Coluna JC Negócios

Com promessa de US$ 100 trilhões em financiamentos, COP26 vira convescote de banqueiros bem vestidos

A presença de gestores e de prefeitos e governadores ansiosos pela captação de verbas está longe de ser uma realidade possível

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Fernando Castilho

Publicado em 04/11/2021 às 11:15 | Atualizado em 04/11/2021 às 12:38
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Uma pessoa que no celular escreva um trilhão de qualquer coisa vai ter que apertar 10 teclas. Cem trilhões, serão 15, contando com os caracteres de separação.

Pois bem. Os representantes dos bancos e de empresas que compareceram à COP26 prometeram investir US 100 trilhões em projetos de mudança climática e de processos de modo a ajudar na meta de que o mundo aumente apenas 1,5 grau em 2050.

Sob qualquer perspectiva é um número extraordinário. Convertidos em real teríamos astronômicos R$ 562 trilhões. Ou quase 79 vezes o PIB do Brasil em 2020, que foi de R$ 7,4 trilhões.

O desafio é saber como empresas e bancos vão gastar todo esse dinheiro.

Nos salões climatizados na COP26, a Aliança Financeira e Glasgow por Emissões Líquidas Zero (GFANZ) da Organização das Nações Unidas (ONU) comunicou que grupos financeiros com US$ 130 trilhões em ativos se comprometeram com o corte de emissões.

Essas instituições estariam dispostas a investir até US$ 100 trilhões em novas tecnologias para que as empresas possam se reinventar. Ótimo, isso é muito bom, mas por onde começar?

Na mesma reunião, a senhora Janet Yelle, secretária do Tesouro dos EUA, advertiu que a discrepância entre o que os governos têm e o que o mundo precisa é muito grande e que o setor privado tem de ter "um papel maior."

Os números dos EUA e Reino Unido, no apoio a um mecanismo dos mercados de capitais focado no clima, dão uma dimensão do que duas grandes nações podem gastar: US$ 500 milhões!

Ora, se Estados Unidos e Inglaterra só podem gastar US$ 500 milhões, como acreditar que os bancos poderão emprestar U$ 100 trilhões às empresas para que elas virem a chave?

JEFF J MITCHELL / AFP
COMPROMISSO Mais de 100 países assinaram uma promessa dos EUA e da UE de reduzir as emissões até 2030 - JEFF J MITCHELL / AFP

O movimento que é possível ver nos corredores da COP26 lembra, na verdade, um grande convescote, onde ONGs apresentam seus relatórios, instituições financeiras possam de apoiadoras do clima, mas na outra ponta tem financiamentos contratados de longo prazo para grandes clientes que produzem gases em suas atividades. Eles não vão dizer a seus clientes que não vão emprestar mais dinheiro se eles se mantiverem produzindo do jeito que estão.

Um bom exemplo disso foi a aprovação de 100 países na questão do gás metano. O Brasil era estratégico para a ação dos Estados Unidos a partir da articulação do do enviado especial dos Estados Unidos para questões climáticas, John Kerry, aquele que Jair Bolsonaro trocou o nome dele pelo com o ator e humorista Jim Carrey.

John Kerry cumpriu a missão que Joe Biden lhe deu de costurar um acordo, pois assim como o Brasil, as vacas criadas nos Estados Unidos também emitem metano quando arrotam. O Brasil, como se sabe, emitiu 20,2 milhões de toneladas de metano, sendo 72% da agropecuária.

Então, a adesão à proposta de cortar emissões de metano em 30% até o final da década, em relação aos níveis de 2020, por pressão dos Estados Unidos através de Kerry, interessa muito aos Estados Unidos.

Tudo isso faz com que se possa acreditar quando executivos bem vestidos prometem tanto dinheiro. Na verdade, os planos do setor privados estão longe de ser concretos.

Na verdade, a maior parte das empresas que aderiram aos compromissos não adotam a mesma urgência em termos de execução. E quantos bancos ou investidores compreendem seu atual impacto ambiental?

Isso mostra que a presença de gestores e de prefeitos e governadores ansiosos pela captação de verbas está longe de ser uma realidade possível em períodos como uma década, por exemplo.

Quando um banco cria um fundo que se propõe a aplicar dinheiro apenas em empresas com compromissos ambientais o risco é do investidor.

Quando essa mesma instituição diz que só vai emprestar em empresas com esses mesmos compromissos, o risco é do acionista.

Isso obriga o CEO a ter que ter muito cuidado.

O discurso de compromisso como ESG, o termo se refere a fatores ambientais (Environmental), sociais (Social) e de governança (Governance), mediante o qual tem suas operações na área da indústria, distribuição e serviços, por exemplo, alinhadas às melhores práticas ambientais, sociais e governança é um belo discurso de marketing. Mas ele está na estratégia das empresas ou na rubrica de promoção da companhia?

Da mesma forma que Governantes municipais representam a Frente Nacional de Prefeitos (FNP), também foram a Glasgow, na Convenção do Clima (COP26). Oito cidades brasileiras - o Recife no meio - estão em um grupo de mil, em todo o mundo, que se comprometeram em reduzir pela metade a emissão de carbono até 2030.

Mas a questão é: o Recife tem condições de cumprir esse compromisso? E com o que govenadores como Paulo Câmara se comprometem a ampliar a inserção dos chamados governos subnacionais no enfrentamento ao aquecimento global e no desenvolvimento sustentável?

Isso não desmerece a ação e presença de empresários e governantes em reuniões como a COP26, mas é preciso saber o nível de detalhamentos de recursos que governos (menos) e empresas (mais) estão dispostos a gastar para virar a chave.

JOÃO LAET/AFP
Os dados compõem o estudo de Contas Econômicas Ambientais, apresentado pelo IBGE nesta quinta-feira, 24 - JOÃO LAET/AFP

De certa forma, é muito interessante ouvir de empresas que estão zerando sua emissão de carbono ao comprar energia apenas de fontes renováveis usando equivalência de consumo.

A empresa assina contratos que, no geral, tem o volume do comporá de eólicas e solar, mas não dizem que na hora do pico ela será abastecida por termelétricas.

Por isso, é bom ficar de olho no que vai acontecer nos próximos anos. Porque o risco da transmissão em tempo real da COP26 passa a imagem de a reunião ser apenas um grande evento de Relações Públicas que vai constar no Relatório Social 2021 das empresas e dos Governos.

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