Por que a esquerda ainda se surpreende com o discurso de Jair Bolsonaro ?
A esquerda brasileira não aprendeu, e é pouco provável que entenda, que o seu método de discussão e embate ideológico não funciona com o presidente.
Quatro anos de convivência da sociedade brasileira com o fenômeno Jair Bolsonaro não ensinaram a esquerda e até mesmo um grande número de pessoas que se dizem de Centro, Social-Democrata ou até Liberal em conviver com ele.
É compreensível. Embora depois de tanto tempo pareça ingênua a expectativa de que o presidente mude de comportamento em direção ao que essas pessoas acreditem ser razoável. Mas é um equívoco. Jair Bolsonaro é isso que todo o Brasil e o mundo estão vendo.
Essa dificuldade de percepção do que seja o fenômeno Jair Bolsonaro está na própria concepção de debate intelectual que a esquerda tem enraizada no conceito de fala onde quem emite uma mensagem espera que o destinatário à responda e a troca de turnos se processe de forma civilizada. Embora possam acontecer interferências de um dessa atores enquanto o outro está expressando seu discurso.
Bolsonaro não trabalha com isso.
Da mesma forma que, no embate clássico, as pessoas colocam suas ideias de forma respeitosa, embora elas possam conter palavras possam ser destruidoras dos pontos de vistas dos outras interlocutores.
Bolsonaro não defende ideias. Impõe conceitos no grito, geralmente em frase curtas, polêmicas e não raro absurdas.
MODELO DE DEBATE ANALÓGICO
A esquerda brasileira não aprendeu, e é pouco provável que entenda, que o seu método de discussão e embate ideológico não funciona com o presidente. Até porque esse é um modelo de debate analógico e o discurso de Bolsonaro é inteiramente digital estruturado na chamada cultura do cancelamento.
Parte da dificuldade da esquerda brasileira entender como se processa o discurso de Bolsonaro está na incompreensão de como ele pode chegar a todas as bases da sociedade enquanto o discurso da esquerda exige um nível intelectual mínimo capaz de processá-lo.
O discurso agressivo, tosco e pobre em termos frasais entra no discurso da esquerda como faca na manteiga cortando-a ao meio e, a seguir, vendo-o derreter sem capacidade de reação. Até porque a manteiga derretida ainda que aquecida a 100 graus jamais terá capacidade de atingir a tempera da faça que a cortou.
Esse talvez seja o grande desafio do discurso de Lula e dos demais candidatos em querer numa campanha que o presidente processe um debate clássico ainda que usando todos os instrumentos de comunicação violenta.
Grosso modo, parece claro que o PT, Lula e os demais candidatos adversários a Bolsonaro estão achando que haverá uma luta de boxe como a de Muhammad Ali x George Foreman, em 1974, considerado o maior embate na categoria de pessoas pesados de todos os tempos.
Pura ingenuidade
A campanha de Bolsonaro será algo tipo MMA. E num nível tão agressivo como a luta que ficou na história onde o lutador Carlos Iraburo matou o adversário Michel Kirkhan no ringue com uma série de golpes que causaram hemorragia cerebral fatal.
Dito de outra forma: o PT se prepara para uma luta clássica de boxe. Bolsonaro vai entrar no ringue como o aranha, Anderson Silva com a estratégia de nocautes em segundos.
É importante se observar que, em termos de discurso, a esquerda não está preparada para isso. E de certa forma não sabe mesmo como abordar essa questão. Talvez porque seja imigrante digital na defesa de seus pontos de vistas. E como todo imigrante carrega seu sotaque.
BARRA DE ROLAGEM DO SMARTFONE
O discurso de Jair Bolsonaro é digital. E se ancora no fato de o seu usuário das plataformas digitais não ter paciência para enunciados mais longos e que usa quatro ou cinco vezes mais a barra de rolagem do seu smartfone que um imigrante digital.
Pode-se explicar essa dificuldade de pessoas (mesmo jovens e nativas digitais) de entender esse discurso porque foram formadas - a partir de um visão de esquerda - de ler, ainda que no Kindle, da Amazon, textos longos exigem reflexão e que demandam bem menos uso da barra de rolagem.
Os apoiadores de Bolsonaro estão mais para o Tiktok, o Instagram, o Facebook, Telegram e até mesmo para o Twitter cuja marca é o processamento de mensagens de várias plataformas, ao mesmo tempo, ainda que a mensagem seja a mesma.
Os partidos de esquerda e adversários de Bolsonaro precisam entender essa estratégia de linguagem sob pena de serem trucidados, de novo.
AVENIDA VIRTUAL NO CIBERESPAÇO
Tomemos a plataforma WhatsApp. Pode-se dizer que, ao menos até agora, todos os partidos adversários de Bolsonaro interpretam o mensageiro da Meta como uma ponte que liga as ideias de uma pessoa a outra. Ainda que estejam num ou mais grupos.
É um enorme equívoco. O WhatsApp é uma espécie de avenida virtual (highway), no ciberespaço da linguagem e com múltiplas possibilidades de inserção de elementos textuais e imagéticos.
Essa highway comunicacional nos oferece uma completa e complexa oferta de entradas, saídas e pontos de retorno ao eixo central de tráfego semelhante ao que acontece numa via expressa real, quando os seus usuários objetivam chegar a um destino definido.
Bolsonaro entendeu isso já em 2018. Os candidatos de 2022 parecem não ter percebido que não podem achar que vão combatê-lo mandando uma missiva digital.
Não é apenas uma questão de elaboração, produção e distribuição de FakeNews. Vai muito além. Não é fácil entender e se reposicionar dentre do ciberespaço. Exige mudança do software básico.
Isso vale até mesmo para quem está em posto de comando dentro dos partidos. De perceber e saber contratar gente nativa digital para atuar nesse campo. Isso parece estar claro no que o PT, Lula e os demais candidatos estão fazendo até agora. Eles atuam sempre de forma reativa ao que Bolsonaro faz. Uma passo atrás, portanto.
NOVA CARTA AOS BRASILEIROS
O caso da Carta aos Brasileiros em Defesa da Democracia é ilustrativo. É um documento histórico, extraordinário com um pacote de alertas importantíssimos. Mas tem 16 parágrafos, 631 palavras e 4.172 caracteres.
Ele está em todas as plataformas de busca e portais dos grandes jornais e centenas de instituições de defendem o Estado Democrático de Direito. Mas não tem, ainda, versões com as características das demais plataformas.
Certamente, porque todos os atores que a escreveram não pensaram que ela deveria ter versões adaptadas aos formatos Instagram, TikTok, Facebook e Twitter. Pensaram que um ou dois milhões de assinaturas a tornarão conhecida.
Não dá para achar que o público de 200 milhões de vai procurar ler o texto e baixá-lo.
No fundo o desafio da esquerda e de todos os demais atores hoje na oposição a Jair Bolsonaro nessa eleição é entender como pensa, atuar e reage o capitão. E como anular sua técnica frasal de, no máximo, 15 palavras que emula uma comunicação violenta que seus adversários catatônicos não sabem como reagir.
No fundo reagem como Jar Jar Binks, o desastrado Gungan que tem um jeito todo particular de falar no primeiro episódio de Star Wars e que foi um importante aliado dos Jedi durante a invasão de Naboo depois que o mestre jedi Qui-Gon Jim lhe dar uma bronca na frente do ainda jovem Obi-Wan Kenobi:
Que rude.