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Setor da construção teme FGTS remunerado pela caderneta de poupança em análise no STF

Para o ministro do STF, a remuneração do FGTS não pode ser inferior à da caderneta de poupança

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Fernando Castilho

Publicado em 03/05/2023 às 15:00 | Atualizado em 03/05/2023 às 19:18
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A remuneração dos saldos FGTS deve ser pelo menos a que é paga na caderneta de poupança? Ao menos para dois ministros do STF, Luís Roberto Barroso (relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI- 5090) e André Mendonça, sim.

A discussão de como a remuneração do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço deve ser feita como uma forma de proteção ao valor dos saldos existentes hoje no FGTS está no centro de um debate que se arrasta desde 2019, quando o próprio Luís Roberto Barroso passou a analisar a ação proposta pelo partido Solidariedade.

Na época, ele determinou a suspensão de todos os feitos em tramitação na Justiça até que o próprio STF defina a matéria, o que começou a ser feito quando o ministro apresentou sua decisão no último dia 14 de abril, quando passou a sustentar a tese de que “A remuneração do FGTS não pode ser inferior à da caderneta de poupança”.

Para se ter uma ideia da repercussão disso, basta dizer que a questão trata de um fundo que em 2021 (último ano do balanço geral divulgado) tem ativos no total de R$ 618,09 bilhões, atualmente corrigidos pela Taxa Referencial de mais 3% ao ano.

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Luiz Roberto Barroso - Divulgação

O julgamento da ADI- 5090 está suspenso em função do pedido de vista dos autos do Ministro Nunes Marques. Mas ele já provoca reações intensas das partes envolvidas onde, a começar pelo Solidariedade e uma centena de advogados, todos defendem a tese de que o Estado brasileiro se apropriou ilicitamente desses recursos por décadas e, portanto, deve reparar os prejuízos.

Luís Roberto Barroso sabe da repercussão geral disso, e propôs que um eventual apoio do colegiado à sua tese deve ter efeitos a partir da publicação da ata do julgamento da ADI. E que eventuais perdas comprovadas devem ser negociadas pela via legislativa, caso o Congresso entenda que deve se manifestar, ou por acordo de entidades dos trabalhadores com o governo federal.

Na verdade, a solução encontrada pelo ministro relator foi a de julgar parcialmente procedente o pedido e aplicar uma “interpretação conforme a Constituição” pensando no futuro, quando afirma na sua sentença que a questão da ocorrência de perdas passadas somente poderá ser avaliada e equacionada por via legislativa e/ou mediante negociação entre entidades de trabalhadores e o Poder Executivo.

É isso que assusta o Governo, o setor da Construção Civil e entidades como Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias – Abrainc, cujo presidente Luiz França diz que uma alta de 3% ao ano no juro da habitação social (a mesma paga na Caderneta de Poupança) resultaria de proposta apresentada no STF, inviabilizaria o financiamento social nas bases atuais.”

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Luiz França, presidente da Abrainc - Divulgação

Para ele, 75% das famílias perderiam o acesso ao MCMV, tendo como consequência o agravamento do déficit habitacional, concentrado em 90% das famílias com renda inferior a três salários mínimos.

Luiz França lembra que são as regras vigentes do FGTS, por meio de taxas financiamento mais baixas aos compradores, que viabilizam acesso à moradia digna às famílias de baixa renda. E que isso seria inviável em caso de aumento da remuneração paga aos cotistas do Fundo.

“O que se pretende a título de justiça social pode, na verdade, ser um grave equívoco, inviabilizando um reconhecido e eficaz programa de governo brasileiro, que tem como objetivo combater o déficit habitacional de 7,8 milhões de famílias, além de impulsionar a atividade econômica”, diz o presidente da Abrainc.

O setor da construção civil teme os reflexos dessa mudança porque, no fundo, é esse juros baixo que sustenta os empréstimos das construtoras para rodar o setor. Se os juros dobram, o custo dos empréstimos vai dobrar para o setor, que vai repassá-lo no preço final.

O que o ministro Barroso não levou em conta é que quando se observa a composição das contas do FGTS, pode-se saber que os trabalhadores com carteira assinada e renda superior a seis salários mínimos detêm 80% dos saldos do Fundo.

É com esse dinheiro que é possível financiar a maioria dos trabalhadores que recebe até quatro salários mínimos mensais (85% da população) com as taxas atuais. Se a remuneração dobra, o rendimento vai para as faixas de maior renda, o que afastaria as classes de menor renda do acesso à habitação.

Ou seja, para a indústria da construção civil, o FGTS é um fundo de crédito cuja captação de baixo custo viabiliza a construção imobiliária. Não é uma aplicação financeira como a maioria dos trabalhadores com rendas mais altas.

Não é isso que pensam os advogados das entidades de trabalhadores e dos partidos ligados às centrais sindicais, que defendem mais dinheiro nas contas de 117 milhões de contas ativas ou inativas, de cerca de 70 milhões de trabalhadores.

Essencialmente, a tese de que não faz sentido manter a remuneração de 3% ao ano se fundamenta numa decisão no STJ, que ao ser provocado, entendeu que o Poder Judiciário não poderia alterar a aplicação da Taxa Referencial (TR) e considerou que caberia ao Congresso Nacional determinar outro índice de correção monetária.

Mas a questão subiu para o STF, que por sua vez declarou a inconstitucionalidade da aplicação da Taxa Referencial (TR) na correção do FGTS reabrindo a questão, em 2019, quando o ministro Luís Roberto Barroso foi designando relator a atual ADI- 5090.

O problema é que ainda que seja consolidada a tese do ministro de estabelecer que os efeitos somente a partir da publicação da ata de julgamento, o custo do dinheiro para financiamento de imóveis fica inviável.

Por exemplo, quando uma prefeitura pede dinheiro para financiar um conjunto habitacional a taxa de captação é de no máximo 4,75% ao ano. Se a remuneração do FGTS dobrar, dificilmente os prefeitos vão aceitar pagar o juros de um financiamento que os mutuários pagam apenas 5% do imóvel.

Outra repercussão é que a remuneração de taxas de 3% no FGTS, que permite ao trabalhador com uma renda de R$ 3.000,01 até R$ 3.700,00 pagar num financiamento uma taxa de até 6% a.a. Se a remuneração do saldo do FGTS subir para 6% a.a., o financiamento vai subir para 12% a.a.

O que é fundamento no jogo é que o dinheiro do FGTS não é uma caderneta de poupança, como defende o ministro Luís Roberto Barroso, mas um fundo para financiar habitação a juros mais baixos. Mas isso quem vai decidir são os outros sete colegas dele no STF.

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