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Enquanto russos abandonam governadores na venda da Sputnik V, indianos avançam na venda da Covaxin ao Governo Federal

Russos abandonam governadores que ainda tentam, em seu nome, fazer o STF autorizar importação de vacina recusada pela Anvisa

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Fernando Castilho

Publicado em 27/05/2021 às 6:00 | Atualizado em 27/05/2021 às 9:57
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Quando comparamos a história de grandes personagens da Índia e da Rússia, podemos ver que existe uma extraordinária diferença de visão de mundo entre Gandhi e Lenin, entre Sidarta Gautama e Romanov e entre Putin e Narendra Modi, embora os dois que estão vivos governem seus países sufocando adversários.

Talvez, por isso, seja possível entender a disparidade de atitudes entre os institutos Gamaleya, da Rússia, que produziu a vacina Sputnik V, e o Bharat Biotech, da Índia, que produz a Covaxin. As duas vacinas estão sendo oferecidas ao Brasil pelas empresas União Química - parceira da Rússia - e pela Precisa Farmacêutica, da Índia.

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O Congresso até aprovou uma Medida Provisória que destinou R$ 2,3 bilhões para que as duas sejam importadas, o que não aconteceu até hoje. Mas, curiosamente, há uma enorme diferença entre o comportamento dos governadores sobre uma e outra.

Pela Sputnik V, aos menos 17 governadores empenharam sua força política, capacidade de articulação e se dispuseram até a ir ao Supremo Tribunal Federal para obter da Anvisa autorização para importação de ao menos 40 milhões de doses da vacina russa, mesmo que ainda não tenha recursos alocados e acreditem que a União bancará a despesa, incluindo a Sputnik V no Programa Nacional de Imunização. Para a Covaxin, nenhuma palavra.

DIBYANGSHU SARKAR / AFP
IMUNIZANTE Na Índia, uso emergencial da Covaxin foi aprovado antes mesmo do fim da última etapa de testes - DIBYANGSHU SARKAR / AFP

O problema é que os governadores escolheram um fornecedor que não os respeita, muito a despeito das declarações que os gestores estaduais fizeram por ele. Tanto que, na semana passada, simplesmente mandou avisar que estava retirando o pedido de autorização das vacinas, deixando os possíveis clientes na mão. Os russos se negaram a apresentar os documentos técnicos sobre sua vacina exigidos pelo Brasil.

O gesto dos russos aconteceu na semana passada quando governadores, por sua iniciativa, enviaram à Anvisa documentos sobre a vacina, numa tentativa de mais uma vez ter autorização para o imunizante. Ou seja, o fornecedor estava dizendo à fiscalização que não a respeitava e que não tinha mais interesse em vender seu produto. Mas o freguês insistia com o fiscal em defendê-lo.

Mas no caso da vacina indiana, quando, no final de março, os técnicos da Anvisa visitaram os laboratórios da indústria na Índia e não deram a certificação de boas práticas de fabricação para o insumo biológico produzido pela Bharat Biotech, a reação dos indianos foi ler atentamente as falhas detectadas e iniciar um programa de revisão de seus controles.

Com seu parceiro no Brasil, a Precisa Farmacêutica, eles convidaram o Hospital Albert Einstein para discutir a melhor estratégia para o pedido de anuência de estudo clínico fase 3 da vacina no Brasil. Até que, esta semana, solicitaram uma nova visita de inspeção, enquanto pediram nova autorização para importar 20 milhões de doses da vacina Covaxin (BBV152).

Os russos, por sua vez, não só negaram acesso às suas fábricas, cancelaram o pedido de importação, como até iniciaram a produção de sua vacina nas plantas da União Química em São Paulo e até repassaram a tecnologia de produção do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) para a empresa brasileira, tentando mostrar que o mesmo imunizante que o Brasil recusa é feito aqui e exportado para outros países enquanto o governo tenta, desesperadamente, comprar vacinas.

Segundo a Anvisa, o Ministério da Saúde (MS) protocolou, na segunda-feira (24), uma nova solicitação de autorização para importar 20 milhões de doses da vacina Covaxin/ BBV152, fabricada na Índia, onde o imunizante tem autorização para uso emergencial.

Também no que se refere ao cumprimento das Boas Práticas de Fabricação pela fabricante Bharat Biotech, um dos principais aspectos que motivou a decisão anterior, a empresa protocolou novo pedido de certificação na Anvisa, referente à linha de produção do produto acabado. Ou seja, a Índia quer que os técnicos da Anvisa voltem às suas instalações e vejam as providências que tomaram.

Depois de seis meses de embate, parecem próximas de zero as chances de a Sputnik V vir a ser usada no Brasil. Já a Covaxin pode chegar ao Brasil em julho, abrindo um enorme mercado em dezenas de países. Por outro lado, discretamente, a Precisa Farmacêutica se articulou na Anvisa, já que o Bharat Biotech quer referenciar a sua vacina em testes de fase 3 no Brasil.

Isso mostra o equívoco dos governadores em politizar a questão, chegar a ir ao STF para desmoralizar a Anvisa e virar agentes de uma briga de mercado cujo parceiro simplesmente não quis se submeter às exigências médicas e até contestar a capacidade do país em fazer uma avaliação profissional.

Além disso, durante o embate, o do Fundo de Investimento Direto da Rússia, que é o dono da Sputnik V, insistiu na informação de que mais de 40 países já haviam comprado a vacina, sem explicar porque nenhum deles faz uma verificação mais aprofundada. Ou seja, tentou vender a ideia de que como dezenas de países já estavam comprando sua vacina, o Brasil não precisava fazer tanta exigência. 

FABIO RODRIGUES POZZEBOM/AGÊNCIA BRASIL
Governadores do Nordeste apostaram na compra da Sputnik V. - FABIO RODRIGUES POZZEBOM/AGÊNCIA BRASIL

A eficácia da vacina russa já está sendo demonstrada em vários países, mas sem que nenhuma agência a tenha aprovado. O comportamento de russos e indianos mostra que os indianos entenderam que o Brasil tinha uma agência listada entre as oito melhores do mundo e que não valia a pena confrontar.

Talvez porque, de certa forma, já tinham assegurado, pela MP 1.025, verbas para um contrato de R$ 1,614 bilhões quando a Sputnik V, do Fundo de Investimento Direto da Rússia, tinha apenas R$ 693,6 milhões.

Os indianos são mesmo bem diferentes dos russos. Até para ganhar dinheiro e influência na área de fármacos. Mas o episódio mostra que os governadores que estavam querendo comprar vacinas de qualquer forma poderiam, ao menos, conversar com os indianos que, pelo andar da carruagem, devem vender suas vacinas para o governo federal que vai ganhar novo protagonismo com mais um imunizante.

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IMUNIZANTE De acordo com a Anvisa, lotes testados carregavam um versão ativa do vírus causador de resfriados - SAID KHATIB / AFP

 

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