Lula precisa ouvir a geração de João Campos para falar bem de seu governo
Claro que o discurso de Lula é o mais importante. Mas nas redes sociais quem dominou foi João Campos. Isso exige preparo e entendimento do que as redes sociais podem lhe proporcionar
Num evento em que estão a governadora de Pernambuco, Raquel Lyra, a ministra da Saúde, Nisia Trindade, e mais um penca de ministros, falar algo "instagramável" e com potencial de engajamento exige conexão com as plataformas. Vai muito além do post sobre um novo programa e das imagens de Ricardo Stuckert, o fotógrafo do presidente.
Fazer disso uma ação política exige um conhecimento que 99% da equipe do governo Lula estão a alguns milhões de clicks.
Foi isso que o prefeito do Recife, João Campos, fez quando pôs todo mundo para, quase automaticamente, digitar a expressão 'Lula baixou', na manhã desta quarta-feira (7), no Compaz do Cordeiro, quando finalizou seu discurso no relançamento do programa Farmácia Popular. Pelo cerimonial, João Campos - mesmo sendo o anfitrião - foi colocado na terceira fila, ao lado das dezenas de autoridades.
Lula lança o novo Programa Farmácia Popular
O gesto instagramável de João Campos mostra que fazer política no Brasil hoje exige muito mais conhecimento de comunicação do que apenas um assessoramento profissional que pode oferecer imagens e textos na internet. E de perceber que o discurso é bom quando ele gera o que agora chamamos de engajamento.
Solenidade do Compaz no Recife - GUGA MATOS
Nos últimos meses, parece claro que os novos personagens da política passaram a fazer o que o colunista Romoaldo de Souza, correspondente da Rádio Jornal em Brasília, chama de "Caçadores de Pokémon", se referindo ao trabalho daquele assessor parlamentar cuja missão é gravar tudo que o político faz e colocar nas redes sociais tentando atrair clicks.
Às vezes funciona. Se o político conseguir fazer alguma coisa inusitada. Mas transformar uma ação de marketing comunicacional no post de engajamento político exige a capacidade de perceber o que é importante num oceano de ofertas digitais.
Lula discursa no lançamento do Farmácia Popular, no Recife - Emerson Pereira/TV Jornal
O gesto de João Campos (rapidamente percebido pela colunista Cinthya Leite) só ganha importância, especialmente entre seus seguidores, porque ele é um prefeito com razoável aprovação de seus munícipes. Mas é importante destacar como ele percebe isso e como já utiliza - ao seu interesse - o potencial dessa ferramenta como estratégia política.
Os analistas de discurso já escreveram terabytes de textos analisando o novo discurso digital aplicado à política. Mas o desafio é a produção de conteúdo que engaja. Isso é um problema no governo Lula, que a despeito da colossal infraestrutura da máquina de comunicação estatal que tem à sua disposição, vem engajando pouco.
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Não porque ele não seja capaz de produzir conteúdo "instagramável". Mas de não perceber o potencial que as redes sociais estão falando do seu governo.
É natural. João Campos é nativo digital. Nasceu depois do advento da comunicação global proporcionado pela internet. Mas, como ele, centenas de políticos também nasceram (e até se elegeram) e nem por isso entenderam o mecanismo.
Prefeito discursa na cerimônia do novo Farmácia Popular do Brasil ao lado do presidente Lula - Rodolfo Leopert/Prefeitura do Recife
Por isso, quando o prefeito chega numa solenidade onde é o mais novo e o que (em tese de acordo com a teoria política), seria o menos ouvido e é capaz de encerrar seu discurso mandando a plateia, essencialmente formada pro jovens, ir ao Google mostra que entendeu o processo tecnológico e é capaz de adaptá-lo ao seu interesse.
E mais quando traz para sua cidade o fato de que no Recife o consumidor "dorme e acorda ao lado de uma farmácia e que com o Farmácia Popular essas farmácias vão ter os remédios graça" está dando o recado para sua audiência.
Claro que o discurso de Lula é o mais importante. É claro que a fala de Raquel Lyra e da ministra Trindade terão mais atenção. A solenidade é de um programa nacional. Mas nas redes sociais quem dominou foi João Campos. Isso exige preparo e entendimento do que as redes sociais podem lhe proporcionar.
Esse é um enorme desafio para a geração 60+ que assessora Lula. Eles sequer percebem esse tipo de oportunidade. Não está no "software básico" deles que isso existe e produz resultados em tempo real. Eles foram formados analogicamente e ainda esperam o que os portais e blogs publicam horas depois. Ou as edições digitais dos jornais com uma ou outra análise.
É compreensível. Para a quase totalidade do seu entorno, Lula será sempre o mestre da comunicação e encantará as plateias. Ele sempre vai fugir do discurso preparado para ter no momento de fala um insight espetacular. Não é mais assim e sempre que o presidente se expressa fora do discurso, tentando aproveitar um contexto, tem errado.
Naturalmente, é injusto querer um Lula 3.0 "rodando" em linha com todas as plataformas de mídia em tempo real. Ele até pode ter uma conta no TikTok. Mas não se pode querer aquilo que ele não pode dar nessa área onde João Campos navega com se isso fosse sua praia de surf.
No limite, o presidente pode com boa assessoria ver os trends e adaptar seu discurso ao evento e chamar atenção para o que deseja comunicar.
O presidente tem uma boa base e uma boa bolha. Mas quando a cada que se mostra menos conectado com o que o usuário impaciente cobra seu governo (mercado político), ele vai se reduzindo à sua bolha. O problema do presidente é que ele é um produto político que agora exige atualização em tempo real.
Não é fácil. Ele tem 77 anos e terá que aprender, ao menos, a respeitar para conviver com esse novo ambiente. Não precisa virar um "social mídia". Ninguém deseja o presidente fazendo performances no TikTok, nem respondendo pessoalmente questionamentos nos comentário do Instagram. A liturgia do cargo não lhe permite isso.
Mas se não prestar a atenção vai continuar vendo o garoto João Campos estourar nas redes sociais fazendo política. O que é muito diferente dos "caçadores de Pokemon" que agora infestam a política brasileira.