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Como analista de mercado de ações, Felipe Neto pode levar investidor a perder dinheiro na Bolsa

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Fernando Castilho

Publicado em 10/08/2021 às 14:00 | Atualizado em 10/08/2021 às 15:20
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Perguntado num seminário pela imprensa internacional porque há anos não publicara novo livro, o poeta José Saramago respondeu com uma frase. Porque não tinha nada a dizer.

O mestre português sempre terá o que dizer e quando o fazia tinha relevância. Mas Saramago, que morreu no dia 18 de junho de 2010, aos 87 anos, tinha a consciência de que o que escrevesse estaria dizendo.

Influenciadores digitais são o oposto de Saramago. Precisam dizer algo. Ainda que sobre assuntos sobre os quais não tem qualquer informação consistente.

Sinal de nosso mundo digital conectado 24 horas por dia sete dias por semana.

É natural que falem sobre tudo. E pelo número de seguidores podem provocar deslocamentos de grandes blocos de dados e interações nas redes sociais. Esse é o seu negócio.

O presidente Jair Bolsonaro é um bom exemplo de um influenciador que desloca grandes blocos de interações. E, embora não busque remuneração financeira, atua para vender suas ideias que, como se sabe, tem sérios problemas de qualidade.

Esta semana, as redes sociais foram de sacudidas por uma avaliação de um importante influenciador digital sobre a venda dos Correios cuja privatização foi aprovada, nas carreiras, dentro do esforço do presidente da Câmara, Artur Lira de roubar parte do noticiário sobre o desejo do presidente Jair Bolsonaro de ter a votação auditada.

O interesse do presidente, sobre um processo transparente votação, está a terabytes de distância de qualquer processo digital. Mas ele fez disso um mote de sua campanha de reeleição e vai prosseguir até que o tema perca relevância para sua base de seguidores digitais.

Mas voltemos ao influenciador digital.

Felipe Neto criticou as análises de que os correios devem ser vendidos pela alta dívida que suas ações carregam e citou que outras empresas Petrobras (PTR4), Vale (VALE3), JBS (JBSS3) e Suzano (SUZB3), teriam passivos bem maiores.

E, naturalmente, sentenciou na sua recomendação ao mercado, Embora pareça claro que ele tenha feito o comentário mais como um posicionamento politico.

“Muito liberaloide falando q Correios deve ser privatizado graças à DÍVIDA. Vamos pras dívidas? Petrobrás: 330 bi. LATAM: 53 bi. Suzano: 68 bi. JBS: 52 bi. VALE: 40 bi.Correios: 14 bi. Eles usam a desculpa da dívida sabendo q povo ñ entende. A dívida da Volkswagen é 1 TRILHÃO”

Pela recomendação parece claro que não é só “q povo ñ entende”. Mas vai dizer isso a um sujeito que pelos conhecimentos do mercado bursátil (eu sempre quis um dia usar esse termo num texto) tem 100% de certeza do que afirma?

De fato, o critério endividamento não é o melhor para se avaliar uma companhia que tem ações em bolsa. Pela própria estrutura dessas companhias o endividamento é parte do negócio. Desde que os juros estejam dento do padrão de rentabilidade da empresa. Os Correios é um estatal.

Empresas que estão em fase de passagem de startups para a condição de empresas abertas ou vistas como unicórnios podem carregar grande dívidas, dar prejuízos espetaculares e terem interesse de investidores pelo que seu negócio tem de futuro.

Patrobras, Vale, JBS e Suzano, citadas pelos nosso influencer analyst, podem caregar esse endividamento pela perspectiva de sues negócios: Petróleo, minérios. Proteína animal e celulose.

Não é o caso dos Correios que como está dito no seu balanço terminou o ano de 2020 com um EBITDA de R$ 1 bilhão, enquanto a dívida líquida ficou em R$ 12,6 bilhões (R$ 13,1 bilhões em passivos menos o caixa livre, de R$ 572,9 milhões). EDITDA é uma sigla que o pessoal do mercado usa para separar o resultado do lucro da empresa antes de juros, impostos, depreciação e amortização.

Esta semana todo mundo achou legal quando a Petrobras, revelou no balanço do 2º trimestre de 2021 que carregava com uma dívida líquida de US$ 53,2 bilhões (R$ 278,4 bilhões), mas com a sua relação entre a Dívida Liquida e o EBITDA tinha caído para ‘1.49x’

No popular: A Petrobras presaria de menos de 2 anos de geração de lucro operacional para pagar a dívida, os Correios, de 12 anos.

É pouco provável que o Felipe Neto tenha lido o balanço dos Correios. Mas se ele tivesse feito isso veria que o problema dos Correios não é a apenas dívida.

O problema dos Correios é que exatamente pela baixa qualidade de suas administrações ele perdeu competitividade.

Ele não saiu do mercado. E, de certa forma, até respondeu às novas necessidades do mercado que explodiu na encomenda.

Mas pelo que carrega de custos ele tem sérias dificuldades. Privatizar é importante porque ele pode oferecer um serviço melhor. Não fez isso hoje porque é uma empresa estatal. Não presta um serviço melhor porque carrega um custo muito alto agregado ao longo de anos de desmandos.

O problema é que essa dívida carrega décadas de má gestão. E o mais sério. A questão previdenciária que ela vem carregando resultado de desvios de anos de corrupção.
O problema do influencer analyst é que pegou um número comparou com outros somou e dividiu. Não há nenhum problema é se manifestar contra a privatização dos Correios.

Os funcionários foram ao Supremo Tribunal Federal (STF) tentar barrar a privatização dos serviços postais e já contam com manifestação favorável da Procuradoria-Geral da República (PGR).

A Federação Interestadual dos Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras dos Correios (Findect) lembra que 100 mil trabalhadores, cada família tem em torno de quatro pessoas, então são 400 mil pessoas que vão ficar numa situação difícil. E essas vozes precisam ser ouvidas para que eles tenham proteção.

O problema de Felipe Neto é ele achar que com um post pode se posicionar de forma profunda sobre um tema complexo. Exige um pouco mais de caracteres, um pouco mais de estudo sobre as condições das empresas e um pouco menos certeza.  

Bom, ainda bem que, certamente, nenhum de seus seguidores tomou a recomendação para investir numa empresa com o perfil dos Correios. Vai ficar só mesmo no cyberespaço embora milhões de seguidores achem isso suficiente para formar uma opinião sobre o tema.

O mercado acionário tem gente com um pouco mais de conhecimento que o Felipe Neto para decidir que ações comprar.

 

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