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Sem ter conhecido ditadura pós 64, nova direita defende intervenção militar que Forças Armadas consideram história

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Por Fernando Castilho

Publicado em 05/11/2022 às 22:00
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Uma das coisas que mais chamou atenção de quem observa o perfil dos manifestantes que fecharam estradas e defendem intervenção federal com tomada do poder desrespeitando a Constituição é a faixa etária, condição social marcadamente classe média e, essencialmente, brancos com muita mais anos de escolaridade.

A ideia de que o Brasil estará mais protegido se os militares assumirem, de novo, o poder virou uma espécie de fetiche do movimento bolsonarista radical que acredita quem essa seria a única forma de proteção contra o comunismo que a maioria de seus integrantes sequer sabem do que se trata.

Analistas de plataformas digitais inferem que esse tipo de atitude decorre da formação de uma opinião a partir de desinformação permanente que passou a exisitr ao longo de quatro anos.

Nesse período, ela foi difundida de modo que milhões de pessoas simplesmente deixaram de se informar pelo canais de comunicação referenciados para ler apenas o que circula nos seus grupos de WhatsApp e Telegram passando a viver uma realidade paralela confortável para o que elas passaram a acreditar como seu veradeiro universo.

O estudo dos impacto da convivência permanente nessa espécie de bolha na personalidade humana desses brasileiros ainda vai levar um tempo. Mas já se sabe que os efeitos podem ser permanentes e até mesmo se tornarem uma patologia que exigirá tratamento médico nos casos mais graves.

Nos últimos dias, os efeitos já se mostraram na reação de milhares de pessoas que se dispuseram a sair de casa inclusive levando filhos menores, com absoluta convicção de que se parassem as estradas poderiam invalidar as eleições e dar mais quatro anos a Bolsonaro.

Elas se juntaram a caminhoneiros que travaram estradas na esperança de Jair Bolsonaro os convocasse a fazer uma insurreição com apoio de militares de modo a não apenas mudar o resultado das eleições proferido pelo TSE, mas de manter o atual presidente por mais quatro anos.

ANDERSON COELHO / AFP
Apoiadores de Bolsonaro em frente ao 63º Batalhão de Infantaria, em Estreito, bairro de Florianópolis (SC) - ANDERSON COELHO / AFP

O presidente, como sabemos, terminou por pedir que desobstruíssem as estradas e desde sua fala não estimulou nenhum insurreição armada. Embora para parte de seus apoiadores, o seu curto pronunciamento 45 horas depois do resultado ser proclamado, tenha sido uma mensagem cifrada de resistência.

É possivel que essa atitude tenha sido muito frustrante para os mais radicais que estavam esperando ansiosos um comando para tomar atitudes ainda mais antidemocráticas.

Mas o que parece ser uma marca desse movimento é que toda a movimento insiste numa tomada de poder à força, sem qualquer percepção de como isso seria viável e como ficaria o país com o Brasil numa eventual tomada de poder por Jair Bolsonaro. E o que, pelas teses dos apoiadores, seria o que chamam de Intervenção Federal, com o presidente permanecendo no poder pela força e com apoio desse grupo.

Ao final de uma semana, enquanto o número de bloqueios foi reduzido a próximo de zero, também ficou clara a estratégia de ir para portas de comandos militares do Exército como uma espécie de trincheira de resistência. Os comandantes militares, como sabermos, ficaram em silêncio.

SEM CONHECER A HISTÓRIA

Curiosamente, parece haver uma enorme desconhecimento do que foi o período em que os militares tomaram o poder e ali permaneceram por 18 anos. E que naquilo que a História chama de anos de chumbo, quando o Estado brasileiro conviveu com a tortura.

Primeiro porque, apesar da farta literatura e pesquisas sobre o que foi o período, elas não circulam pelos grupos como informações referenciadas sobe o assunto. Embora exista muita desinformação com interpretações falsas e fantasiosas sobre o movimento dos militares brasileiros em 1964.

Depois, por permanecer no imaginário dos propagadores a ideia de que, sob período dos militares, a economia brasileira cresceu, o país se modernizou e abriu milhares de quilômetros de estradas federais e que o nível de renda quase dobrou. Além de um período sem denúncias de corrupção.

Nesses grupos, floresceu a ideia de que se deu certo (segundo essa visão) no passado e estava dando certo com Bolsonaro, ele precisaria de um novo mandato para consolidar o novo período de desenvolvimento do Brasil.

Há exageros sobre os dois períodos. Especialmente porque, assim como durante a ditadura a questão da tortura foi escondia no meio da censura da Imprensa, no Governo Bolsonaro os números da economia foram ruins a despeito do sucesso do Brasil no agronegócio pelas exportações.

Reprodução / Twitter
Manifestantes pró-Bolsonaro em Santa Catarina fazendo o gesto nazista durante ato contra o resultado das eleições de 2022. - Reprodução / Twitter

Além da desastrosa administração da pandemia do coronavírus pelo governo Bolsonaro, o desmanche dos organismos de controle ambiental que transformam o Brasil num pária global quando já liderou o debate com autoridade e, finalmente, a capitulação do controle do Executivo do orçamento federal através no Legislativo com a implantação do chamado Orçamento Secreto que em três anos movimentou R$ 67 bilhões na rubrica de investimentos.

Todo esse entedimento se consolidou com a disseminação pelas mídias sociais de um extraordinário volume de desinformação. Mas também produziu atitudes surpreendentes no comportamento desses grupos quando, de um lado, veio a defesa da família escondendo um agressivo comportamento homofóbico, preconceito racial e regional e étnicos. Enquanto, de outro lado, veio a negação de uma realidade brutal de empobrecimento da população onde 40 milhões de famílias perderam a condições de segurança alimentar.

E supreendendente como no debate dos apoiadores de Jair Bolsonaro essa questão simplesmente não existe. Nele perpassa a ideia de que o pagamento do auxílio de R$ 600 resolveu a questão. Como disse o presidente na campanha quando afirmou que nehuma família passa fome no Brasil.

Tem masi: Todo esse caldo de cultura que os participantes chamam de conservadorismo está a quilômetros do que, internacionalmente, a palavra quer dizer em países mais desenvolvidos. E Isso acabou por cristalizar a percepção de que não é possível aceitar a vitória de Lula levando-os a atitude radical de fechar estrada e pedir apoio a um movimento militar na portas de alguns quartéis.

NEGAÇÃO DA REALIDADE 

Eles simplesemente se negam a aceitar a precisão do processo eleitoral, o reconhecimento internacional dos resultados e o início da transição que mostram que o Brasil terá um novo governo com alternância de poder e que cabe aos derrotados o lugar da oposição.

MIGUEL SCHINCARIOL/AFP
PROTESTOS Tropa de choque retirou manifestantes da Rodovia Castelo Branco, São Paulo; em Santa Catarina, saudação nazista será investigada - MIGUEL SCHINCARIOL/AFP

Mas assuta o gesto, incialmente de caminhoneiros, rapidamente substituído por apoiadores de Jair Bolsonaro negando os resultados, pregando a intervenção federal bloqueios nas estradas e vigília na porta de quartéis.

E mais ainda por serem suportados por uma colossal divulgação de fake News nos grupos de apoiadores, alguns até banidos nas redes sociais, e isso nos remete a uma perturbadora constatação: o Brasil terá que conviver com um novo fenômeno radical com forte atuação nas novas redes sociais ancorado em informações falsas.

Mas essa nova realidade indica que o Brasil precisará encontrar caminhos para continuar a contestá-los trazendo-os para a realidade. Ainda que seja extremamente perturbador saber que pais brasileiros ensinaram a seus filhos - com base em desinformação - a negação de uma realidade cada vez mais presente em suas vidas  e a desrrespeitar a Constituição.

No fundo precisamos tentar entender porque eles chegaram a extremo de defender, nas ruas, atitudes antidemocráticas em nome de um ideal que não tem apoio com a nossa História e que nem eles próprios sabem explicar para as novas gerações do que se trata.

 

Evaristo Sá/AFP
Jair Bolsonaro faz pronunicamento dia 1ª de novembro após as eleições. - Evaristo Sá/AFP

 

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