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Conheça José Cláudio, da Procenge. Ele desenvolveu a TED, a "mãe" do PIX, e o sistema de contagem de votos, "avô" da urna eletrônica

A Procenge ajudou a fazer o que hoje é conhecido como TED (a mãe do PIX), pela possibilidade de transferir dinheiro de uma conta de terceiros para outro banco em horas, num mundo analógico

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Fernando Castilho

Publicado em 24/10/2022 às 8:00 | Atualizado em 24/10/2022 às 14:21
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José Cláudio Oliveira, da Procenge, ao lado de Adson Carvalho, da IT, e José Belarmino Alcoforado, da Elógica, é um dos empresários do que hoje chamamos de Tecnologia da Informação, que podem carregar a marca de visionários pelo que empreenderam num mundo em que a palavra "informática" ainda estava se popularizando, e que falar computador era falar de IBM e de Unisys com suas salas envidraçadas abrigando máquinas futurísticas movimentadas por profissionais que falavam de uma linguagem estranha.

Pouca gente (mesmo no Porto Digital) conhece a história de Carvalho, um empresário negro que dominou o mercado de processamento de dados de compensação de cheques prestando serviços à Caixa Econômica.

Foi dono da Companhia Internacional de Tecnologia (IT) que, na década de 90, investiu US$ 2 milhões num projeto de OCR para reconhecimento de valores escritos no cheque e que saiu do mercado por brigar com políticos interessados em colocar no negócio seus apadrinhados.

Alguns conhecem o fato de o "gordo" Belarmino, dono da Elógica - também uma empresa de processamento de dados de grandes empresas locais - que investiu U$ 1 milhão no desenvolvimento de um PC identificando, juntando tecnologias e fornecedores locais, para criar o Corisco, o primeiro computador brasileiro focado em processamento de dados corporativos, cujo nome foi escolhido de modo a indicar respeito à Região Nordeste.

Kamilla Andrade
osé Cláudio de Oliveira (AO CENTRO) com os sócios Rômulo Mesquita e Ezequiel Jordão - Kamilla Andrade

Carvalho e Belarmino, como sabemos, já não estão entre nós. Mas José Cláudio Oliveira, juntamente com seus sócios Rômulo Mesquita e Ezequiel Jordão, felizmente podem nos dar todos os dias um depoimento do que é sonhar fazer diferente, juntar gente e criar uma companhia que chegou aos 50 anos se reinventando e sendo competitiva.

E isso aqui, no nosso Porto Digital, e num mercado onde, assim como no passado dos três pioneiros, palavras como startup, unicórnios e escalar se tornaram o sonho de jovens que querem ser os novos Gates, os Bezos, os Zuckerbergs e os Larry Pages da terceira década do século XXI.

O que chama a atenção no “velho” José Claudio é sua percepção de futuro. E o fato de continuar a sonhar num exercício que certa vez, Dr. Ulysses Guimarães disse se referendo ao então senador pernambucano Carlos Wilson: ter a capacidade de cheirar o amanhã.

Claro que a parceria, cumplicidade e até a subversão às regras desse grupo do qual fazem parte Alcides Pires, Cláudio Marinho e Silvio Meira e Mônica Bandeira ajudaram. Mas José Claudio, talvez seja o que mais esteve envolvido com o fazer o diferente para o mercado corporativo.

EMPRESA CRIOU PRIMEIRA TED

Isso porque ele esteve presente em momentos importante da vida econômica e política brasileira. Tudo começou como um bureau de serviços que foi ampliando a atuação e dando contribuição para áreas como a de gestão de tributos municipais até precisar desenvolver um produto inédito na área bancária, com contribuição às primeiras versões do sistema brasileiro de pagamentos, que hoje é conhecido como TED e é a mãe do PIX pela possibilidade de transferir dinheiro de uma conta de terceiros para outro banco em horas num mundo analógico.

E também de estar presente no nascedouro do conceito de urna eletrônica quando, em parceria com três outras empresas, desenvolveu o primeiro sistema eleitoral eletrônico de contagem de votos que nos levou a um sistema de processamento dos mapas de urnas eleitorais na época do voto em papel.

O interessante dessa trajetória é que pode falar como testemunha. Ninguém lhe contou. Ele estava lá e no meio do processo. E construir a imagem da empresa brasileira de software e de serviços de informática não foi uma tarefa trivial.

E a própria história da Procenge é a de invenção e reinvenção diante das intensas evoluções e inovações tecnológicas e por atravessar vários momentos turbulentos e incertos da economia brasileira: a hiperinflação, entre outras crises e oscilações políticas e jurídicas mais recentes.

Isso explica por que no fim dos anos 1990 a Procenge decidiu focar no setor empresarial e, com o ERP Pirâmide ter dado uma contribuição para estimular a colaboração, a integração e a produtividade de todas as áreas de uma empresa num momento em que o conceito de “transformação digital da gestão de centenas de empresas” sequer existia.

Foi uma contribuição importante para setores como agronegócio, logística, comércio e distribuição, saneamento, educação, serviços, indústria, tecnologia da informação, gás natural e até para o jurídico e o terceiro setor.

Ele tem razão quando diz que “poucos, nascidos a partir do fim do século XX, conseguem compreender o que era manter o curso firme dentro daquele mar revolto. Hoje, vemo-nos diante de outro lance de mudança histórica, com projetos ambiciosos na área de produtos e mercados.” Faz sentido.

Mas naquela época tudo isso era algo absolutamente novo e com poucas referências internacionais, inclusive. E outros, no Brasil, lançaram-se nesses “mares desconhecidos e muitos naufragaram”, relembra o hoje CEO da Procenge, que ainda é o principal acionista da companhia.

O interessante na história de José Cláudio, da Procenge, é que ele sempre apostou no que hoje os profissionais de RH chamam de Gestão de Pessoas. Para mim um dos, se não o maior, ativo da Procenge são as pessoas que vêm construindo com sua história.

"Minha tarefa é deixar a equipe cada vez mais engajada, investir em ações a fim de reter talentos e manter a motivação. Até porque esse é um produto raro no ecossistema do que conceituamos chamar de Porto Digital", diz.

E a proposta de criar um ambiente agradável, com boas perspectivas para os profissionais, investe e incentiva o aprimoramento de competências técnicas e comportamentais (soft skills), e no cuidado com a saúde física e mental foi determinante quando veio a pandemia.

Atualmente a empresa conta com um quadro de cerca de 130 colaboradores em sua equipe, com integrantes que moram em vários lugares do Brasil, todos atuando em modelo home office.

Projeto Memória
Equipe de Consultoria Organizacional da Procenge. - Projeto Memória

José Claudio costuma dizer que o fato de a empresa ter surgido no Recife é uma marca importante para a sociedade que evoluiu para uma fatia de serviços sofisticados e colocou a cidade em destaque em um segmento que não existia antes e emergia na época.

De certa forma, o modelo Procenge foi um dos modelos que ajudaram a criar o ecossistema do Porto Digital, que mais tarde Alcides Pires, Silvio Meira, Monica Bandeira e Cláudio Marinho e conceituaram.

Mas como ele diz que tudo isso só faz sentido se apoiarmos a formação da rede de parceiros para complementação tecnológica das competências da companhia e prospecção de novos negócios, inclusive entre os clientes dos parceiros.

Isso está lá na origem, nos primeiros modelos de automação bancária e quando a Procenge se juntou para contar votos de papel quando o Brasil começou a desenvolver o modelo que nos trouxe a urna eletrônica.

Talvez uma das coisas mais marcantes da personalidade de José Cláudio seja a busca da reinvenção do seu negócio. Até como única estratégia de sobrevivência numa mundo digital cada vez mais competitivo

Segundo ele, os próximos anos da Procenge estão apoiados por um ambicioso projeto que pretende alavancar a empresa para um futuro ainda mais significante.

“Estamos desenvolvendo e aperfeiçoando sistematicamente um novo conceito em relação ao Pirâmide, produto que tem sido o nosso carro chefe nos últimos anos”, avisa.

No mercado, isso quer dizer elevar o ERP do seu terreno de sistema integrado, apenas de back office, para um outro, que integra tudo: o back office com os aplicativos personalizados, associados com as atividades fim do usuário.

Para virar uma plataforma de aplicações tradicionais que também oferece micros serviços já testados para a formulação de, e integração com, aplicativos personalizados. Tudo associado a uma plataforma, intitulada Creator, que reduz custos e prazos para disponibilização dessa personalização”, explica o CEO da empresa de TI.

Com base nessas direções, a expectativa é abrir novas portas e novos mercados no Norte e Nordeste, onde já atua fortemente, e crescer 50% nos próximos três anos. Dois estados figuram como estratégicos para a Procenge: o Ceará e a Bahia.

PRECURSOR DA URNA ELETRÔNICA

Quando em 1986 anunciou-se que as eleições seriam diretas para governador, os TREs poderiam contratar empresas que pudessem melhorar o processo de apuração.

O objetivo era criar um processo que pudesse ser mais rápido e reduzisse as fraudes muito comuns na época.

A Procenge se juntou com mais três empresas, uma do Paraná, uma de Brasília e outra da Paraíba para o trabalho e venceram a licitação do Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas.

Até aquela eleição, os votos eram dados em papéis onde assinalava-se um xis no respectivo nome do candidato e colocava-se dentro de uma urna de lona. A seguir, elas eram trancadas com cadeado e uma abertura onde se colocava o voto. Esta cédula eleitoral tinha que ser assinada pelos mesários da mesa receptora do voto para que não houvesse dúvida quanto a sua autenticidade da cédula.

Quando o cidadão chegava para votar e apresentava seu título perante os mesários, eles puxavam uma cédula em branco e rubricavam na frente dos fiscais dos partidos. Você ia para a cabine de voto, votava e colocava a cédula na urna.

Depois a urna ia para uma seção apuradora, para apuração dos votos, onde as urnas eram abertas e os votos contados. Abria-se um documento chamado mapa de urna e alguém ia contando os votos em voz alta e outra pessoa ia assinalando o voto.

Depois esse mapa era somado vertical e horizontalmente para ver se o número de votos computados no mapa correspondia aos eleitores da sessão e à quantidade de cédulas colocadas na urna. Esse era o controle que se tinha para evitar fraude.

O sistema criado pegava o mapa de urna, e digitava o mapa, se houvesse alguma diferença, o sistema já apontava. Por exemplo: tem mais votos do que o total de eleitores da seção. Conferido tudo, Fechavam-se as urnas e as que não fechavam os votos, apresentávamos ao TRE. E mesmo objeto de licitação havia a crítica porque, por serem empresas privadas, achava-se que tinham interesses políticos que beneficiariam os candidatos.

"As informações eram transmitidas de Maceió para o Recife por um modem discado e uma linha telefônica de 256k de velocidade. Transmitia para o nosso mainframe, que processava rápido e devolvia para esses mesmos micros. Cada um tinha uma impressora. Imprimíamos os mapas e entregávamos ao TRE no outro dia de manhã. Quando havia algum problema na transmissão, demorava um pouco".

"O processo foi um sucesso em todas as capitais em que o nosso grupo trabalhou, cada um vitorioso em um dos estados (nós em Alagoas e os outros em Brasília, no Paraná e na Paraíba). Foi um sucesso total".

Nenhum indício de fraude no processo embora por se tratar de voto em papel, manuseado por pessoas, continuava havendo a possibilidade. Foi uma experiência muito interessante. Ajudou no conceito e levou ao modelo da urna eletrônica que hoje é uma marca do Brasil.

RESERVA DE MERCADO PARA TI

O Governo Militar estabeleceu uma regra chamada de Reserva de Mercado. O perfil nacionalista dela tinha como objetivo de estimular o desenvolvimento de computadores no Brasil. Estabeleceu-se que computador nenhum poderia ser importado.

Os minicomputadores não eram microcomputadores na época. Eram computadores de pequeno porte, nem de longe com a arquitetura que temos hoje. A esperança era que se nenhum pudesse ser importado, as empresas que queriam importá-los, mesmo os grandes equipamentos, teriam que se conformar em comprar minicomputadores nacionais e conectá-los entre si para fazer uma operação.

Depois de uma seleção de quatro empresas brasileiras tiveram a licença de poder fabricar computadores no país. Foi o que aconteceu durante um bom tempo. Mas chegou o negócio de TI e processamento de dados cresceu e a demanda reprimida, enorme, ficou explosiva.

Empresas como a Procenge, que atuavam como bureau de serviços, usando grandes computadores de forma compartilhada. Elas faziam o processamento de dados de empresas diferentes e de vários setores diferentes. Nos autorizaram a importação grandes computadores. A Reserva de Mercado entendia que com isso as empresas não precisariam importar.

"Fizemos uma operação de leasing. Compramos a máquina nos Estados Unidos, pagando em dólar e importamos um computador grande. Foi um sucesso", relembra José Cláudio.

A empresa, então, alugou uma casa em Casa Amarela só para colocar o computador e todas as máquinas de digitação que o alimentavam. A casa precisava ter refrigeração inflada por baixo, uma área para digitação. Naquela época, eram usados cartões perfurados e depois passou a ser em disquete para poder alimentá-lo de dados.

"Mas o ministro da Fazenda baixou um decreto de maxidesvalorização do dólar, na época em que o cruzeiro era a moeda brasileira. A prestação mensal que devíamos passou a ser cinco vezes maior. Passamos por uma enorme dificuldade por causa da maxidesvalorização do cruzeiro. Embora com o computador próprio a empresa passou a ter uma capacidade computacional maior e pode vender mais serviços de contabilidade, folha de pagamento, contas a receber".

Com a capacidade computacional aumentada com o computador importado na época, a empresa teve um grande crescimento no volume da prestação desse tipo de serviço, e a empresa também ajudou a desenvolver o sistema de emissões de promissórias.

Naquela época os imóveis eram vendidos com emissão de promissórias. Os clientes compravam a prazo assinando notas promissórias que venceriam dali a um prazo determinado. A Procenge fazia o processamento da emissão e o controle de recebimento das promissórias.

Com a evolução da própria abertura econômica do país, o Governo foi reduzindo a reserva de mercado, até que, no governo de Fernando Collor, ela foi encerrada. E a nossa concorrência passou a ser muito maior por isso.

TER 50 ANOS MERECE FESTA

A Procenge completa 50 anos no mercado das empresas de Tecnologia da Informação nacional este mês. Para celebrar, a empresa vai promover algumas ações comemorativas. A primeira é o pré-lançamento do livro “Procenge - 50 anos de história e de futuro” no formato digital, marcado para o dia 24 de outubro, às 15h, no cinema do Porto Digital, no Bairro do Recife.

O evento também contará com a palestra “Tecnologia que Movimenta Futuros”, ministrada por Silvio Meira e será transmitida pelo canal da empresa no YouTube (www.youtube.com/procenge). Já no dia 27 de outubro, a empresa será homenageada pelo Porto Digital, em encontro apenas para convidados, no Mia Café, bairro do Recife.

A Procenge também lançou um podcast especial na plataforma Spotify. Os quatro episódios abordam a trajetória da empresa e a importância dos clientes, a evolução do produto, o foco nas pessoas e as perspectivas para o futuro.

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