Cenário econômico em Pernambuco, no Brasil e no Mundo, por Fernando Castilho

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Por Fernando Castilho
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O custo das UTIs da covid-19

No início da epidemia, o SUS, diante da gravidade do tratamento dos pacientes de covid-19, definiu que, para cada diária de paciente na UTI paga pelo contribuinte brasileiro, o valor seria de R$ 1.600,00.

Fernando Castilho
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Publicado em 09/08/2020 às 10:50 | Atualizado em 11/08/2020 às 17:20
ANDRÉA RÊGO BARROS/PCR
Os percentuais de ocupação da sexta-feira estão na média dos dois dias anteriores - FOTO: ANDRÉA RÊGO BARROS/PCR

Por Fernando Castilho da Coluna JC Negócios para o Trocando em Miúdos.

No país que, esta semana, registrou 3 milhões de infectados pelo coronavírus e que já precisou enterrar mais 100 mil deles, o custo das despesas de tratamento da covid-19 virou um despesa colossal no orçamento do Sistema Único de Saúde, nos Estados, prefeituras e planos de saúde.

A maior delas, quando precisaram internar os pacientes numa Unidade de Terapia Intensiva onde um em cada cinco não saiu de lá com vida. Assim como os demais países, o Brasil não estava preparado para bancar a despesa.

O paciente da covid-19 que vai para uma UTI custa, ao menos, R$ 4 mil por dia, segundo estimativa da Agência Nacional de Saúde feita no mês de maio. O problema é que o paciente de covid-19 permanece, em média, 10 dias na UTI, o que multiplica por 10 a despesa do tratamento.

No início da epidemia, o SUS, diante da gravidade do tratamento dos pacientes de covid-19, definiu que, para cada diária de paciente na UTI paga pelo contribuinte brasileiro, o valor seria de R$ 1.600,00. Mas também definiu que apenas os hospitais com estrutura permanentes poderiam receber esse valor.

A decisão impediu que os escândalos que o país ainda assiste, na contratação de serviços, material e equipamentos para a doença, não chegassem nas despesas com UTIs.

A decisão freou o ímpeto dos governadores e prefeitos na construção de hospitais de campanha. Especialmente quando o SUS definiu que pagaria esses leitos apenas como estruturas de suporte.

Mas os custos do tratamento de um paciente grave de covid-19 numa UTI, efetivamente, não são de apenas R$ 1.600,00. Se bem administrados, não ficam por menos em R$ 2 mil por dia, de forma que, mesmo unidades reconhecidas pelo SUS, estados e municípios precisam completar a despesa.

Pagar R$ 16 mil por cada paciente que precisa usar uma UTI não estava no radar de nenhum governador ou prefeito até março deste ano. E a maioria dos dirigentes municipais mandou os doentes para os hospitais do Estado, que precisaram criar câmaras de regulação de leitos para gerenciar a demanda que, em alguns casos, ficou dramática pela ausência de leitos.

A questão do alto custo da covid-19 nos hospitais públicos continua em debate. Não porque estourou todos os orçamentos anuais, mas porque exigiu uma mobilização de recursos que nem o SUS nem os estados estavam preparados. E que, no casos dos hospitais particulares, vai se traduzir, nos próximos meses, num aumento de mensalidades dos planos de saúde.

Além disso, no Brasil, a politização fez com que governadores e prefeitos escolhessem suas abordagens, o que levou ao retardo de ações, ampliação do número de contaminados e obrigação de maior internação dos pacientes.

Isso decorreu, também, da própria dificuldade de o governo federal entender a dimensão da epidemia e tomar medidas no atacado, de isolamento social, que teriam de ser complementados com ações mais proativas de vigilância na saúde básica, o que não aconteceu.

O Brasil chegou a 3 milhões de vítimas e 100 mil mortos com a sensação de poderíamos ter salvos mais pessoas, se as ações tivessem encontrado as pessoas contaminadas, antes delas precisarem ir para a UTI.

Pandemia num sub financiamento crônico do SUS

Na última terça-feira, Pernambuco cravou 100 mil casos de covid-19, com mais de 6 mil óbitos. É a maior tragédia que o Estado, a exemplo do Brasil, viveu. Mas o governo do Estado lembra que, em março, o número de mortes foi estimado em 14 mil, segundo a Universidade Jonhs Hopkins.

A letalidade, segundo o secretário de Saúde André Longo, só foi reduzida porque o Estado montou as maiores operações de logística, insumos e equipamentos e de Recursos Humanos de sua história. E isso incluiu aumentar o número de UTIs.

A resposta teria quer ser proporcional para pode salvar vidas, diz o secretário, revelando que, financeiramente, a conta é alta. Foram ofertados 850 leitos de UTI, parte transformando leitos que já existiam em leitos para covid-19, e outros novos, como os do antigo Hospital Alfa.

Mas o SUS só habilitou e pagou por 508 leitos de UTI. O Estado ainda tenta habilitar 59. Esses leitos são os que o SUS dobrou o pagamento de diária de R$ 800,00 para R$ 1.600,00. Para essa despesa, o Estado recebeu R$ 79,2 milhões para suporte a 90 dias de tratamento.

O valor estimado pelo estado é de R$ 2.000,00 por diária de UTI. O valor, segundo Longo, não cobre a despesa. Quando recebia R$ 800,00 por leito de UTI, o Estado bancava R$ 200,00 aos municípios. Para os que habilitaram UTIs para covid-19 e aceitaram coloca-los na Central de Regulação de Leitos o Estado, dobrou o valor para R$ 400,00.

O secretário diz que, com o final dos 90 dias de garantia de pagamentos de leitos de UTI, os estados terão dois problemas: o tempo que o Ministério da Saúde quer para habilitar as UTIs (30 dias) e como ficará a sustentabilidade desses leitos depois da pandemia. A sociedade quer que esses leitos continuem à sua disposição e os Estados terão de pactuar com União para manter, ao menos, uma parte dessa estrutura.

O quadro remete à falta crônica de UTIs no Brasil. A covid-19 revelou que tínhamos apenas 23.000 leitos do SUS. Pernambuco, que foi o segundo Estado a habilitar mais leitos na pandemia, ainda tem apenas 1.048 ou 1,1 para cada 10 mil habitantes. No geral, o Estado tem apenas 1.875 leitos de UTI.

O número de 100 mil casos e mais de 6 mil mortes incomoda ao secretário. Mas ele lembra que Pernambuco tomou a decisão de testar todos os casos graves suspeitos de covid-19. No começo da pandemia, a Secretaria de Saúde determinou que todos os cadáveres removidos pelo IML e pelo Serviço de Verificação de Óbitos deveriam passar pelo teste RT-PCR, se fossem relatados como suspeitos de covid-19. Isso elevou a média de Pernambuco. André Longo justifica a operação de ampliação das UTIs.

A diferença da covid-19 para qualquer outra, diz, é que a doença chegou de uma forma que colocou de joelhos todas os grandes sistemas. Em Nova Iorque, nos Estados Unidos, e no próprio sistema inglês. Então, tínhamos que agir. Mas ninguém estava preparado e, no Brasil, a doença chegou com mais força que noutros e também antes em alguns estados, como Pernambuco, que tiveram que se preparar no curso da doença.

Estrutura para receber impacto

O secretário de Saúde do Recife, Jaílson Correia, diz que pela localização, malha rodoviária, aeroporto e zona de influência regional, a cidade foi uma das capitais que recebeu com mais força a primeira onda de contágio. E que por ter uma rede de atenção de alta complexidade muito restrita, precisou optar por ampliá-la rapidamente.

Mas dos 342 leitos de UTIs que construiu, 280 não foram habilitados pelo SUS. Na prática, apenas os 62 do Hospital da Mulher estão recebendo o pagamento de R$ 1.600,00 por diária. Isso colocou para a Prefeitura o desafio de bancar os custos estimados, por ela mesma, em aproximadamente R$ 2 mil por paciente dia, porque as unidades de campanha foram estruturadas para UTIs.

A conta ficou pesada. Com o SUS reconhecendo os leitos como de suporte, a remuneração é de R$ 478,00. O Estado entrou com R$ 400,00. E o resto da despesa ficou com o município. O secretário diz que são leitos resolutivos. O paciente sai curado. E justifica a decisão de construir a estrutura, sobretudo de enfermaria e de UTIs, porque este é o leito mais importante no tratamento da covid-19.

“Era preciso fazer, além do que otimizar, os espaços no Hospital da Mulher e fazer os hospitais de campanha, embora com estruturas completas, incluindo rede de gases e equipamentos”. Jailson Correia avalia que o Recife precisou percorrer uma dura curva de aprendizado. Hoje, o número de mortes reduziu fortemente e as equipes estão mais treinadas. “Ficou um legado”, diz.

Para ele, essa expertise — assim como a maior parte dos equipamentos após a pandemia — será aproveitada nas unidades da prefeitura, inclusive, no Hospital da Pessoa idosa. “Nós temos que comparar com qual seria o custo da desassistência. Qual seria o custo de pessoas com necessidades de UTI, numa fila de ambulâncias. Ou pessoas enterrada em valas comuns”, diz.

Para pesquisador governo não entendeu dimensão da epidemia e testou pouco

Para o médico e pesquisador Thiago Feitosa, houve uma dificuldade do governo brasileiro de entender que existiam algumas formas de fazer com que as pessoas precisassem menos de UTI.

Que a receita para controlar a epidemia, num sistema de base territorial como o nosso, fosse procurar os caso positivos, isolá-los a tempo de não transmitir o vírus para outras pessoas.

O Ministério da Saúde até falou disso, reconhece Feitosa. Mas apesar do discurso, não houve ações concretas. E, na prática, houve por parte do Ministério da Saúde priorização do financiamento dos leitos de UTI.Isso salvou muitas vidas. Mas nós poderíamos ter salvado mais se a gente tivesse tido essa outra ação, diminuído a progressão da epidemia, do contágio e número de casos.

O direcionamento da União acabou ditando um curso reproduzido nos Estados. E aí, no caso das UTIs, ficou claro o déficit estrutural que o Brasil tem nesse setor, com os Estados apostando em novas estruturas, quando, talvez, o mais barato seria usar leitos já existentes. Porque já têm pessoal, equipamentos e reconhecimento do Ministério da Saúde.

Segundo Thiago Feitosa, que já dirigiu o Hospital das Clínicas da UFPE, os governos estaduais, de uma forma geral, optaram por novos leitos como solução que não foi muito utilizada noutros países, usando leitos existentes, transformando-os para covid-19. Isso não significa que a opção não tenha sido válida.

Mas segundo o pesquisador, com a escolha por investir nos equipamentos hospitalares — que foram importantes e necessários — acabou não se investindo na vigilância epidemiológica e na atenção básica, para fazer o que se chama de isolamento mais cirúrgico, que é procurar aqueles que estão transmitindo a doença e tomar conta deles.

Na prática, diz o pesquisador, a opção foi fortalecer as estruturas para que ela desse conta dos casos que viriam em grande número. É como se fosse inevitável que todo mundo seria infectado.

Mas essa é uma doença evitável, pois é possível diminuir a quantidade de casos. No geral, o que tivemos foi um isolamento mais ou menos, uma vigilância frágil, uma testagem baixa e um aumento expressivo de leitos hospitalares, diz o médico.

 

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