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ORÇAMENTO SECRETO: Sob tragédia da covid-19, Centrão montou esquema de R$ 66 bilhões com emendas de relator

Arthur Lira (PP-AL) foi eleito em 1º turno, com 302 votos, apoiado por um bloco formado por 11 partidos representando o Centrão

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Fernando Castilho

Publicado em 20/09/2022 às 11:50 | Atualizado em 20/09/2022 às 15:42
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No segundo semestre de 2020, enquanto o Brasil sofria a angústia do enfrentamento da pandemia da Covid-19 e o Congresso funcionava com votações virtuais aprovando, a toque caixa, um novo orçamento que chegou a R$ 525 bilhões (15,28% de todos os gastos públicos) a mais quem 2019, um grupo de deputados liderados pelos presidentes do PL, PP e Republicanos se organizaram para se apropriar de parte do orçamento de 2021, redirecionando nada menos de R$ 30,12 bilhões sobre o guarda-chuva de emendas sem qualquer indicação publica de seus autores.

Os objetivos passaram longe de qualquer preocupação com os mais de 230.452 óbitos pela doença no ano passado.

O foco seria a eleição de um representante do grupo, que ancorassem essa movimentação e que, em fevereiro, elegeu o presidente para o comando da Câmara Federa o deputado, Arthur Lira (PP-AL) em 1º turno, com 302 votos, apoiado por um bloco formado por 11 partidos.

O resultado dessa articulação, de fato, dava poucas chances ao deputado Baleia Rossi (MDB-SP) que somou 145 votos.

Mas o efeitos dessa articulação que acabou tendo o apoio de mais de uma dúzia de governadores só viria a aparecer no ano seguinte após a posse de Lira que pôde anunciar antes da votação o apoio do presidente Jair Bolsonaro que já havia sido filiado a praticamente todos os partidos que forma o Centrão ao longo de seis 28 anos com político.

 

Pedro Gontijo
Os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) - Pedro Gontijo

Na verdade, os 302 votos assegurados, já na eleição para a mesa da Câmara (inclusive, com os 15 votos do PDT e 10 do PSB vindo dos partido de oposição) asseguravam a Lira a possibilidade aprovar facilmente Propostas de Emenda Constitucional para a qual são exigidos 308 dos 513 deputados da casa. E isso o presidente Jair Bolsonaro percebeu no dia em que Lira foi eleito.

De certa forma, Bolsonaro entendeu que teria que fazer de Lira uma aliado de primeira hora, para não acontecer com ele o mesmo que aconteceu com a presidente Dilma Rousseff que ao brigar com o deputado Eduardo Cunha, também em primeiro turno, com 267 votos.

O que talvez o presidente não soubesse era que seu Governo já tinha perdido as condições de determinar o destino de um pacote de recursos de R$ 66,52 bilhões que entre 2021 e 2023 terá decidido não por ele, mas pelo Centrão.

Antes mesmo de ser eleito, o deputado Arthur lira conseguiu, com seu grupo, articular a relatoria geral do OGU de 2021 para o deputado Domingos Neto (PL-CE).

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AGÊNCIA CÂMARA
OFICIO Domingos Neto contraria argumento apresentado ao Supremo - AGÊNCIA CÂMARA

Foi Domingos Neto quem voltou a usar a estratégia de redirecionamento das chamadas emendas de Relator-Geral do PLOA 2020, conhecidas como RP-9 que conceitualmente existe para corrigir erros e omissões de ordem técnica ou legal; recompor, total ou parcialmente, dotações canceladas, limitada a recomposição ao montante originalmente proposto no projeto e atender às especificações dos pareceres preliminares.

O fato novo foi Domingos Neto passar de zero em 2019 para R$ 30,12 bilhões em 2020 sem que o próprio presidente da Câmara Federal, Rodrigo Maia (PSDB-RJ)  percebesse a manobra.

Certamente, porque no segundo semestre passou parte de seu tempo tentando concorrer a um novo mandato para a presidência da Câmara até ser barrado pelo STF.

O governo Bolsonaro percebeu, logo no começo da legislatura de Arthur Lira, que já não tinha mais condições de aprovar muita coisa sem que o grupo desse sua chancela. O ministro da Economia, Paulo Guedes precisou mudar sua articulação de aprovação das propostas de interesse do Governo Federal para obter algum sucesso na casa.

Camara Federal
Bolsonaro, Paulo Guedes eArthur Lira. - Camara Federal

Um descuido de suas equipes na negociação dos recursos do precatórios exigiu uma complexa negociação do governo com o Legislativo de modo a acomodar apenas parte do R$ 97 bilhões requisitados pelo STF e que Paulo Guedes simplesmente não sabia onde encontrar. Foi o Congresso que salvou ao OGU de 2022 reduzindo o volume através de uma PEC votada sob o comando de Arthur Lira.

A capitulação de Jair Bolsonaro ao Centrão acabou se dando no dia 28 de julho de 2021 quando nomeou o senador Ciro Nogueira (PP-PI) como ministro chefe da Casa Civil, numa minirreforma ministerial da gestão Bolsonaro, que inclui a recriação do Ministério do Trabalho e Previdência e fez alterações na Secretária-geral da presidência.

Bolsonaro foi obrigado a tirar do cargo da Casa Civil seu fiel escudeiro, o general Luiz Eduardo Ramos, deslocado para a Secretária-geral da presidência e arranjar uma lugar para outro aliado de primeira hora Onyx Lorenzoni, o qual foi nomeado para assumir o Ministério do Trabalho e Previdência.

O esquema funcionou secretamente até ser denunciado pelo nome de “Orçamento Secreto”, numa reportagem do Jornal O Estado de S Paulo.

Mas a estruturação e a liberação de verbas já estavam ajustadas e protegidas.
Entretanto, a despeito da tramitação de uma ação no STF, relatada pela própria presidente da Suprema Corte não se tem conhecimento preciso da distribuição dos recursos pagos em 2020 e 2021. E mesmo os recursos que estão sendo liberados em 2002 ainda não tem identificação de origem do deputado.

O Congresso sequer conseguiu entregar uma modelo padrão de entrega de informações de modo a rastrear os recursos que vão aparecer em algum órgão federal como receptor, mas sem poder saber identificar exatamente quando pediu para seu direcionamento.

Marcelo Camargo/Agência Brasil
O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, durante recepção ao presidente de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, no Palácio do Planalto. - Marcelo Camargo/Agência Brasil

O mais importante do mecanismo chamado orçamento secreto é que ele, aparentemente, foi desenvolvido para servir aos interesses do Centrão, independentemente de quem seja o presidente da República.

No Governo Bolsonaro ele está sendo usado para tentar ajudar a reeleger o presidente. Mas sem qualquer garantia de que será efetivamente cumprido pelo deputado que destinou as verbas.

Até porque se for verdade que a Câmara organizou a distribuição de verbas sem ter um controle de sua distribuição para além das votações de 2021 e 2022 para ajudar o Governo Bolsonaro, nem mesmo Arthur Lira pode cobrar o compromisso dos deputados se ele não mandar seus eleitores ajudarem o presidente na campanha de reeleição.

E muito menos dos que não conseguirem se reeleger graças a verbas que destinaram, aos seus redutos eleitorais que se revelaram ingratos.

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