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Para Bolsonaro, ONU é boa hashtag para turbinar seu discurso para sua base na internet

O presidente perdeu a oportunidade de levar a primeira-dama para os melhores restaurantes do mundo por não estar vacinado

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Fernando Castilho

Publicado em 21/09/2021 às 17:00 | Atualizado em 21/09/2021 às 18:45
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Havia um certo fio de esperança da diplomacia brasileira nos Estados Unidos de que o presidente Jair Bolsonaro inserisse, no seu terceiro discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU, uma parte dos parágrafos politicamente corretos passando a ideia de um "Jair Paz e Amor", decorrente da carta escrita por Michel Temer que ele parece ter assinado sem ler direito.

Pura ilusão. O texto deve ter sido editado aqui mesmo no Brasil para incluir um recado para sua base ressabiada com os recuos inseridos por Temer e para que (essa base) voltasse a não ter desconfiança do mito.

Isso por explica porque o presidente em sua terceira participação na Assembleia Geral da ONU tendo ao fundo aquele granito verde optado por se isolar ainda mais. Primeiro por ter sido um dos poucos líderes mundiais a não ter se vacinado. Depois por negar os problemas ambientais na Amazonia e o efeito da pandemia que matou quase 600 mil brasileiros.

Mas é preciso não ter ilusões. O presidente acredita em cada palavra que está no discurso. Ele fala para sua base, mas ele realmente acredita em cloroquina, acha que o tratamento precoce o salvou da doença e que, por ter anticorpos adquiridos, não precisa se vacinar.

O discurso na ONU é uma espécie de #esseéoBolsonaroReal, ou #bolsonaronaONUoverdadeiro e ainda #NaONUBolsonaronãodecepciona. Assim como serão os vídeos de seus encontros com o primeiro-ministro da Inglaterra e da Polônia. Bolsonaro foi para a ONU gravar material para uma live internacional.

REPRODUÇÃO/INSTAGRAM @GILSONMACHADONETO
Bolsonaro come pizza com comitiva durante viagem à Nova York, onde participa da Assembleia Geral da ONU - REPRODUÇÃO/INSTAGRAM @GILSONMACHADONETO

Isso pode indignar a imprensa brasileira, a internacional (em especial a dos Estados Unidos) e mais ainda a europeia, mas aqui para nós: Quem no governo Bolsonaro está preocupado com isso. Alguém achava que a agenda dele seria preenchida?

Talvez quem esteja um pouco frustrada seja mesmo a primeira-dama Michele Bolsonaro. Como toda mulher na posição ela gostaria de ser vista, fotografada e chegar nos restaurantes de Nova Iorque para ser a única mulher de uma mesa cheia de homens ou, no máximo, as mulheres dos embaixadores em Washington e Nova Iorque. Certamente, a primeira-dama pensou em usar outro modelo além daquela em que foi vista numa cadeira da ONU.

Mas fazer o que se o presidente preferiu sir com outros homens e comer pizza? Ao menos esse mico a senhora Bolsonaro não pagou.

ONU
Michele Bolsonaro chega a ONU com o presidente - ONU

Entretanto, é preciso entender o que ao longo da história os presidentes brasileiros fizeram com a extraordinária visibilidade que o nosso embaixador Oswaldo Aranha conseguiu quando da fundação na Organização das Nações Unidas colocar o Brasil para abrir os discursos.

Desde 1955, a ordem de abertura tem sido: o secretário-geral da ONU, seguindo pelo presidente da Assembleia Geral, sucedido pelos representantes do Brasil e Estados Unidos. Os demais países falam de acordo com a ordem estabelecida por um algoritmo que leva em consideração o nível de representação do orador.

Parece claro que é o reconhecimento ao diplomata brasileiro pela sua atuação em 1947, na segunda assembleia (Aranha presidiu a Primeira Sessão Especial da Assembleia) e parece que articulou que, a partir de então, o Brasil falaria depois do Secretário Geral.

Mas se a gente olhar para o passado recente os presidentes sempre falaram mesmo para o “público interno”

FHC por exemplo só deu o ar de sua graça uma única vez. Eleito em 1994, Fernando Henrique Cardoso (PSDB) discursou somente uma vez, em 2001.

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Presidente Lula discursa na ONU - ONU

Lula é outro bom exemplo. Quando assumiu a Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) abriu quase todas as Assembleias-Gerais da ONU. Em 2005 só não foi a Nova Iorque porque explodiu o Escândalo do Mensalão.

Nos três primeiros anos. Quando Barack Obama chamou Lula de “O Cara” ele falou de temas globais. Com esse prestígio internacional Lula no primeiro discurso disse que “Erradicar a fome é um imperativo moral e político” No ano seguinte disser que 'Só os valores do Humanismo podem deter a barbárie' da Guerra e da fome. No terceiro, a conversa foi “Para não globalizar a guerra, 'é preciso globalizar a justiça'.

O problema foi que, em 2005, ele teria que dizer que o PT estava sendo acusado de ter comprado 300 deputados. E ele não pôs os pés na sede da ONU.

Nessa época o Brasil, na condição de economia em desenvolvimento, pleiteava assumir um posto permanente no Conselho de Segurança.

Quando Dilma assumiu, novamente o Brasil tinha uma estrela. A gente esquece que ele foi a primeira mulher a abrir a AGE da ONU.

E que Dilma defendeu maior participação para países emergentes nos fóruns mundiais, exaltou o papel das mulheres na política e cobrou por uma reforma no Conselho de Segurança, restrito a 15 países sendo apenas cinco com assento permanente e poder de veto. Ela estava com tanto prestígio que lamentou a postura da ONU com relação à Palestina.

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Presidente Dilma Rousseff discursa na ONU - ONU

Mas Bolsonaro tem sonhos menores. Junto dele só tem gente que acredita que o presidente deveria defender a posição do Brasil e revelar que as críticas feitas dentro e fora do país são infundadas.

Que elas nascem internamente do interesse político e ideológico, já que estamos com praticamente os dois pés nas próximas eleições. Com relação ao exterior, acusam os países de fazerem

Outros que acreditam eu as críticas não têm fundamento quanto às questões do agronegócio, à preservação das florestas e às ações em defesa dos povos indígenas.

E tem um time que acha que Bolsonaro deveria deixar claro que os críticos têm interesse em nossas riquezas naturais, e temem a concorrência com a nossa excepcional produtividade e que por isso se escudam nas questões dos índios.

O presidente parece que não foi nem para um lado nem para o outro. Mas que manteve o centro do seu discurso. Na ONU, Bolsonaro falou para base. Sabendo que será contestado. Mas sabendo que a base vai ficar cheia de orgulho por ele ter “esnobado o Biden” e nem se encontrado com ele.

Faz parte. Não se pode esperar de uma pessoa aquilo que ele não pode dar.

Só é de se lamentar a situação da primeira-dama. No fundo, ela queria mesmo era botar uma roupa especial de ir com o presidente, po exemplo, no Deniel’s.

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O chef francês Daniel Boulud, o qual dá nome a este restaurante de luxo. - DIVULGAÇÃO

Ele é considerado um dos melhores restaurantes franceses do mundo e está localizado na região de Upper East Side, na ilha de Manhattan, em Nova York.

O chef francês Daniel Boulud, o qual dá nome a este restaurante, é um ícone de Nova York e possui seis complexos gastronômicos na cidade, mas o Daniel é seu carro-chefe. Tão concorrido que uma mesa disponível para jantar sem reservar com, no mínimo, 30 dias de antecedência.

Mas o presidente preferiu ir ao Fogo de Chão que fica na 40 W 53rd St, New York, NY 10019 e que para atender o cliente precisou colocar um tapume preto na área externa já que Bolsonaro não se vacinou.

Paciência.

 

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