Enquanto russos abandonam governadores na venda da Sputnik V, indianos avançam na venda da Covaxin ao Governo Federal
Russos abandonam governadores que ainda tentam, em seu nome, fazer o STF autorizar importação de vacina recusada pela Anvisa
Quando comparamos a história de grandes personagens da Índia e da Rússia, podemos ver que existe uma extraordinária diferença de visão de mundo entre Gandhi e Lenin, entre Sidarta Gautama e Romanov e entre Putin e Narendra Modi, embora os dois que estão vivos governem seus países sufocando adversários.
Talvez, por isso, seja possível entender a disparidade de atitudes entre os institutos Gamaleya, da Rússia, que produziu a vacina Sputnik V, e o Bharat Biotech, da Índia, que produz a Covaxin. As duas vacinas estão sendo oferecidas ao Brasil pelas empresas União Química - parceira da Rússia - e pela Precisa Farmacêutica, da Índia.
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O Congresso até aprovou uma Medida Provisória que destinou R$ 2,3 bilhões para que as duas sejam importadas, o que não aconteceu até hoje. Mas, curiosamente, há uma enorme diferença entre o comportamento dos governadores sobre uma e outra.
Pela Sputnik V, aos menos 17 governadores empenharam sua força política, capacidade de articulação e se dispuseram até a ir ao Supremo Tribunal Federal para obter da Anvisa autorização para importação de ao menos 40 milhões de doses da vacina russa, mesmo que ainda não tenha recursos alocados e acreditem que a União bancará a despesa, incluindo a Sputnik V no Programa Nacional de Imunização. Para a Covaxin, nenhuma palavra.
O problema é que os governadores escolheram um fornecedor que não os respeita, muito a despeito das declarações que os gestores estaduais fizeram por ele. Tanto que, na semana passada, simplesmente mandou avisar que estava retirando o pedido de autorização das vacinas, deixando os possíveis clientes na mão. Os russos se negaram a apresentar os documentos técnicos sobre sua vacina exigidos pelo Brasil.
O gesto dos russos aconteceu na semana passada quando governadores, por sua iniciativa, enviaram à Anvisa documentos sobre a vacina, numa tentativa de mais uma vez ter autorização para o imunizante. Ou seja, o fornecedor estava dizendo à fiscalização que não a respeitava e que não tinha mais interesse em vender seu produto. Mas o freguês insistia com o fiscal em defendê-lo.
Mas no caso da vacina indiana, quando, no final de março, os técnicos da Anvisa visitaram os laboratórios da indústria na Índia e não deram a certificação de boas práticas de fabricação para o insumo biológico produzido pela Bharat Biotech, a reação dos indianos foi ler atentamente as falhas detectadas e iniciar um programa de revisão de seus controles.
Com seu parceiro no Brasil, a Precisa Farmacêutica, eles convidaram o Hospital Albert Einstein para discutir a melhor estratégia para o pedido de anuência de estudo clínico fase 3 da vacina no Brasil. Até que, esta semana, solicitaram uma nova visita de inspeção, enquanto pediram nova autorização para importar 20 milhões de doses da vacina Covaxin (BBV152).
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Os russos, por sua vez, não só negaram acesso às suas fábricas, cancelaram o pedido de importação, como até iniciaram a produção de sua vacina nas plantas da União Química em São Paulo e até repassaram a tecnologia de produção do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) para a empresa brasileira, tentando mostrar que o mesmo imunizante que o Brasil recusa é feito aqui e exportado para outros países enquanto o governo tenta, desesperadamente, comprar vacinas.
Segundo a Anvisa, o Ministério da Saúde (MS) protocolou, na segunda-feira (24), uma nova solicitação de autorização para importar 20 milhões de doses da vacina Covaxin/ BBV152, fabricada na Índia, onde o imunizante tem autorização para uso emergencial.
Também no que se refere ao cumprimento das Boas Práticas de Fabricação pela fabricante Bharat Biotech, um dos principais aspectos que motivou a decisão anterior, a empresa protocolou novo pedido de certificação na Anvisa, referente à linha de produção do produto acabado. Ou seja, a Índia quer que os técnicos da Anvisa voltem às suas instalações e vejam as providências que tomaram.
Depois de seis meses de embate, parecem próximas de zero as chances de a Sputnik V vir a ser usada no Brasil. Já a Covaxin pode chegar ao Brasil em julho, abrindo um enorme mercado em dezenas de países. Por outro lado, discretamente, a Precisa Farmacêutica se articulou na Anvisa, já que o Bharat Biotech quer referenciar a sua vacina em testes de fase 3 no Brasil.
Isso mostra o equívoco dos governadores em politizar a questão, chegar a ir ao STF para desmoralizar a Anvisa e virar agentes de uma briga de mercado cujo parceiro simplesmente não quis se submeter às exigências médicas e até contestar a capacidade do país em fazer uma avaliação profissional.
Além disso, durante o embate, o do Fundo de Investimento Direto da Rússia, que é o dono da Sputnik V, insistiu na informação de que mais de 40 países já haviam comprado a vacina, sem explicar porque nenhum deles faz uma verificação mais aprofundada. Ou seja, tentou vender a ideia de que como dezenas de países já estavam comprando sua vacina, o Brasil não precisava fazer tanta exigência.
A eficácia da vacina russa já está sendo demonstrada em vários países, mas sem que nenhuma agência a tenha aprovado. O comportamento de russos e indianos mostra que os indianos entenderam que o Brasil tinha uma agência listada entre as oito melhores do mundo e que não valia a pena confrontar.
Talvez porque, de certa forma, já tinham assegurado, pela MP 1.025, verbas para um contrato de R$ 1,614 bilhões quando a Sputnik V, do Fundo de Investimento Direto da Rússia, tinha apenas R$ 693,6 milhões.
Os indianos são mesmo bem diferentes dos russos. Até para ganhar dinheiro e influência na área de fármacos. Mas o episódio mostra que os governadores que estavam querendo comprar vacinas de qualquer forma poderiam, ao menos, conversar com os indianos que, pelo andar da carruagem, devem vender suas vacinas para o governo federal que vai ganhar novo protagonismo com mais um imunizante.