Para brasileiro, riqueza do pré-sal não chegou na bomba de combustível
Afinal, se a Petrobras festeja tanto o sucesso do pré-sal, por que ele não é usado integralmente para fazer gasolina e óleo diesel nas refinarias da Petrobras e ser vendido todo no Brasil?
Sempre que a Petrobras anuncia, como fez nesta quinta-feira (10), um novo reajuste de combustíveis volta um debate entre os consumidores sobre um tema recorrente relacionado à nossa indústria do petróleo e mais ainda em relação ao pré-sal: se é verdade que o Brasil hoje extrai, como em janeiro, 3 milhões de barris/dia, por que a gasolina e o óleo diesel estão tão caros?
O questionamento faz sentido. Mas existe uma série de fatores que explicam que não é uma questão tão direta. De fato, o Brasil se tornou um grande produtor de petróleo e a marca de janeiro deste ano nos coloca entre os cinco maiores produtores mundiais. Mas pelo que explica a Petrobras, no ano passado, apenas 59% do que a empresa extraiu no pré-sal virou combustível para atender ao mercado interno.
Segundo a Petrobras, no seu balanço de 2021, o número é 9% mais que em 2020, o que significa que está crescendo. Segundo a empresa isso se deve ao fato de que as refinarias da Petrobras estarem adaptadas ao tipo de óleo que existe na chamada camada do pré-sal localizada a mais de sete mil metros de onde a empresa em apenas 123 poços consegue extrair tanto óleo e gás.
FATURANDO TUDO EM DÓLAR
O problema está naquilo que oficialmente se chama política de preços e que foi modificada em 2017 - quando a empresa sofreu as consequências da investigação da operação Lava Jato - quando precisou contabilizar R$ 80 bilhões em prejuízos e iniciar um longo processo de recuperação de suas finanças.
Naquele ano, seu presidente, o ex-ministro da Casa Civil, no governo Fernando Henrique, Pedro Parente, mudou a política de preços da estatal atrelando os preços à cotação do dólar de forma a fortalecer o caixa da empresa.
Na época, o preço do barril de petróleo estava contado a US$ 40 e assim permaneceu por quase três anos de forma que os brasileiros quase não sentiram aumentos dos preços dos combustíveis, salvo no período da greve dos caminhoneiros em 2018 quando os preços subiram 25,0%.
Mas essa política revelou-se altamente perversa para os consumidores no ano passado quando o preço do barril de petróleo que tinha voltado para os US$ 40 devido a pandemia do coronavírus começou a subir e chegou a US$ 90 em dezembro quando surgiram as primeiras ameaças da Rússia contra a Ucrânia.
Em 2021, os preços da gasolina subiram 44,3% e os do óleo diesel subiram 44,6% fazendo voltar o debate sobre para que servia o pré-sal se não for para baixar os preços dos combustíveis já que ele é extraído no Brasil?
O debate faz sentido. Afinal, se a Petrobras festeja tanto o sucesso do pré-sal por que ele não é usado integralmente para fazer gasolina e óleo diesel nas refinarias da Petrobras e ser vendido todo no Brasil?
É aí que entra a questão da paridade dos preços internos com os preços internacionais. Como a política de preços prevê que os valores da contabilidade da empresa estão em linha com o dólar, se a cotação do dólar sobe ou se o preço do barril do petróleo sobe isso tem repercussão nos preços em real.
CRISE COM BARRIL A US$ 100
Nos tempos do barril do petróleo a US$ 40 funcionou, mas com ele entre US$ 100 e US$ 120 como depois da guerra da Rússia contra a Ucrânia virou um problema sério. O problema ficou mais grave porque a Petrobras também passou exportar parte do pré-sal. Em 2021 ela vendeu US$ 19,8 bilhões para vários países especialmente a China que comprou 45% de petróleo extraído do pré-sal.
A política de paridade também é usada para a empresa importar combustíveis uma vez que sua produção não atende todo o mercado brasileiro. E de certa forma a importação acaba ajudando no discurso de que os preços são mais caros no Brasil porque em dólar estão mais caros no exterior.
Ou seja, a Petrobras usa o fato de importar gasolina e óleo diesel pagando em dólar para cobrar, também em dólar, os combustíveis que produz no Brasil a partir do que extrair no pré-sal.
Essa política é contestada pelos secretários de Fazenda do Estados que não veem sentido dela produzir 65% dos seus produtos no Brasil e com matéria prima nacional e nivelar os seus preços em 100% porque importa parte dos que o mercado consome pagando preços internacionais.
Curiosamente, até hoje, não houve questionamentos no Congresso e fora dele em cima de dados da própria companha observando em detalhes esses números. Na prática, a Petrobras vem usando o argumento da paridade internacional ao dólar para melhorar sua performance no mercado.
Isso se manifesta no fato de que ao exportar se beneficia dos preços em alta do petróleo no mercado externo e também no mercado interno quando vende os produtos que importa também com os preços do mercado internacional.
Com isso, toda a operação de extração do petróleo no pré-sal - que vem caindo em termos de custo - permite a empresa uma grande lucratividade como foi observada em 2021 quando o lucro foi de R$ 106,6 bilhões.
Porque ela reduz o custo da exploração, mas pode exportar parte dele cobrando em dólar e também cobrando em dólar o que refina no mercado interno com o argumento de que ao importar combustíveis está pagando em dólar.
BOLSONARO DIZ QUE NÃO É COM ELE
Há menos de um ano, o presidente Jair Bolsonaro “demitiu” o diretor presidente da Petrobras, Paulo Castelo Branco, pela imprensa. Ele nomeou para o cargo o general Joaquim Souza e Luna que, segundo ele, iria para “arrumar a casa”. Luna foi e entregou aos acionistas um extraordinário lucro de US$ 19,8 bilhões.
Na verdade, a Petrobras se beneficiou da sua política de paridade internacional de todos os seus preços. Tanto nas operações de exportação, de importação e de suas vendas. Em dólar, sua rentabilidade cresceu 88,7% na gasolina; 74,1% no óleo diesel e 32,8% no gás de cozinha.
O problema é que isso depois dos preços da gasolina no ano subir 44,3% e o gás de cozinha 44,6%. Bolsonaro entendeu pelo modo mais difícil que não poderia “intervir’ na Petrobras a menos que nomeasse um novo conselho com a missão especifica de mudar a política de preços da empresa, o que exigiria inclusive uma mudança na legislação.
Ele pode fazer isso. Mas não deseja pagar o custo político e ainda ser responsável pela desvalorização das ações de empresa já que o gesto vai derrubar a cotação das ações.
O presidente então se comporta com a raposa na fábula de Esopo dizendo que as uvas estão verdes. Ou melhor, que não tem nada a ver com os aumentos e que a empresa tem autonomia para decidir o que fazer.
Bolsonaro prefere uma outra frente de combate. Com os governadores acusando-os de estarem ganhado muito dinheiro com o ICMS dos combustíveis já que com alíquotas entre 25% e 32% a arrecadação do ICMS apenas com os combustíveis cresceu 22,5%.
CUSTO DA EXTRAÇÃO DO pré-sal
No ano passado, a Petrobras bateu seu recorde na produção própria do pré-sal, com média anual de 1,95 MMboe/d (milhões de barris de óleo equivalente por dia), representando 70% da sua produção total.
O curioso é a produção no pré-sal vem crescendo rapidamente e o recorde registrado representa mais do que o dobro do volume que produzíamos nesta camada há cinco anos.
Para se ter uma ideia, em 2010, a empresa extraiu no primeiro campo apenas 40 mil barris. Mas o fato mais importante é que a Petrobras é, de fato, um player em águas profundas. E o pré-sal é uma mina de petróleo com exploração muito barata.
Os números disponíveis nos informes da própria companhia revelam que o primeiro barril de óleo equivalente (óleo + gás) extraído, em 2014, custou apenas US$ 9,1. No ano seguinte, baixou para US$ 8,3 e atingiu um valor inferior a US$ 8 por barril no primeiro trimestre de 2016. Em 2018. atingiu um valor inferior a apenas US$ 7. Ele continuou a descer embora a empresa não divulgue.
Segundo o site Petronotícias, ao longo de 2020, a companhia brasileira conseguiu reduzir para US$ 2,27 por barril extraído na camada pré-sal no terceiro trimestre daquele ano, sem contar com as despesas de afretamento de plataforma.
O número representou uma queda de 5% em relação ao lifting cost verificado entre abril e junho (US$ 2,39 por barril). Importante observar que sobre esse valor é preciso acrescentar o valor do afretamento se refere ao aluguel das plataformas é determinante para se chegar ao preço de produção final.
Segundo a empresa, em 2021, o custo de exploração do afretamento acrescenta U$ 5,26 em cada barril extraído no pré-sal. Então, mesmo que sobre esse valor se coloque o dobro de outras despesas até chegar na refinaria o preço de um barril de petróleo no pré-sal rende muito dinheiro para a Petrobras.
Ano passado, a Petrobras exportou US$ 14,9 bilhões em petróleo, aproximadamente 45% das exportações tiveram destino para refinadores na China, 20% para Europa, 20% para as Américas e 15% para outros destinos na Ásia.
NA OPEP+, BRASIL SERIA O QUINTO
Apenas a produção no pré-sal que registrou um recorde tanto em volume quanto em percentual sobre a produção total foi de 2,912 MMboe/d (milhões de barris de óleo equivalente por dia), sendo 2,292 MMbbl/d (milhões de barris diários) de petróleo e 98,6 MMm3/d (milhões de metros cúbicos diários) de gás natural.
A produção do pré-sal teve origem em apenas 134 poços e já corresponde a 75% de toda produção nacional. Os principais motivos para o aumento na produção no pré-sal foi a entrada de poços em produção, principalmente nos campos de Sépia e Sépia Leste.
Isso quer dizer que, se o Brasil fizesse parte da Opep+ que reúne os 10 países fundadores da década de 70 e mais 10 que estão alinhados às práticas da organização, seria o 5º maior produtor do grupo.
É importante esclarecer que o Brasil assim como os Estados Unidos e outros produtores não fazem parte da OPEP+. Hoje, na OPEP+ os dois maiores produtores são a Arábia Saudita que extrai 10,4 milhões de barris/dia e a Rússia que também extrai 10,4 milhões de barris/ depois deles vem o Iraque (4,4 milhões de barris/dia) e os Emirados Árabe com 3 milhões de barris/dia.
O Brasil se estivesse na OPEP+ viria a seguir e na frente do Kuait que hoje produz 2,66 milhões de barris/dia. Mas os números do Brasil vêm, crescendo muito mês a mês especialmente no pré-sal. O que faz do Brasil uma potência emergente no setor de petróleo é que na camada do pré-sal os números são muito grandes.
Apenas o bloco de Libra, que fica no campo de Mero no pré-sal da bacia de Santos tem uma coluna óleo de 400 metros. Equivale a um moro como Pão de Açúcar de óleo. Em 1984, com 4.108 poços, a Petrobras extraia 500 mil barris/ dia. Em 2018, com 77 poços extraiu 1,5 milhão. Este ano, com 123 poços extraiu 3 milhões de barris.