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Medo da tributação faz empresário ficar pequeno para sobreviver no mercado

O Simples Nacional também é um sucesso e hoje abriga quase 20 milhões de empresas.

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Fernando Castilho

Publicado em 02/01/2022 às 10:00
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Criado em 2006, o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte instituiu o Simples Nacional, um sistema de tributação no qual as empresas quitam suas dívidas mensais com a União, Estados e Municípios com apenas um documento. Ele é um sucesso.

Depois de 15 anos, o programa abriga quase 20 milhões de empresas (19.132.675), segundo dados do Simples Nacional, sistema da Receita Federal que gerencia o acesso dessas organizações e dos Microempreendedores Individuais (MEI) onde estão outros 13.198.599 de empreendedores.

Do ponto de vista fiscal, o Simples Nacional também é um sucesso. Os R$ 8,3 bilhões, arrecadados em 2007 chegaram, este ano, a R$ 115.031 bilhões de janeiro a novembro, sempre com perspectivas de crescimento.

Já para as empresas é uma situação muito interessante e para o pequeno empresário. Uma empresa de serviços no sistema de Lucro Presumido, por exemplo, paga cinco tributos separadamente (ISS Municipal, IR, CSLL, PIS/Cofins).

São cinco guias de recolhimento distintas, com prazos diferentes, sujeitos a fiscalizações e multas independentes. No optante do Simples Nacional, as cinco ficam resumidas a uma com um único vencimento.

Thiago Lucas/ Artes JC
O que o Simples Nacional arrecada por ano mais de R$ 100 Bilhões. - Thiago Lucas/ Artes JC


FICAR NA ZONA DE CONFORTO

A zona de conforto faz com que milhares de empresas com potencial de crescimento acabem ficando pequenas eternamente. E não raro por decisão do empresário. Ele até cria outras empresas no mesmo ramo, entra em negócios correlatos, mas com CNPJ diferente e dentro dos níveis exigidos pela Receita Federal para enquadramento, mas para no teto anual de faturamento.

Hoje no Brasil as empresas são classificadas em níveis de faturamento junto a Receita Federal. Para se manter no Simples Nacional uma empresa deve ter receitas brutas no mercado interno de até R$ 4,8 milhões por ano. Quando sobe para o sistema de lucro presumido pode faturar R$ 78 milhões por ano. No Simples, se foi exportadora, pode agregar mais R$ 4,8 no mercado externo. Ou seja, faturar em média fatura 400 mil/mês.

Para o presidente do Sebrae, Carlos Melles a lei mudou o rumo dos pequenos negócios brasileiros e transformou as micro e pequenas empresas em motor do desenvolvimento do País já que a participação dos pequenos negócios soma 30% do PIB brasileiro.


SER EMPRESÁRIO NO BRASIL

O problema é que ser empresário no Brasil não é fácil. Os sistemas tributários brasileiros, nas três esferas administrativas, possuem mais de 40 tributos, considerando impostos, taxas, e contribuições, dentre outros, que incidem sobre as atividades econômicas (patrimônio, renda e trabalho).

Isso assusta muita gente que poderia virar grande se houvesse uma ponte de passagem segura e mais escalonada. Felizmente o Brasil tem as empresas optantes pelo regime de tributação do “lucro real”. São pouco mais de 150 mil que compreendem apenas 3,02% do total. Mas são responsáveis por 76,32% da receita bruta total e por 79,02% da arrecadação dos tributos federais: IRPJ, CSLL, PIS/COFINS, IPI e INSS, dentre outros.

O peso das empresas que recolhem pelo lucro real é tão grande que, este ano, elas foram responsáveis por recolhimentos extraordinários de, aproximadamente, R$ 39 bilhões do IRPJ/CSLL de janeiro a novembro de 2021. Explica-se: ano passado, o governo (em função da pandemia do coronavírus) permitiu que elas não recolhessem todos os tributos devido à crise sanitária e econômica.

Com a volta das atividades normais, apenas com essa rubrica, elas devem recolher quase R$ 50 bilhões pelo que não recolheram ano passado. Ou seja, o Fisco depende muito das empresas que recolhem pelo lucro real.


UM MILHÃO DE EMPRESAS


Existem no Brasil ainda cerca de 1 milhão de empresas que optam pelo sistema de Lucro Presumido e que representam 21% do total de CNPJ ativos. O regime Simples Nacional abriga 19,1 milhões de empresas enquanto os MEIs já somam 13,1 milhões de CNPJs.

Manter o Simples não é barato para o governo federal. O recolhimento do Simples Nacional versus total de gastos tributários contabilizados pela União quer dizer uma arrecadação de apenas 30% se fosse no sistema de lucro real. Segundo a Receita Federal, quando o Simples Nacional contribuiu, em 2020, com R$ 83,2bilhoes a União abriu mão de R$ 330,8 bilhões de receita estimada no exercício.

Mas apesar disso o argumento dos que defendem o sistema é que ele gera emprego e estimula os empresários a crescer. E tradicionalmente a cada ano milhares de empresas migram do Simples para o patamar do lucro presumido e outros milhares, por sua vez, migram para o sistema de apuração do lucro real, que passam o faturamento de R$ 78 milhões ano.

Curiosamente, uma boa parte dos empresários simplesmente não quer mudar de nível. E muitos até sonham, mas se queixam que o espaço de Simples para lucro presumido e de lucro presumido para lucro real não estimula muita gente. No Congresso Nacional existem projetos que defendem uma escada com mais degraus, mas esse é um tema para a reforma tributária.


ENFRENTAR A TRIBUTAÇÃO

FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
José Emílio Calado afirma que o empresário não pode ter medo de crescer porque vai pagar mais impostos. - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM

Ser pequeno, de certa forma, assegura permanecer no negócio. Segundo o Sebrae, a taxa de sobrevivência das empresas optantes do Simples Nacional é o dobro da verificada entre as não optantes, de acordo com estudo elaborado com base em dados da Receita Federal e mais uma pesquisa de campo com empreendedores da instituição.

Segundo a pesquisa, 83% de empresas optantes que sobreviveram aos dois primeiros anos de existência (período mais crítico para a manutenção de um negócio), contra 38% no grupo das não optantes. As quase 20 milhões de empresas optantes são aproximadamente 99% das empresas brasileiras.

O consultor José Emídio Calado reconhece que existe mesmo a dificuldade na gestão da tributação de uma empresa por lucro real, mas adverte que o empresário não pode ficar olhando a questão tributária para limitar seu crescimento.

“Ele tem que fazer com que o seu negócio seja rentável mesmo com a carga tributária. A gente vê diversos exemplos de empresários que cresceram e que estão aí muito bem e com a atual carga tributária, porque o negócio dele aguenta. Mas existem empresários que pensam dessa forma eles vão ficar sempre nas bordas.”

O consultor que parceiro do JC no projeto Maiores & Melhores Empresas vê outro problema nessa decisão de ficar no Simples: Quando ele prefere ficar na periferia limitando o faturamento da empresa e não crescendo, ele também passa a correr um grande risco que é o de ser engolido pela concorrência.
Para o consultor, a melhor solução para quem está no Simples é migrar para a plataforma do crédito presumido (cujo faturamento vai a R$ 78 milhões), mas pensando em chegar no lucro real.

SINDROME DE PETER PAN

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TRIBUTARISTA ERIC CASTRO E SILVA - DIVULGAÇÃO

O tributarista Eric Castro e Silva analisa a questão dizendo que o principal ônus não é nominal. Ou seja, do valor dos tributos em si, mas em relação às obrigações acessórias, também chamadas de custos de conformidade, que são as mais altas do mundo, comparadas por organizações internacionais.
De fato, para um pequeno empresário administrar os “custos de conformidade” não é uma tarefa simples, usando aqui a mesma sigla do tributo único brasileiro.

Tem mais, lembra Castro e Silva, as empresas no Simples contam com presunção de inocência. Ou seja, antes de serem multadas elas têm que ser notificadas para só depois serem autuadas. Nos demais regimes isso não acontece. Sem contar que as multas nos Simples são menores comparadas às das empresas do sistema de apuração por lucro real.

Esse cenário acaba induzindo ao que alguns analistas chamam de “Síndrome de Peter Pan”. Uma situação de conformidade e acomodação que faz com que o empresário simplesmente não deseje “subir” para a categoria de apuração de lucro real.

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TRIBUTARISTA MERY ELBE QUEIROZ - DIVULGAÇÃO

A advogada tributarista Mary Elbe Queiroz reconhece que esse fenômeno existe e muitas empresas “evitam” crescer. Diversas pessoas abrem outras empresas, às vezes em nome de terceiros.
Para ela, vários fatores concorrem para isso, tanto questões da economia, crise, mercado etc. Mas, com certeza, o aumento de tributos e a burocracia influenciam muito.

“A empresa no Simples não é obrigada a ter escrituração completa e assim tem menos obrigações acessórias e declarações. Com certeza, sair do Simples para a tributação pelo lucro presumido ou lucro real implica em pagar mais tributos. Inclusive, existem estudos robustos que dizem que uma empresa do lucro real gasta 1% do faturamento apenas com o custo da burocracia”, afirma a tributarista pernambucana.

Mary Elbe Queiroz lembra ainda que as legislações são complexas e de difícil interpretação. Isso gera insegurança e pode resultar em autuações, às vezes com repercussão criminal. O empresário diante desse quadro prefere ficar numa zona de conforto, reconhece.


RISHON E ROTA DO MAR

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MARCELLE SUTANUM DA INDUSTRA DE COSMÉTICOS RISHON - DIVULGAÇÃO

Empresários pernambucanos, hoje donos de marcas de sucesso, revelam que a questão da tributação é uma espécie de desafio para a mudança de um patamar para outro.
Como pequena empresária, diz Marcelle Sutanum, da indústria de cosméticos Rishon, e enquadrada no Simples Nacional, o meu sonho é entrar no sistema de lucro real. Eu trabalho muito para isso. Mas não consigo porque o degrau é muito alto.

Sutanum faz parte do grupo que defende mais degraus na escada tributária. “Precisamos de um sistema de passagem em que o pequeno empresário não seja condenado a ficar sempre limitado ao faturamento do enquadramento do Simples, mas hoje é muito difícil.”

A queixa dela é a da maioria que quer sair do Simples para lucro real e vê que, economicamente, não é possível. “No meu segmento a conta não fecha, e olha que estou nisso há muita anos. Minha empresa, por ser de produtos de beleza, também precisa cuidar de sua imagem tributária, mas o atual modelo não estimula a que pequenas indústrias possam fazer essa travessia mais rapidamente.”

Um degrau acima da Rishon, o empresário Arnaldo Xavier, da Rota do Mar, diz que também sonha me migrar do atual Lucro Presumido para o Lucro Real. Dono de uma marca líder e de destaque em Santa Cruz do Capibaribe, Xavier diz que “em algum momento” vai ultrapassar o faturamento limite das empresas tributadas pelo lucro presumido.

Mas confessa sua preocupação com a entrada no nível do lucro real: “Estamos nos preparando. Mas hoje esse ainda é um desafio que nos preocupa. Não queremos ficar presos no teto de faturamento do sistema de lucro presumido. Mas para nossa empresa esse ainda é um degrau muito alto.
O ideal seria um outro nível que não fosse tão distante. Os custos e a burocracia são muito desafiadores.

Mas eu não investi 25 anos da minha vida para ficar limitado pelo faturamento, diz Xavier. “O destino da Rota do Mar é crescer”.

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