Pernambuco parece condenado a governar apenas para pagar contas
Apenas com transferência de recursos como pagamento das parcelas de nossa dívida pública, Pernambuco transferiu para a União R$ 11,47 bilhões entre os governos entre 2015 e 2022
Matéria atualizada às 11h20*
Na próxima quarta-feira, o secretário da Fazenda de Pernambuco, Décio Padilha, fará a apresentação do relatório de prestação de contas do segundo quadrimestre do Governo de Pernambuco com uma informação importante: o nível de endividamento do Estado chegou a 21,5%, baixando 51 pontos percentuais em relação ao primeiro ano do Governo Paulo Câmara (PSB), que ficou em 72,5%.
O número é importante. Não pela magnitude, mas pelo que significou em termos de transferência de recursos como quitação de dívidas (R$ 11,47 bilhões) entre os dois períodos de governo (2015 a 2022).
O caso de Pernambuco é bem interessante porque, em 20 anos, o Governo do Estado precisou se reorganizar duas vezes para apenas pagar contas depois que empréstimos foram sendo contraídos. Os valores precisaram ser negociados, renegociados e, a seguir, começarem a ser pagos em situações de crise financeiras.
Em 20 anos, houve uma grave crise nos governos Jarbas Vasconcelos - chegou-se a 130,7% de toda Receita Corrente Liquida, em 2001 -, seguida de enorme esforço fiscal até o final do segundo periodo de governo em 2026, quando Vasconcelos entregou o Estado com um comprometimento de 66,6% de modo que, já no governo Eduardo Campos, caiu para apenas 38,6%.
Quando Eduardo Campos se reelegeu, ele iniciou um novo ciclo de contratação de um novo pacote de empréstimos que começaram a ser pagos quando Paulo Câmara assumiu.
(*) No caso das dívidas pagas por Jarbas Vasconcelos, o desembolso correspondeu ao dinheiro que ele recebeu pela venda da Celpe. No caso de Paulo Câmara, os R$ 11,47 bilhões, é como se ele fosse obrigado a pagar mais de um quarto (26,07%) de todo do Orçamento Geral do Estado de 2022 (R$ 44,01 bilhões), apenas para quitar as parcelas de sua Divida Publica contratada.
Com esse quadro, restou a Paulo Câmara organizar um caminho de volta que lhe permitiu que, neste mês, pudesse mandar seu secretário de Fazenda dizer aos deputados que o próximo governador terá um cenário completamente diferente do que ele encontrou.
É importante observar que isso não custou barato. No caso das despesas de pessoal, o comprometimento "beijou" o limite da Lei de Responsabilidade fiscal (49,0%) no Poder Executivo quando, em 2017, chegou a 48,97% da Receita Corrente Líquida . Ano passado entretanto ele fechar suas contas com servidores em apenas 41,04% da RCL, devendo cair ainda mais este ano quando entregar o novo governador.
Na verdade, essa queda foi apressada como uma decorrência das medidas de ajuste fiscal determinada pelo Governo Federal, para ajudar os estados, durante a pandemia do Covid 19, quandol foi proibido por dois anos (2020 e 2021) a concessão de qualquer reajuste a servidores públicos. Isso, no caso de Pernambuco, possibilitou gastar a cada quatro meses uma média de R$ 12 bilhões em salários, enquanto a arrecadação subiu em dois anos R$ 5 bilhões.
Não aconteceu apenas com Pernambuco. Mas ajudou muito a Paulo Câmara, assim como a todos os governadores que em 2022 puderam capitalizar a retomada da capacidade de conceder reajustes aos seus servidores.
Mas no caso do endividamento do Estado, a queda foi determinante para que o Estado se enquadrasse nos critérios de retomada da capacidade de contrair empréstimos com a reclassificação para o que a Secretaria do Tesouro Nacional chama de Capag B , Isso acontece quando um estado apresenta números de equilíbrio fiscal entre o que deve, o que paga a seus empregados, o que tem no caixa para pagar suas contas e as parcelas dos empréstimos de forma sustentada de modo a obter autorização do Senado Federal para pedir novos empréstimos com a União Federal sendo fiadora da operação.
No caso de Pernambuco, a STN autorizou Pernambuco a contrair empréstimos de até R$ 2,8 bilhões que somados à própria arrecadação permitem alcançar um robusto volume de crédito para investimentos junto a bancos.
E Paulo Câmara já fez o primeiro movimento ao contratar R$ 800 milhões para obras do seu final de governo, embora isso não tenha sido percebido com muita clareza de onde vai gastar.
O secretário de Fazenda Décio Padilha, que nos últimos quatro anos coordenou as ações para a volta ao Capag B. acredita que o próximo governador terá todas as condições de desenhar um programa de governo de impacto o que, devido ao período 2015 a 2018, Paulo Câmara não pôde. Especialmente pela queda do PIB em 2015 e 2016 durante o segundo governo Dlma Rousseff. Além do fato de que 51% das dividas contraídas no governo Eduardo Campos terem sido feitas em dólar que, entre 2015 e 2021 teve atualização de 42,9%.
Paulo Câmara deve mesmo entregar o caixa de Pernambuco numa situação muito melhor que encontrou. Mas o que o próximo governador deve pensar é: o que eu posso fazer com isso?
É importante observar que o Estado tem enorme dificuldade de propor uma meta estratégica para uma ou duas décadas como ente subnacional. E de tornar claro à sociedade onde deseja e como deseja se apresentar nacionalmente no futuro.
Sem um objetivo claro sobre seus grandes para o futuro como Estado e sem que isso esteja posto para as equipes em todos os níveis, o que tem sobrado em termos de imagem geral é que somos muito bons de contas, muito sérios em cumprir nossos compromissos como devedor, que respeitamos todos os programas de ajuste fiscal ao qual somos submetidos, mas que ao final não colocamos claramente os objetivos regional e nacional.
Também parece claro que isso acontece num Estado que tem números de desempenho de grandes projetos muito interessantes (em uma década praticamente mudamos nossa planta industrial, concentrada em alimentos e na agroindústria canavieira) para um pacote de investimentos privados que trouxe ao Estado uma planta automobilística, uma refinaria, uma planta petroquímica, um estaleiro, um parque de distribuição de veículos e um conjunto de investimentos em energia renováveis que nos coloca entre os cinco maiores em termos de projetos no Brasil em futura produção de energia solar e eólica.
O problema é que isso simplesmente não se transformar num ativo perceptível para a sociedade pernambucana, já que o mesmo Estado carrega péssimos índices de infraestrutura, segurança pública e sistema carcerário e insegurança alimentar - o que nos coloca em posição de destaque no novo Mapa da Fome, por exemplo além de condições de pobreza a ponte de termos o segundo maior numero de inscrito no programa Auxilio Brasil no Nordeste.
No final, o que se observa é que o pacote de bons números de atividade econômica afunda nos números de seguridade social. E aí o sucesso de entregar as contas em dia serve apenas para passar a ideia de um Estado que até é um bom pagador, mas que não sabe produzir efeitos quando toma dinheiro emprestado para fazer investimentos como agente indutor do desenvolvimento.