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Dependência do Centrão fez Bolsonaro não chamar PF para investigar Ricardo Barros na compra da vacina indiana

Para tentar entender o comportamento do presidente é preciso voltar no tempo. Não a março de 2021, mas a outubro de 2016 quando Barros articulou também a queda de Dilma Rousseff e virou Ministro da Saúde.

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Fernando Castilho

Publicado em 26/06/2021 às 19:00 | Atualizado em 26/06/2021 às 19:39
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Em depoimento à CPI da covid-19, nesta sexta-feira (25), o deputado Luis Miranda (DEM-DF) disse que o líder do governo na Câmara Ricardo Barros, foi atribuído pelo presidente Jair Bolsonaro, como o autor das supostas irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin, pela farmacêutica Precisa Medicamentos, no valor de R$ 1,6 bilhão.

Foi um momento dramático do deputado, aliado de primeira hora de Bolsonaro, e que se elegeu na calda do apoio do então candidato deputado pelo do PFL-DF, depois de morar anos nos Estados Unidos onde fez sucesso como influenciador financeiro.

Pressionado pelos senadores Alexandro Vieira (Podemos-SE) e Simone Tebet (MDB-MS), depois de horas afirmando não se lembrar do nome pronunciado pelo presidente, após ele contar as pressões que seu irmão, Luiz Ricardo Miranda (funcionário concursado do ministério da Saúde), para liberar a importação que ainda não fora autorizada pela Anvisa, Miranda desabafou:

"Que presidente é esse que tem medo de pressão de quem está fazendo algo errado, desvia dinheiro público das pessoas morrendo da porra dessa Covid?"

Foi a catarse da CPI. A denúncia do deputado, independentemente, das consequências que possam ter no futuro sobre o futuro da administração Bolsonaro, abre um enorme debate.

Sobre porque o presidente, com o controle político que tem de seus apoiadores e influência nas instituições, desabafa para um deputado que vira pouquíssimas pronunciando o nome de ninguém menos que o líder de seu governo na Câmara Federal, conhecido pelo jeito truculento de atuar e de ser um dos líderes de Centrão?

Para tentar entender tal comportamento do presidente é preciso voltar no tempo. Não o tempo de março de 2021, numa tarde sábado no Palácio da Alvorada. Mas o tempo de agosto de 2016 quando Barros esteve no grupo viabilizou o impeachment de Dilma Rousseff. Barros esteve no centro das negociações e acabou virando ministro da Saúde.

Ele protagonizou um embate com a bancada do PSB, de Pernambuco, ao tentar levar para uma planta da União Química (que ao lado do Fundo Russo de Investimentos Diretos está importando a vacina Sputnik V), a produção no Paraná, de fator recombinante medicamento que está no escopo de produção da Hemobrás sediada em Goiana (PE).

Barros também estava na base de apoio ao presidente Lula com o mesmo Centrão. E do governo Dilma até o grupo romper com a ex-presidente e apoiar sua retirada. Portanto, Ricardo Barros não é um deputado descartável como Miranda.

Isso talvez explique o desabafo do presidente que, a cada dia, se sente entregando pedaços do poder ao Centrão do qual Barros junto com Artur Lira e Ciro Nogueira são expoentes principais.

Agora não dá para o presidente confirmar que estava irritado com as pressões de Barros sobre Eduardo Pazzuello que também deve ter sentido as pressões do deputado para cortar caminhos para a compra do imunizante.

Ainda em março, o próprio Bolsonaro teve dar “um chega pra lá” em Barros ao vetar trechos de uma lei que o deputado articulou com Artur Lira, e o Centrão, para permitir a importação de vacinas sem autorização da Anvisa.

Foi necessário que o presidente da autarquia, o almirante Barra Torres, fosse ao gabinete do presidente da República alertá-lo dos riscos da promulgação da lei sem o veto que acabou sendo feito.

A truculência de Barros o levou da dizer na frente de uma dezena de parlamentares da base aliada que iria “enquadrar a agência” E mesmo assim nem o ministro da Saúde e nem o presidente o contestaram publicamente e de forma dura.

Todo esse quadro de antecedentes nos leva ao dia 20 de março último e ao desabafo do presidente. Sem se dar conta que, além da revelação inadequada para um líder político, ele se colocava a um passo de cometer crime de prevaricação se não chamasse a Polícia Federal.

O presidente cometeu um enorme equívoco em não “convocar” o ministro da Saúde, o “DG” da Polícia Federal e o Procurador Geral da República para, já naquele sábado, juntar os documentos do servidor público e abrir um inquérito. E, é claro, chamar a imprensa.

O problema é que o presidente, em vez disso, fez uma confidencia para dois interlocutores, como asseguram os irmão Miranda. E prometeu agir sem ter agido.

Esse talvez possa ter sido o maior dos erros de Jair Bolsonaro. Um pouco mais de cuidado o faria chamar imediatamente os presidentes da Câmara e do Senado para dizer que estava tomando providências. Porque não poderia jogar fora um ícone de seu governo que é o combate a corrupção. Embora todos saibam que esse já era uma marca tão destacada.

O que mais assusta o Governo hoje é saber que a única pessoa que Jari Bolsonaro falou sobre um assunto de tamanha gravidade foi Eduardo Pazzuello - que estava arrumando suas gavetas para deixar a pasta da Saúde.

O grande problema do Governo, a partir da denúncia do servidor - que já prestara depoimentos no Ministério Público sobre o assunto - é como salvar o presidente do aceite de uma notícia crime que será apresentada ao STF pela CPI da covid-19.

Agora, não dá mais para chamar Ricardo Barros e “dar uma enquadrada”. Não dá para chamar Artur Lira e Rodrigo Pacheco e dizer que não vai bancar uma maracutaia dessas e retomar o controle do que já cedeu ao Centrão.

Do ponto de vista político, o presidente jogou fora uma oportunidade de “enquadrar” o Centrão. Se após obter os dados das conversas de Barros, acionasse a Abin e a PF e mostrasse as provas ao grupo, Bolsonaro poderia costurar internamente uma nova configuração de forças sob ameaça denunciar todo o grupo ao país.

Por uma dessa ironias, os irmãos Miranda levaram ao presidente um caminho para fortalecer sua posição junto ao Centrão e acuar todos os seus líderes acusando um de seus integrantes mais ativos de conversas não republicanas e exigir novos compromissos mais republicanos. Por um momento, Bolsonaro teve o Centrão em suas mãos e deixou escapar.

Mas o presidente avaliou que seria melhor deixar para lá.

A história é feita de momentos. Lula não percebeu o equívoco do Mensalão; Dilma descuidou-se de um simples repasse do para o Bolsa Família; Temer recebeu na calada da noite um empresário que não confiava e que o gravou. Os três pagaram caro embora Lula tenha se saído melhor.

Ainda é cedo para avaliar se aquele desabafo de Bolsonaro, numa tarde de sábado, a dois desconhecidos, pode chegar a consequências mais graves para o país, apesar do furor da oposição.

Mas pelo que se viu na tarde e noite desta sexta-feira na sala da CPI da covid-19 dos três senadores da tropa de choque, ao líder do Governo do Senado Fernando Bezerra Coelho e de um dos líderes do Centrão, Ciro Nogueira, está claro que ainda não existe um plano de resistência. O governo foi "salvo" por um final de semana quando poderá reorganizar as forças.

Enquanto isso, o presidente passeia de moto e faz novos desabafos “Só uma coisa me tira de Brasília: é o nosso Deus. Não vão ganhar no tapetão ou inventando narrativas. O Brasil ainda passa por um momento difícil. Desde o começo eu falei que tínhamos dois problemas, o vírus e o desemprego. Eu fiz a minha parte, eu não fechei um botequim sequer”.

Das sete frases ao menos uma ele tem absoluta razão “O Brasil ainda passa por um momento difícil.”
E o seu governo mais ainda.

 

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