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Ferramenta de ação política da extrema direita no Brasil, fake news virou ameaça permanente à democracia

O fato novo dessa nova realidade política foi, no limite, produzir um grupo de radicais absolutamente convencidos de que é necessário derrubar o Governo pela força

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Fernando Castilho

Publicado em 11/01/2023 às 7:30 | Atualizado em 11/01/2023 às 8:37
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No país que mais utiliza as ferramentas de comunicação digital no mundo (terceiro país que mais usa redes sociais, com uma média de 3 horas e 42 minutos por dia) e segundo maior no uso de mensageiros como o WhatsApp (100 milhões de contas individuais) além das demais as plataformas de comunicação digital, a divulgação de fake news virou uma ameaça à Democracia como ferramenta política de ação que a sociedade e a própria classe política e o Estado brasileiro ainda não sabem como enfrentar.

Embora tenha se estruturado, nos quatro anos do governo Bolsonaro, a construção de um arcabouço tecnológico de custo zero permitiu que a sociedade se tornasse dependente das plataformas digitais de uma forma tão grande que a Academia ainda não saiba como estudá-la - embora venha cada vez mais se voltando ao tema - assim como o Estado brasileiro, a respeito de ser vítima e propagador dessa nova forma de comunicação com o cidadão.

Os atos de ataques perpetrados contra os três edifícios sedo poderes da República são o ápice de um movimento que elegeu em 2017 presidentes como Donald Trump, nos Estados Unidos, assim como ajudou a eleger Jair Bolsonaro, em 2018, diante de uma classe política catatônica que simplesmente não sabia como atuar depois que o ex-capitão do Exército se elegeu.

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Stive Benon com Jair Bolsonaro - Divulgação

Bolsonaro, como se sabe, literalmente, alugou um partido com o discurso anticorrupção que não fazia parte de sua pauta como parlamentar em sete mandatos, mas que foi usada para chegar ao poder num momento em que a Lava Jato mandara para a prisão lideranças históricas, entre eles o próprio presidente Lula.

O fato novo dessa nova realidade política foi a incorporação da propagação, como ferramenta de Governo, e a construção de uma base congressual de apoio que, no limite, produziu um grupo de radicais absolutamente convencidos de que ele venceu as eleições de 2022.

O preocupante é que isso se deu com a apropriação de organismos do Estado que passaram a funcionar a serviço desse comportamento antidemocrático que agora será necessário ser reorganizado.

Esse grupo, mesmo com a derrota e a posse dos eleitos em outubro passado, estruturaria um projeto de derrubada do governo recém-empossado sem que ao menos houvesse um mínimo acordo político com forças importantes do Parlamento brasileiro.

E acreditando que os comandantes militares, uma vez pressionados por manifestações nas portas dos quartéis, se juntariam a essa massa de apoiadores numa investida para derrubar pela força, o governo eleito nas urnas.

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A invasão da praça dos três poderes, a despeito de ser facilitada por autoridades do Distrito Federal, como apontam as investigações, tinha chances nulas de ser vitoriosa. Mas ainda assim foi levada a cabo com a depredação de bens móveis e imóveis de alto valor histórico e simbólico para o pais como nação democrática.

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Atos de destrruição em Brasilia. - Divulgação

O que chama a atenção dessa construção mental é a convicção que milhares de pessoas tem hoje no Brasil de que é possível derrubar o governo pela força sem se dar conta do delírio de uma aventura como essa e que os colocou na condição de terroristas, inclusive à luz do Direito Internacional.

O que desafia pesquisadores e políticos profissionais é como, a partir de agora, tratar essa nova classe de eleitores e cidadãos de educação superior e até pós-graduada, assim como empresários de sucesso e convence-los de que o Brasil não está às portas de virar uma ditadura comunista suportada por uma cleptocracia que se instalou em todos os poderes.

O fato irônico é que a maior parte dessa concepção absurda foi construída com base em fake news durante os últimos quatro anos, sem filtro e sem nenhuma mentoria no conteúdo além do conceito básico da desinformação.

Esse conceito foi desenhado, em 2016, pelo consultor de Donald Trump, Steve Benon cuja teoria central é a de inundar as redes sociais e os mensageiros de tanto lixo que, depois de algum tempo, os apoiadores só darão crédito ao que que o propaga.

Benon, como sabemos, foi depois demitido pelo Trump após sua posse em 2018 e recentemente condenado por ataque à Democracia nos Estados Unidos. Mas ele teve um enorme sucesso no núcleo duro do governo Bolsonaro.

Depois de quatro anos, o Brasil agora precisará aprender a conviver com uma oposição que se elegeu em cima do modelo de atuação política de Bolsonaro embora ela ainda não se saiba muito bem como agirá no Congresso brasileiro.

Uma questão importante é que ainda não se sabe que pensamento ideológico de Direita será defendido por essa suposta bancada de deputados bolsonaristas conservadores por absoluta ignorância da maioria esmagadora do que seja a doutrina da Direita. Até porque eles nunca leram nada sobre o tema.

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Lula com governadores na sede destruída do STF - Divulgação

Eles não lerão a partir de agora.

Até porque no grupo que inicialmente foi estimado em 250 parlamentares do novo Congresso que estariam afinados com o ex-presidente da Republica estão os listados como integrantes do Centrão, os que apenas aproveitaram-se da onda nos seus estados para se elegerem, os influenciadores digitais semianalfabetos politicamente e naturalmente os que estão dispostos a seguir o ex-presidente aonde ele estiver.

Talvez seja possível, em breve, identificar um pequeno grupo com melhor formação ideológica capaz de se apresentar no Parlamento sabendo o que é ser de Direita.

Mas a violenta realidade digital, e agora presencial, está aí. E será preciso conviver com uma extraordinária capacidade de produção de fake news superior à capacidade de produção de conteúdo de marca dos órgão de imprensa, até porque uma das práticas discursivas dos produtores de desinformação é alterar o conteúdo inserido, mentiras numa notícia verdadeira de modo direcionado aos consumidores nas redes sociais.

Depois de quatro anos, ficou claro que no Brasil se consolidou um grupo de pessoas que não mais se informam pela imprensa, que se abastece apenas de informações vindas de sites de desinformação que, em algum estágio, consomem conteúdo de empresas que apoiam o governo e dão voz aos deputados, senadores e dirigentes do governo passado.

O desafio da sociedade brasileira, a despeito da forte reação aos atos e movimentos políticos perpetrados neste final de semana, é a convivência, combate à desinformação e resistência à capacidade agressiva desse grupo que terá apoio congressual, inclusive, da defesa do movimento político por trás da invasão dos edifícios públicos símbolo do Estado brasileiro.

Eles continuarão a propagar fake news, justificar com liberdade de expressão atos criminosos e usar recursos públicos e privados para atacar a Democracia, inclusive tentando cadeiras nos postos de comando e comissões dentro do Parlamento.

Não é mais um movimento digital. Não é mais uma possível ameaça. É um fato real e consistente que a sociedade terá que aprender a conviver. Como será essa convivência é que ainda não se pode prever, embora seja possível saber que será muito difícil dentro das normais democráticas.

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