadoras e diz que, em todas, o foco do negócio, a proteção ao caixa e a retenção dos colaboradores foi o eixo da estratégia de crise.
Ele diz que essa é uma das características de empresas que têm cultura forte. As empresas que têm propósito, continua Silva, cuidaram disso. Foram esses colaboradores quem fizeram a transição de processos de automação, fortalecendo o e-commerce, o marketplace e reestruturaram canais de vendas. E eles fizeram isso dentro de casa e em home office. Processos que levariam três anos, foram feitos em três semanas.
Segundo o consultor – que em Pernambuco integra o conselho de administração do Grupo Raymundo da Fonte – geralmente essas companhias têm um grande time. São essas pessoas que sabem do propósito da companhia e respeitam seus valores, que lhe foram passados pelo diretores ao longo dos anos.
Foi esse time que já fez o diferencial na hora da crise e quem vai fazer a diferença na retomada. Para ele, o foco nos talentos, na proposta de manter o time, tem razões econômicas. “Muita gente não tem ideia quanto custa recrutar, treinar e aculturar colaboradores, para depois perdê-los.
Até mesmo as indenizações são mais caras. Gestores que não conheceram esse investimento, acabam jogando fora e jogam o conhecimento do mercado em que as empresas atuam.” Para o consultor, empresas que na crise retiveram seus colaboradores, não fizeram porque são boazinhas.
“Elas cuidaram do investimento. E isso para um grande grupo de empresas familiares custou muito dinheiro”. Silva acha que, naturalmente, muitas delas fizeram esforço, usaram os benefícios da MP 936, mas estavam focadas no seus ativos de RH. Na retomada, elas voltarão na frente. Poderão acelerar as mudanças.
Mas de uma coisa elas não poderão fugir, adverte. Todas terão que rever o modelo do seu negócio. “Estou dizendo que terão que mudar e se adaptar ao comportamento dos consumidores que mudou numa velocidade muito rápida. Esse é o seu novo desafio”.
Planejamento da continuidade
Marisa Hardman Paranhos
Para a consultora sênior associada à Cambridge Family Enterprise Group – Brasil, Marisa Hardman Paranhos, a crise alavancou o tema da governança nas famílias empresárias no meio dos processos que chama de “planejamento da continuidade”. E a primeira constatação foi o maior envolvimento da geração mais nova, nas famílias em que já há um processo de governança implantado.
Os membros da geração mais nova assumiram a responsabilidade e se envolverem com as questões dos negócios. Marisa afirma que isso possibilitou maior interação entre os membros da família e sócios, mesmo não trabalhando como executivos nas empresas. Houve maior alinhamento, coesão, comunicação e integração entre os membros da família que também eram sócios.
Outra peculiaridade, segundo a consultora da Cambridge Family Enterprise, foi a continuidade dos trabalhos iniciados. “Por imprevisível que fosse a situação, as famílias que já haviam iniciado processos de estruturação, deram seguimento às atividades, entendendo que, mais do que nunca, estas seriam fundamentais à superação de crise, pensando na própria longevidade da companhia”.
Finalmente para ela, a covid-19 explicitou a necessidade de início do processo de estruturação. “A incerteza e o caos trazido pela pandemia alertou várias famílias empresárias quanto à fragilidade, os limites e à própria impossibilidade de controle de diversos temas. Isso vai acelerar a busca por processos de estruturação da governança, preparação dos membros da família e das novas gerações”, avalia a consultora.
Para Marisa Paranhos, a nova realidade exigirá alta capacidade de adaptação nesse novo normal. “Sem sombra de dúvidas, vencerão, não necessariamente os melhores, mas aqueles que se adaptam mais rápido”.
Isso vale para todas as empresas e com as famílias empresárias não é diferente. Para ela, o cenário futuro está sendo compreendido, a necessidade de mudança e de adaptação identificada, as mudanças sendo feitas e as transformações esperadas, “dentro do possível e sem perder a sua característica de incerteza” que exigirá “novas trilhas e habilidades”.
Respeito às experiência dos fundadores
Francisco Cunha
Para o consultor empresarial Francisco Cunha, sócio diretor da TGI, é natural que o redirecionamento do foco tenha acontecido diante de um cenário tão inusitado e que toda a rotina da empresa foi alterada.
Os programas e iniciativas com o objetivo de preparar a geração mais nova tiveram que ser “suspensos” para serem retomados mais à frente. E nesse processo, diz o consultor, muitos jovens – por iniciativa própria ou por convite dos veteranos que tiveram de se afastar da linha de frente da gestão pelo risco de contaminação –, foram inseridos nas discussões sobre o que fazer diante da nova realidade.
Na verdade, a quarentena acabou criando uma oportunidade para a geração mais jovem “mostrar a que veio”, tomar a frente de questões que estão ameaçando o negócio e propor ações inovadoras e inusitadas que, numa situação normal, teriam resistência. “Os veteranos pareceram mais receptivos ao novo e ao que é diferente”, disse Cunha.
Segundo o consultor, a pandemia tem gerado oportunidades para os mais novos. Mas também muita tensão. Principalmente pelo medo de perder familiares-chave para o negócio, quando os mais jovens ainda não estão adequadamente familiarizados, na prática, com a cultura das empresas.
Afastar os veteranos (deixá-los em quarentena) não foi uma coisa fácil para muitas famílias. E nem seus familiares queriam ficar longe de negócio que é tão significativo e simbólico na hora que ela mais precisava. E muitos que já estavam apenas em conselhos voltaram ao comando.
Outra tensão encontrada nas empresas familiares foi que, com caixa restrito, a administração da pressão financeira da família e a necessidade da manter pagamentos essenciais à sobrevivência do negócio ficou mais tensa. Para ele, as empresas familiares tendem a enfrentar melhor as crises também porque são mais flexíveis e ágeis nas decisões, principalmente no primeiro momento.
Mas para ele, empresas familiares, ou não, precisaram entender os impactos nos negócios e que providencias precisariam tomar para a sobrevivência empresarial e a saúde de todos. Principalmente dos familiares que estão no grupo de risco.
A experiência, finaliza o consultor, mostrou que essa competência é decisiva para enfrentamento de crise. Não por serem mais competentes para o enfrentamento de crises, mas porque já viveram outras antes.
Usando as novas tecnologias
Antônio Jorge Araújo
Para o sócio da AJA – Gestão & Governança, Antônio Jorge Araújo, estamos vivendo um momento especial, onde tudo parece que foi amplificado e acelerado. Tanto para o bem, como para o mal. Segundo ele, os processos exigiram mudanças em muitas áreas.
Não foi só na tecnologia da informação, com as reuniões virtuais. “Cobrou também mudanças no comportamento das pessoas”. Tudo foi paralisado pela crise, pelo medo e pela incerteza. Para a companhia, a questão da classificação de grupo de risco para os maiores de 60 anos teve um impacto muito forte no núcleo de gerência e de média direção.
Araújo, que faz parte do projeto Escola F - Educação para Famílias Empresárias, diz que isso soou como uma espécie de “alerta geral” para a finitude da vida de todos nós. Nas famílias empresárias, essa constatação impactou, independentemente da idade.
“Todos ficamos mais atentos ao significado da vida. Inclusive entre os jovens que estavam envolvidos nos processos de melhoria de governança.” Anos de discussão e reflexão sobre a reorganização da empresa foram decididos neste momento e poderá ser colocado em prática com a volta às atividades nesses próximos meses.
Araújo revela que presenciou, com muita alegria, alguns fundadores, que estavam passando o bastão para seus sucessores, e voltaram com todo gás para o comando dos negócios. Queriam passar a mensagem.
“Deixem que seguro o leme” para atravessar a tempestade, depois vocês cuidam de navegar nesse novo mundo.
Segundo ele, depois de três meses atuando no novo cenário, agora dizem que não querem voltar mais para o escritório. Preferem permanecer trabalhando na casa de campo, onde tem mais qualidade de vida, mas inteiramente conectados. Avaliam que tudo ficou mais objetivo e mais produtivo.
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