crise no varejo

Efeito AMERICANAS chega à rede MARISA, que também resolveu atuar como banco e esqueceu do comércio

A Marisa S.A é a maior rede de moda feminina e lingerie do Brasil, com mais de 65 anos de experiência

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Fernando Castilho

Publicado em 09/02/2023 às 9:45 | Atualizado em 09/02/2023 às 12:26
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Pouca gente sabe, mas Bernardo Goldfarb, cujo filho lidera a família controladora da Marisa, era um importante operador da Bolsa. Ele chegou a ser dono de parte da Americanas, comprando suas ações na Bovespa e passando a influir diretamente na gestão da empresa, até que o grupo 3G - formado por Jorge Paulo Leman, Jorge Paulo Leme e Beto Sucupira - comprou o controle da empresa.

O velho Bernardo sempre foi um comerciante na essência. Vendia à vista, até porque o seu negócio de lingerie era de um ticket médio baixo. E mesmo quando em 1999, a Marisa criou o Cartão Marisa, um cartão private label com a finalidade de oferecer crédito facilitado às suas clientes, ele entendia que o cartão era para ajudar a vender mais “roupas de baixo”, como costumava dizer.

Goldfarb morreu em 2009 sem ver a guinada que seu filho Márcio Bernardo entendeu de ampliar o cartão private label para ter também o Co-Branded, formando o chamado MBank, que no último balanço do trimestre chegou a ser responsável por 36,6% de suas vendas.

O problema da Marisa é que, assim como as redes de varejo, entendeu de emprestar dinheiro aos seus clientes. Nela, esse negócio chegou a ser responsável por 29,7% de suas receitas líquidas, refletindo o que vem acontecendo no setor. E mesmo antes da empresa mudar seu presidente, o percentual de perdas sobre carteira atingiu de 6,8% versus 5,2% (já excluindo venda de carteiras vencidas acima de 360 dias).

E mesmo que no terceiro trimestre do ano tenha informado uma Receita Líquida de R$ 503,1 milhões, a verdade é que, em nove meses, a empresa estava no prejuízo de 46,0 no chamado “EBITDA AJUSTADO VAREJO”. Ebitda é um indicador que exclui custos que não estão ligados diretamente à essência do negócio.

A Marisa S.A é a maior rede de moda feminina e lingerie do Brasil. Ela tem mais de 65 anos de experiência.

A marca “Marisa”, associada ao reconhecido slogan “De Mulher para Mulher”, possui forte reputação no público feminino e uma identificação com os desejos e necessidades femininas. A Marisa é nacionalmente conhecida como uma marca feminina e moderna.

Em 1999, a Marisa foi pioneira do setor no e-commerce, com a criação da Marisa Virtual. No mesmo ano, criou o Cartão Marisa, um cartão private label com a finalidade de oferecer crédito facilitado às suas clientes. E, em 2008, junto com o Banco Itaú, criou o cartão de crédito ItauCard Marisa, que funciona através do modelo Co-Branded, pelo qual a cliente pode utilizar-se de créditos em outros estabelecimentos.

Americanas pede recuperação judicial

O que acontece é que a Marisa entendeu de virar banco em lugar de concentrar-se no seu negócio. Isso está acontecendo com todas empresas de varejo, especialmente as que trabalham suas marcas e que já tinham o cartão private label. Ele, que era bom para vender fiado na loja, nos últimos anos passou a oferecer dinheiro nas suas lojas.

Comerciantes com longa experiência no varejo e no atacado costumam dizer que assim como o mundo é globalizado há mais de cinco mil anos, o comércio não pode ser banco ao mesmo tempo. Desde os fenícios, os egípcios e os romanos fazem trocas de mercadorias entre aquilo que era o mundo conhecido. E em todos os casos, o comerciante concentra suas atenções na venda. E quando o banco entrou, foi para financiar mais vendas.

Essa estratégia criou situações curiosas para os clientes, onde promotores do cartão têm mais atenção com a oferta de crédito pessoal do que os vendedores de roupas e lingerie.

A conta está chegando agora. Primeiro para a Americanas, agora a Marisa e, certamente, vai vir de outras empresas do varejo, que passaram a se ver como banco, apostando nas receitas de crédito e até do refinanciamento. Os 6,5% de perdas da Marisa no terceiro trimestre de 2022 não aconteceram apenas na Marisa.

Essa também não é a primeira crise que a Marisa enfrenta. Em 2018, a varejista de vestuário anunciou a saída do então presidente, Marcelo Araújo, o que obrigou a filho de Bernardo, Marcio Goldfarb, a reassumir este posto, que anteriormente ali esteve por 26 anos. Então, quando a empresa anunciou que está buscando reestruturar suas dívidas, os analistas fazem a pergunta: De novo?

RENEGOCIAÇÃO DE DÍVIDAS

A Lojas Marisa informou nesta quarta-feira (8) que contratou a BR Partners para assessorá-la no processo de renegociação de seu endividamento financeiro e a Galeazzi Associados "para apoiá-la no aperfeiçoamento da estrutura de custos".

A dívida líquida da Marisa era de R$ 566,1 milhões no fim do terceiro trimestre, segundo os últimos dados divulgados. E além da renegociação das dívidas, a empresa passará por mudanças em seu comando.

O problema é que quem assumirá interinamente o comando da varejista no lugar de Santos será Alberto Kohn de Penhas, acusado de insider trading (uso indevido de informação privilegiada) em operações com ações da empresa pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

O investidor Kohn de Penhas, que é vice-presidente comercial e de operações da Marisa, comprou 160 mil ações ordinárias poucos dias antes de ela divulgar seu balanço financeiro do terceiro trimestre de 2021.

Não é só ele, o próprio dono da companhia, Márcio Goldfarb, virou réu em um processo da CVM por comprar ações de sua própria empresa, menos de 15 dias antes da divulgação do balanço financeiro da rede de vestuário referente ao primeiro trimestre de 2022, realizada em 11 de maio do ano passado.

É uma estranha coincidência com as Americanas. Os donos recebem os dividendos e na hora da crise procuram se isentar de responsabilidade.

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