Por Fernando Castilho, da Coluna JC Negócios
No dia em que o Brasil cravou a triste marca de 100 mil mortes por covid-19 e 3 milhões de infectados, dos quais 2 milhões estão curados, o presidente Jair Bolsonaro preferiu postar nas suas redes sociais uma comemoração pela conquista do campeonato paulista pelo Palmeiras.
Foi um decisão pessoal de não se pronunciar sobre a tragédia que se abateu sobre o país que governa. Ele escolheu brigar com os fatos atribuindo uma questão política à uma evidência científica que, em cinco meses, revelou-se equivocada pela dimensão que a situação se tornou. E sobre a qual ele preferiu continuar resistindo, resvalando para a falta de solidariedade, respeito e, finalmente, compaixão pelas mortes e famílias atingidas.
Curiosamente, enquanto brigava com a realidade da doença, Bolsonaro, forçado pela situação, destinou uma extraordinária quantia para enfrentar a epidemia, que só não foi melhor aplicada porque no processamento do gasto, as suas posições contaminaram o Ministério da Saúde, que acabou não conseguindo demonstrar capacidade, eficiência e a agilidade que a situação exigia.
Bolsonaro destinou mais de meio trilhão de reais do Tesouro Nacional para ações de ajuda às pessoas, às empresas e às ações de saúde.
Mas todo esse espetacular volume de recursos - que o Brasil não tinha - não foi acompanhado de qualquer gesto de fraternidade de sua parte aos seus cidadãos.
O mesmo presidente que pagou R$ 3 mil a 64 milhões de brasileiros, num total de R$ 250 bilhões, mais de R$ 30 bilhões para salvar empresas, outros R$ 40 bilhões para assegurar 10 milhões de empregos, abriu mão de receber outros R$ 60 bilhões em impostos e mais de R$ 35 bilhões na compra de equipamentos e pagamento de despesas médicas, não foi capaz de um gesto que não custaria R$ 1,00 ao contribuinte, mas que só ele poderia fazer: o de demonstrar compaixão pelas pessoas que perderam a vida pela covid-19.
Em cinco meses, o presidente não foi capaz de, uma só vez, se colocar no lugar do outro. Ou se revelar solidário à dor das famílias que perderam, e sequer puderam prantear, seus entes queridos.
Em uma live na última quinta-feira (6), Bolsonaro se referiu à marca de 100 mil mortes de uma forma tão dura que passou a ideia de desrespeito. Como se “essas 100 mil mortes” fossem uma coisa inevitável.
O problema é que, ao menos parte delas, poderiam ter sido evitadas sim. Com ações de distanciamento, uso de máscaras e testagem, isolando-se os contaminados e seus contatos numa ação que poderia ser mais eficaz se o comandante do país fosse o exemplo.
Mas o Bolsonaro preferiu negar a realidade dos fatos, enfrentar evidências cientificas e, pessoalmente, desrespeitar as recomendações de segurança médica abrindo um debate sem sentido apenas para firmar uma posição política.
O presidente, sua esposa e seus auxiliares contraíram a doença. Ele próprio precisou deixar seu gabinete de trabalho por semanas devido aos cuidados médicos. Ainda assim, ele prosseguiu no embate que construiu, dividiu o país e está retardando as ações de controle por uma média de mil mortes por dia.
Bolsonaro entrou para a história como um caso raro de um líder que gastou bilhões em ações de saúde, proteção social e econômica, mas que, por decisão própria, reduziu a efetividade na ponta com ações que acabaram desperdiçando o dinheiro do contribuinte.
Ele prosseguiu firme na convicção de uma posição contra a ciência. No conceito de confrontar ações recomendadas pelos médicos por entender que isso atrapalharia o desempenho econômico do seu governo.
Bolsonaro, por opção, embrenhou-se numa floresta de equívocos e hoje, de fato, tem enorme dificuldade de voltar a um caminho certo pelo medo de mostrar-se derrotado aos seus eleitores na interpretação da situação.
Isso talvez explique por que, quando da marca dos 100 mil mortos, ele tenha tanta dificuldade de fazer um simples gesto de demonstrar respeito pela dor dos que perderam familiares para a doença.
O presidente sabe que foi longe demais. Ele não aceitará mudar sua posição. Ele vai continuar na trincheira de resistência e pela qual imagina chegar a uma vitória sobre a doença ainda que isso custe, como já custou, milhares de vidas.
Sem perceber que ainda pode rever sua equivocada estratégia, ele teme um julgamento duro da História. Sem lembrar que ninguém se perde no caminho da volta.
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