RENEGOCIAÇÃO DE DÍVIDAS: Candidatos querem programa que já existe e até agora não reduziu número de devedores
Quem recebeu proposta de renegociar dívidas e limpar o nome e já não pagou é porque, com o dinheiro da prestação, está comprando comida
Com 67,6 milhões de pessoas inadimplentes - segundo registram birôs de crédito como a Serasa - a ideia de uma ação de Governo para diminuir a dívida registrada de R$ 288 bilhões dos consumidores entrou no radar dos candidatos. Mas veio com uma conhecida promessa de renegociação como forma de devolver a possibilidade desse contingente de pessoas ao crédito.
É uma iniciativa interessante, porém, a menos que o Governo pague parte dessas dívidas às empresas de recuperação que adquiriram esses créditos, as chances de sucesso são remotas, e devem virar mesmo apenas promessas de campanha.
RENEGOCIAÇÃO DE DÍVIDAS
Porque, ao aceitar o refinanciamento, o cliente pode, simplesmente, fazer com que apenas troque de credor: antes era o banco privado, agora passaria para um banco público. Ou seja, ele continuará com a obrigação de pagar. Como se o problema fosse prazo, e não a falta de dinheiro do consumidor.
Assim como a campanha de Lula (PT) lançou a ideia de programa de renegociação de dívidas para tomar a bandeira mais conhecida de Ciro Gomes (PDT) desde 2018, o próprio Ciro voltou a incluir o tema sem considerar o principal: ninguém entra na lista do Serasa ou do SPC Brasil porque quer.
E que se já não pagou, é porque com o dinheiro da prestação, ele está hoje comprando comida.
Outra coisa. Não é por falta de campanha para o cliente limpar o nome que os números não param de subir. Basta dizer que desde julho de 2016, o número de inscritos não baixa de 58,7 milhões de CPFs.
Em julho de 2022, o número passou para 67,6 milhões. Ou seja, em seis anos, o número cresceu quase nove milhões (8,9), ou um crescimento de 15,16%.
Segundo a Serasa, mais de 1,8 milhão de pessoas renegociaram suas dívidas em agosto na plataforma Limpa Nome da Serasa. Foram realizados mais de 2,8 milhões de acordos, com descontos que somaram R$ 4,8 bilhões. Foi registrado aumento de 22% nas renegociações em relação ao mês de julho. E devido à grande procura, a Serasa prorrogou até 12 de setembro a Ação de Parcelamento.
Ainda segundo a empresa, os segmentos com maior número de renegociações foram de empresas de telecomunicações (41%), de securitizadoras (24%) e dos bancos (15%). O varejo ficou em quarto lugar, com 14%.
Para a empresa, um dos principais motivos para o crescimento do número de negociações foi a ação inédita de parcelamento em até 24 vezes sem juros que a Serasa está realizando em parceria com mais de 50 empresas.
Com o objetivo de melhorar o cenário desafiador para os brasileiros, a Serasa oferece quase 2,3 milhões de ofertas com condições especiais de quitação de dívidas por até R$ 100,00 por meio da plataforma Serasa Limpa Nome.
DÍVIDA REGISTRADA VALE MENOS
O que pouca gente sabe é que, quando as empresas registaram o valor de R$ 287,7 bilhões de créditos, o número está inflado por todas as taxas de juros e multas previstas no contrato. E, ao menos, no caso dos bancos, isso já está contabilizado nos balanços como prejuízos.
Isso acontece porque, segundo normas do Banco Central, os bancos não podem manter os nomes dos seus devedores por mais de dois anos sem contabiliza-los como prejuízo. E isso movimenta um outro segmento operado pelas recuperadoras de crédito.
Funciona assim: contabilizada como prejuízo, a dívida cheia no balanço das empresas e bancos é vendida em leilões, onde o valor pago é de até 5%. As empresas ficam donas desses créditos e saem à procura deles para uma renegociação.
Isso quer dizer que, embora estejam registradas como R$ 287,7 bilhões, na verdade elas representam potencialmente R$ 14,38 bilhões correspondentes ao que elas foram pagas pelas recuperadoras de crédito.
Mas cobrar de inadimplente pode ser um bom negócio. Em maio, por exemplo, houve um recorde com relação a consumidores com o “nome no vermelho”, mais de 66,6 milhões.
A Recovery, empresa do Grupo Itaú e especializada em recuperação de crédito, estima que até dezembro de 2022, o mercado de NPL’s, como é chamada a venda de carteiras inadimplentes por empresas cedentes, pode chegar a R$ 65 bilhões, ou seja, quase quatro vezes aquilo que pagaram pelos créditos podres.
Em 2021, este número chegou a R$ 44 bilhões e, em 2020, R$ 20 bilhões. E a Recovery, que é uma das líderes no mercado de NPL’s, tem hoje R$ 130 bilhões de créditos inadimplentes sob sua gestão.
As propostas de candidaturas à presidência, portanto, antes de formular campanhas para um renegociação geral, vão precisar acertar logo quanto estão dispostas a pagar por elas. Nas contas das empresas de recuperação de crédito, isso representa um ativo de mais de R$ 65 bilhões. Mas se for para botar dinheiro do contribuinte, é importante fixar um parâmetro.
Até porque, para uma recuperadora de crédito, quando o sujeito dá uma entrada, parte de seu investimento já voltou. E se for para devolver a possibilidade de comprar fiado de novo com dinheiro público, o preço tem que partir de 5% do valor de face.
Porque se for para apenas ajudar no parcelamento, não vai funcionar, como até hoje não funcionou.
PERFIL DO DEVEDOR
Segundo os dados da Serasa, o perfil dos endividados mostra que pessoas com renda de até R$ 2 mil foram as que mais renegociaram no mês de agosto, representando 44% dos acordos. A faixa de renda de até R$ 5 mil vem a seguir, com 26% das negociações.
As mulheres são as que mais renegociaram, com 54%, frente a 46% dos homens. Em relação à faixa etária, consumidores de 30 a 40 anos lideraram as negociações, com 30%. Uma curiosidade é que a Geração Z, formada por jovens de até 25 anos, representa 22% do total de acordos fechados em agosto.
Segundo os dados da Serasa, as mulheres representam a maioria (33,9% milhões), o que indica que grande parte delas teve o nome usado depois que os maridos ou companheiros tiveram seus nomes negativados. Até porque elas não representam metade dos trabalhadores com carteira assinada ou de empresárias empreendedoras.
Outra coisa é que já existem 8,8 milhões de jovens com seus nomes negativados. Embora na faixa entre 24 a 40 anos existam 24,1 milhões e mais 23,1 milhões com idades entre 41 e 60 anos (47,2 milhões), quer dizer que muitos jovens estão endividados e já com o nome sujo para comprar a crédito.
Finalmente, existe um outro grupo, de 11,6 milhões de pessoas idosas com mais de 60 anos com restrição de crédito, o que aponta também para o uso do seu nome por terceiros.
Segundo a CNC, do total de endividados no País, 85,4% possuem dívidas no cartão de crédito, proporção que havia chegado a 88,8% em abril deste ano. Os consumidores com até 35 anos de idade são os mais endividados (87,5%).
Na comparação dos grupos de renda, desde fevereiro deste ano, a proporção de endividados no cartão de crédito está maior entre as famílias com mais de 10 salários mínimos, mas o indicador aproximou-se do observado para as famílias com renda inferior a esse valor.