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Quem era Hélio Fernandes, ícone da imprensa crítica do regime militar que morreu aos 100 anos

Hélio Fernandes, combativo, provocador, parte da história da imprensa do Brasil. Ele era irmão de Millôr Fernandes

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Fernando Castilho

Publicado em 11/03/2021 às 11:30 | Atualizado em 11/03/2021 às 11:30
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Por Cristina Vaz de Carvalho, Editora do site Jornalistas e Cia.

Hélio Fernandes morreu na madrugada desta quarta-feira (10/3), aos 100 anos, de causas naturais, conforme informou a família. O corpo será cremado na quinta-feira (11/3), e não haverá velório aberto.

Carioca do Méier, quando o Rio de Janeiro era capital da República, cedo perdeu os pais e precisou trabalhar em diversas atividades, sem terminar os estudos.

O irmão Millôr Fernandes abriu-lhe as portas da revista O Cruzeiro, onde galgou postos, chegou a diretor de Redação, e fez amizade com Carlos Lacerda. Publicou ali artigos em que defendia interesses contrários aos de Assis Chateaubriand, dono da publicação, e, assim, deixou o emprego.

Depois de um ano de andanças pela Europa, de volta ao Brasil foi para o Diário Carioca chefiar a seção de esportes. Com a Copa de 1950, contratou cronistas como Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos. Não sendo comentaristas esportivos especializados, eles começaram a tratar o assunto uma nova forma.

Em 1952, assumiu a direção da recém-criada revista Manchete, e lá permaneceu por cerca de dois anos, saindo depois por divergências com Adolpho Bloch, dono da editora.

Em 1955, assumiu a assessoria de imprensa da campanha eleitoral Por Cristina Vaz de Carvalho, editora de J&Cia no Rio de Janeiro Morre Hélio Fernandes, combativo, provocador, parte da história da imprensa do Brasil de Juscelino Kubitschek à Presidência da República.

Depois da posse do candidato vencedor, foi convidado para dirigir o jornal A Noite, do governo. O temperamento difícil de Fernandes levou-o a fazer oposição ao presidente e, mais uma vez, deixou o emprego.

O jornal Tribuna da Imprensa fora fundado por Carlos Lacerda, que depois o vendeu a Manoel Francisco do Nascimento Brito, genro da condessa Pereira Carneiro, dona do Jornal do Brasil. Foi de Nascimento Brito que Hélio Fernandes comprou o jornal. Em entrevista, afirmou não ter pagado um centavo pela empresa, mas, ao assumir ativo e passivo do jornal, teria livrado Brito de um enorme prejuízo.

Combativo, provocador, Fernandes foi considerado por Elio Gaspari, em seu livro A ditadura escancarada, um dos mais perseguidos pela ditadura militar.

Esteve à frente do jornal até que deixou de circular na versão impressa, em 2008. Dali em diante, antigos colaboradores mantiveram uma versão online, com articulistas como Sebastião Nery

Hélio Fernandes Filho deu seu depoimento daquela fase para o livro Jornalistas brasileiros, editado em 2005 pela Mega Brasil, com organização de Eduardo Ribeiro e Engel Paschoal.

Fernandes Filho era então editor responsável pela Tribuna da Imprensa: “Os censores trabalhavam na Redação, junto com os jornalistas, com as pistolas em cima da mesa e mais de uma vez os nossos profissionais sofreram ameaças de morte por parte deles. Meu trabalho, nessa fase, foi mais de guerrilha: depois que os censores saíam, recolocávamos tudo o que tinham censurado de volta, obrigando-os a apreender o jornal nas bancas”.

Ele prossegue “No dia seguinte, eram horas de depoimento na Polícia Federal e, à noite, voltávamos à mesma operação. Eram tempos nos quais não podíamos nos dar ao luxo de grandes matérias, já que o objetivo principal era sobreviver. Mas mesmo assim, em 1979, ganhamos um dos primeiros prêmios Vladimir Herzog com a primeira matéria sobre a guerrilha no Araguaia”.

Em 1981, uma bomba explodiu na sede do jornal, na rua do Lavradio. Um exemplo do estilo ácido de Fernandes.

No dia seguinte ao acidente aéreo em que morreu Castelo Branco, em 1967, escreveu no editorial: “Com a morte de Castelo Branco, a humanidade perdeu pouca coisa, ou melhor, não perdeu coisa alguma. Com o ex-presidente, desapareceu um homem frio, impiedoso, vingativo, implacável, desumano, calculista, ressentido, cruel, frustrado, sem grandeza, sem nobreza, seco por dentro e por fora, com um coração que era um verdadeiro deserto do Saara”.

Em consequência, Fernandes permaneceu 30 dias preso em Fernando de Noronha e mais um mês em Pirassununga (SP). No mesmo ano, publicou o livro Recordações de um desterrado em Fernando de Noronha.

Essa estirpe de jornalistas teve, além do irmão Millôr Fernandes, os filhos Rodolfo Fernandes, ex-diretor de Redação do Globo, e Hélio Fernandes Filho, que administrou a Tribuna por algum tempo. Ambos morreram em 2011. Ele deixa outros três filhos, Isabella, Ana Carolina e Bruno, e dois netos, Felipe e Letícia.

 

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