Em oito anos, Geraldo Julio repassou à Câmara R$ 1,12 bilhão para ela mudar nome de rua e dar título de cidadão
É o melhor dos mundos. A cidade cresce, o prefeito arrecada mais e o presidente da Câmara Municipal ver seu cheque engordar todos os anos.
Nos oito anos em que administrou a cidade, o prefeito do Recife, Geraldo Julio, repassou à Câmara Municipal um total de R$ 1.118.950.000, corrigidos pelo IPCA, como transferência constitucional aos trabalhos do poder Legislativo determinados pela Constituição de 1988.
Esse valor, chamado de duodécimo, assim como no Governo Federal, nos governos Estaduais e nas prefeituras deve ser transferido até o dia 20 de cada mês sob pena de o gestor incorrer em crime de improbidade podendo, no limite, ser decretada a intervenção judicial no ente federativo.
A justificativa, aceita na época, era a de que os Estados e os municípios precisavam de 10 dias para confeccionar suas folhas de pagamento e despesas pelos seus setores administrativos. Hoje, virou um absurdo pois, enquanto a prefeitura atrasa salários, os vereadores e servidores do Legislativo vivem num mundo à parte.
No caso do Recife, ele está vinculado ao percentual de 3,5% do Orçamento da Prefeitura do Recife o que, este ano, assegura ao poder Legislativo municipal R$ 158.200.000, conforme está previsto na Lei de Diretrizes Orçamentarias de 2021 aprovada ano passado.
É muito dinheiro para uma instituição que tem 33 vereadores e, aproximadamente, 1 mil funcionários - e que permite que cada um deles indique 18 assessores em cargos comissionados.
Na prática, um vereador do Recife é como se fosse uma microempresa do setor dos serviços que não precisa ser preocupar com o faturamento nem com o serviço que entregam ao mercado.
A questão dos percentuais do duodécimo vêm sendo objeto de contestação de vários movimentos sociais. Eles criticam a baixíssima produtividade das Câmaras Municipais e Assembleias Legislativas diante da crise do Estado brasileiro.
O problema é que como a Constituição Federal definiu que Assembleia e Câmara Municipal não podem legislar sobre matéria financeira, a função da Câmara, em especial, ficou muito reduzida e vai caindo na medida em que o tamanho do município vai diminuindo.
Em novembro último, mais de 148 milhões de brasileiros escolheram prefeitos e vereadores dos 5.570 municípios do País. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) recebeu 516.400 pedidos de candidaturas e ao final 56.600 vereadores formam eleitos para o cargo em todo o Brasil.
É uma despesa de, aproximadamente, R$ 10 bilhões/ano que os prefeitos precisam transferir às câmaras municipais - cuja produtividade a cada ano cai pelo dominância do poder Executivo sobre as casas legislativas.
Teoricamente, o vereador é a pessoa responsável pela elaboração das leis municipais e fiscalização da atuação do Executivo local, representado pelo prefeito.
Os vereadores devem propor, discutir e aprovar as regras de competência municipal. E, em tese, devem verificar se os recursos municipais estão sendo aplicados devidamente e acompanhar o orçamento.
O problema é que, na prática, vereador virou auxiliar do prefeito através do controle que eles exercem sobre as bancadas. Na verdade, sua função (com raríssimas exceções) se resume a aprovar título de cidadão para personalidades de alguma relevância ou propor mudar o nome de ruas e avenidas. Ou, nos casos mais graves, mudar os nomes de espaços públicos que a população já escolheu.
A questão das câmaras municipais das capitais e cidades de porte médio é que, em cada vez mais casos, o dinheiro está sobrando no caixa do presidente da Casa, já que o número de vereadores está relacionado ao tamanho da população cujo número de eleitores define os números de vagas nas Casas.
É o melhor dos mundos. A cidade cresce, o prefeito arrecada mais e o presidente da Câmara Municipal recebe seu cheque mais gordo todos os anos. Em alguns casos - como no Recife - vira um “problema” pois simplesmente não tem como crescer a despesa.
O Recife é um bom caso de capitais cuja performance na arrecadação de tributos levou para a Câmara mais alguns milhões de reais com uma produtividade que, na iniciativa privada, estariam todos demitidos.
João da Costa entregou a Geraldo Julio, em 2013, um orçamento de R$ 112 milhões. Oito anos depois, Geraldo Julio entregou a João Campos um orçamento de R$ 158 milhões. Ou seja, R$ 46 milhões a mais sem que a Casa não tenha aumento das despesas como a própria Prefeitura do Recife aumentou.
Com R$ 158 milhões em 2021 e uma reserva financeira de R$ 49 milhões no início de abril, a Câmara do Recife teve, em quase três meses, 132 projetos de lei discutidos no plenário e nas comissões da Casa. Na verdade o grande problema do presidente da Casa, Romerinho Jatobá, é como gastar esse dinheiro sem precisar devolve-lo ao Executivo.
Os vereadores também se encarregam de encontrar fórmulas de gastar esse dinheiro. Detalhe: O Recife não tem sequer uma sede moderna e paga aluguel de vários espaços em edifícios ao redor do Parque 13 de maio.
Conforme revelou o Blog de Jamildo, na semana passada, apesar do número alto de proposições, a maioria é de propostas de datas comemorativas, campanhas de conscientização e alterações de nomes de rua, por exemplo. As propostas ligadas diretamente à pandemia de covid-19 são minoria, aproximadamente 25 do total.
Entre as proposições de datas comemorativas de 2021, por exemplo, está a que institui o Dia do Católico, Dia dos Veteranos da Polícia Militar de Pernambuco e o Dia do Patinador no município. Isto mesmo que você leu. As propostas constam no site oficial da Casa.
O valor de R$ 49 milhões "sobrou" no caixa dos vereadores, mesmo após efetuarem todas as despesas orçamentárias de R$ 12 milhões em março. Segundo vereadores, sob reserva de fonte, a Câmara Municipal tem "economizado" para comprar uma nova sede, que dê "conforto" aos vereadores e assessores.