Por Fernando Castilho da Coluna JC Negócios
Especial TROCANDO EM MIÚDOS
Promessa do presidente Jair Bolsonaro numa Live a apoiadores em junho, a proposta de pagar R$ 300,00 a partir de janeiro de 2021, num novo programa de transferência de renda, virou um dilema para o Congresso e um desafio para o governo diante da inexistência de recursos no Orçamento Geral da União.
O debate começou depois que, após pagar R$ 200 bilhões na maior transferência de renda já feita por um governo brasileiro em menos de um ano, o presidente viu sua popularidade subir de forma surpreendente, especialmente no Nordeste.
Esse novo cenário levou Bolsonaro a questionar sua equipe sobre a possibilidade de manter o programa em 2021, mesmo sem os recursos do “Orçamento de Guerra” que o Congresso autorizou o governo gastar R$ 600 bilhões no enfrentamento da covid-19 — em caráter excepcional. Até fevereiro, seu governo discutia o déficit previsto de R$ 134 bilhões.
O ministro Paulo Guedes advertiu que R$ 600,00 (R$ 7.200 por ano) aos 67,2 milhões de inscritos no Auxílio Emergencial era impensável: R$ 483,84 bilhões. O presidente contentou-se em pagar, ao menos, aos inscritos no Programa Bolsa Família.
Foi então que se iniciou uma série de O problema do Renda Cidadã começou no dia em que o presidente Jair Bolsonaro, em conversa com apoiadores, prometeu manter em 2021 a assistência a parte dos beneficiários do Auxílio Emergencial. O presidente disse que seriam de R$ 300,00.
Acontece que no Orçamento Geral da União a rubrica Bolsa Família — por onde o dinheiro pode ser alocado — tem apenas R$ 34,85 bilhões. O valor levou em consideração a estrutura de pagamentos entre R$ R$ 41,00 e R$ R$ 205,00 para famílias que têm entre um e três filhos na escola. O valor de R$ 34,85 bilhões não cobre sequer os beneficiários do PBF com R$ 300,00. Se for pago às 19,4 milhões de famílias inscritas, serão necessários R$ 58,20 bilhões, o que significa uma necessidade de mais R$ 23,35 bilhões.
As propostas que já levaram a explosões de humor de Bolsonaro nas redes sociais, cancelamento de ideias e, mais recentemente, uma complicada negociação que passou a envolver a equipe econômica, e Congresso (através do Centrão). O objetivo é encontrar, dentro do OGU-2021, recursos para o “novo” Bolsa Família, que já foi Renda Brasil e agora está sendo chamado de Renda Cidadã.
O problema é que nem Bolsonaro, nem Paulo Guedes, e muito menos a equipe econômica, pensou num Bolsa Família turbinado quando escreveu o orçamento de 2021. Até porque o BPF já exige a tomada em empréstimos no mercado financeiro para suportar o fluxo de caixa mensal. O BPF é pago a partir da segunda quinzena de cada mês em contas da Caixa Econômica.
Sem prever uma nova despesa, o Ministério da Economia atualizou os valores do BPF de 2020 e fixou a previsão em R$ 34,85 bilhões. Com a promessa de Bolsonaro — apenas envolvendo as famílias inscritas no programa depois da covid-19 (19,4 milhões) — surgiu um déficit de R$ 23,35 bilhões.
Grosso modo pode-se dizer que, com o que existe no OGU 2021, o governo só paga o futuro Renda Cidadã até julho. Desde junho que a equipe de Paulo Guedes desenha fórmulas. Já falou em fundir 27 programas que já existem num único programa; o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, pensou em congelar aposentadorias e pensões por dois anos e restringir o seguro-desemprego e levou cartão, “cartão amarelo” do presidente e ameaça de um “cartão vermelho”. Até o senador Márcio Bittar (MDB-AC) resolveu mostrar serviço.
Sem consultar ninguém, com maior conhecimento de contas públicas, ele anunciou que iria realocar parte dos recursos de precatórios no OGU e do Fundeb para a rubrica do Renda Cidadã, novo nome do BPF. Ele convenceu o presidente e os líderes do Centrão a chancelar a ideia, numa aparição na frente do Palácio da Alvorada na última segunda-feira no final da tarde.
A inauguração da ideia de Bittar provocou um terremoto no mercado financeiro e no mundo político, que leu na proposta um calote do governo e uma tentativa disfarçada de furar o teto gastos. Bittar terminou a sexta-feira sendo o único no Congresso a falar da proposta. Isso quer dizer que, desde o dia 6 de junho, o presidente não tem um Bolsa Família para chamar de seu.
Cientistas veem posição confusa do governo
Para analistas, o imbróglio do Renda Cidadã — que já foi Renda Brasil e substituiria o Bolsa Família — é a expressão de como um governo que se diz liberal, enfrenta ao tratar as demandas sociais. Para a cientista política, Priscila Lapa, o governo Bolsonaro tem muita dificuldade em calcular corretamente os custos políticos de suas decisões.
Para ela, isso parte do princípio de que crises sempre são reversíveis e até bem vindas para atrair popularidade. Foge da regra básica do presidencialismo de coalizão, que é buscar no Congresso o colchão que deve amortecer os custos das políticas, sejam elas populares ou não. O fato novo foi a vinda do Centrão para alguns núcleos do governo.
Para Priscila, isso obrigou alguns movimentos nesse sentido, mas ainda nada que se pareça com uma articulação consistente, capaz de sustentar uma agenda dura que virá pela frente.
O cientista político Adriano Oliveira diz que o Centrão é o árbitro do governo Bolsonaro. Portanto, o presidente precisa conversar com ele sempre. Um programa de proteção social é necessário para Bolsonaro enfraquecer o lulismo. Mas o Centrão não tem, obrigatoriamente, responsabilidade fiscal. Apesar de saber, certamente, que ela é necessária, diz Oliveira.
Para o cientista político Maurício Costa Romão, embora não tenha sido o único fator, é inegável que o Auxílio Emergencial fornecido pelo governo para 67,2 milhões de pessoas (44% das famílias brasileiras) foi o principal responsável pelo aumento de popularidade do presidente Bolsonaro, turbinando seu cacife político e o tornando forte para 2022. O problema é que ele só vigora até dezembro.
Priscila Lapa lembra que a conta da covid-19 ainda não chegou, mas chegará. E isso vai acontecer justamente do meio para o fim do mandato. Para ela, grandes líderes mundiais estão se preparando para esse “pior” da economia, que ainda não chegou. A narrativa de Bolsonaro, de querer ganhar sempre no grito, pode ter êxito, mas é muito arriscada.
Adriano Oliveira avalia que o Centrão sabe disso e quer manter, neste instante, Bolsonaro como presidente e, portanto, Bolsonaro deve derrubar Guedes em nome da sua reeleição. Para Maurício Romão, Bolsonaro encontra-se na situação do jogador de xadrez que piora sua situação com qualquer lance na partida. Usar contabilidade criativa no Renda Cidadã, não passa no Congresso. Priscila Lapa vê muito improviso, nenhum respaldo político e nada de planejamento.
O errático ministro Paulo Guedes
O Brasil encerrou a semana sem resolver a questão da fonte de recursos para o Renda Cidadão e, mais uma vez, desmoralizando os autores das sugestões anunciadas. O ministro Paulo Guedes já foi criticado por mais de uma vez por Bolsonaro desde que propôs a unificação de vários programas sociais, criando um programa que deveria incluir parte dos 38 milhões de beneficiários do auxílio emergencial de três parcelas de R$ 600, pago em razão da pandemia da covid-19 que acabou até agora acabou não se materializando.
Mas nenhuma delas foi tão dura como a sugestão do secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, em congelar aposentadorias e pensões por dois anos; restringir o segurodesemprego, reduzindo o número de parcelas ou aumentando o tempo de carência para ter direito ao benefício. O objetivo seria abrir R$ 10 bilhões por ano no Orçamento. Irritado, Bolsonaro disse daria cartão vermelho ao autor da ideia e proibiu a equipe em falar em Renda Brasil. Apesar do desgaste, Rodrigues continuou no cargo.
Entretanto, uma semana depois, o assunto voltou na proposta do senador Marcio Bittar (MDB-AC), que sugeriu usar parte dos R$ 55 bilhões para pagar de precatórios, fixando um limite de 2% das Receitas Correntes Líquidas e recursos novos do Fundeb que financia a educação básica. O mercado reagiu forte em dois dias, a Bolsa de Valores caiu 5 mil pontos.
Desta vez foi Paulo Guedes (com investidores, Congresso e órgãos de controle) que viram a estratégia como “pedalada”, e disse que a proposta do senador Bittar estava descartada. De qualquer forma, o ministro voltou a falar na fusão de 27 programas que já existem, num programa mais robusto. Mas o fato é que o Guedes não ofereceu uma solução para a diferença entre o orçamento do Bolsa Família e as necessidades do novo programa.
Com apenas R$ 34,8 bilhões, governo não
sabe como arranjar mais R$ 58,2 bilhões
O problema do Renda Cidadã começou no dia em que o presidente Jair Bolsonaro, em conversa com apoiadores, prometeu manter em 2021 a assistência a parte dos beneficiários do Auxílio Emergencial. O presidente disse que seriam de R$ 300,00.
Acontece que no Orçamento Geral da União a rubrica Bolsa Família — por onde o dinheiro pode ser alocado — tem apenas R$ 34,85 bilhões. O valor levou em consideração a estrutura de pagamentos entre R$ R$ 41,00 e R$ R$ 205,00 para famílias que têm entre um e três filhos na escola.
O valor de R$ 34,85 bilhões não cobre sequer os beneficiários do PBF com R$ 300,00. Se for pago às 19,4 milhões de famílias inscritas, serão necessários R$ 58,20 bilhões, o que significa uma necessidade de mais R$ 23,35 bilhões.
O desafio da equipe econômica, portanto, é conseguir remover R$ 24 bilhões de outra rubrica. Teoricamente, esse seria o valor que o governo deveria realocar dentro do OGU, que tem receitas previstas de R$ 1,5 trilhão.
Mas a Secretaria Geral de Orçamento não incluiu as novas necessidades, abrindo a discussão que se arrasta até agora com uma lista de sugestões. Entre elas, o uso de parte dos precatórios e do Fundeb, pelo senador Márcio Bittar (MDB-AC), relator do OGU no Congresso.
Um dos maiores entraves para trabalhar com R$ 58,20 bilhões é o fato de que em 2021 o OGU voltará às suas dotações normais. O valor de R$ 34,85 bilhões é a correção dos R$ 29,5 bilhões previstos para as 13,2 milhões de famílias inscritas no PBF, até março deste ano.
No decorrer da pandemia, o ministério da Cidadania elevou o número para 19,4 milhões. Os R$ 34,85 bilhões já não seriam suficientes para atender às famílias inscritas nos critérios do PBF. Este ano, por força da covid-19, o governo pode contar com R$ 274,5 bilhões só para o Auxílio Emergencial, quase 8 vezes o que terá em 2021.
Foi essa massa de recursos que permitiu o pagamento de 67,2 milhões de pessoas, entre elas inscritos no Bolsa Família (19,4 milhões), no CadÚnico (10,5 milhões) e 37,3 milhões inscritos no Caixa Tem. Graças a isso, mães solteiras receberam R$ 1.200,00 na primeira fase (R$ 6.000,00) e R$ 2.400,00 na segunda. Os demais receberam até R$ 3.000,00 mais R$ 1.200,00 pagos até dezembro.
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