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Resgate de jovens para escola é mais desafiador que alfabetizar 60+

A última pesquisa da PNAD Continua 2023 mostra que 60,7% das crianças de 0 a 1 ano e 51,3% das crianças de 2 a 3 anos não frequentam creches por opção dos pais ou responsáveis

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Fernando Castilho

Publicado em 12/06/2023 às 13:00 | Atualizado em 12/06/2023 às 13:35
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No dia que o presidente Lula da Silva faz o lançamento do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, talvez o maior desafio seja encontrar um jeito mais produtivo de criar condições para que a mãe consiga colocar o filho na creche do que simplesmente abrir vagas onde a prefeitura é quem paga a conta.

A última pesquisa da PNAD Continua 2023 mostra que 60,7% das crianças de 0 a 1 ano e 51,3% das crianças de 2 a 3 anos não frequentam creches por opção dos pais ou responsáveis. A falta de vaga ou a escola não ser próxima da localidade foi o motivo de 31,7% (crianças de 0 a 1 ano) e 39,7% (crianças de 2 a 3 anos).

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Gravidez na adolescencia motiva de evasãpo escolar. - EDUCAR BRASIL

Pode parecer uma contradição que mais da metade dos pais e mães não coloquem seus filhos em creches deliberadamente e que apenas um terço justifiquem isso pela falta de um lugar para deixar seus filhos. Mas quando se observa outros indicadores na mesma pesquisa, é possível identificar pistas que ajudam a compreender essa situação.

No Brasil, em 2022, 9,6 milhões de crianças de 0 a 5 anos de idade frequentavam escola ou creche. O problema é que entre 2019 e 2021, a taxa de escolarização das crianças de 4 a 5 anos caiu de 92,7% em 2019 para 91,5% em 2022. O percentual, aparentemente pequeno, esconde a dura realidade do Brasil depois da pandemia da covid-19.

E como no Brasil, 77,2% dos alunos matriculados estavam em creche e pré-escola da rede pública de ensino, é fácil perceber as dificuldades dessas mães na hora de deixar os filhos numa creche.

Como se sabe, a rede pública é a grande responsável pelo ensino básico no Brasil, com municípios e estados provendo principalmente os cursos de ensino fundamental regular e ensino médio regular. E como o custo de um aluno numa creche é o triplo de um aluno na escola regular e o dobro de uma de tempo integral, fica fácil entender por que os prefeitos resistem a abrir creches e que elas tenham qualidade.

Mas talvez a questão do desafio de alfabetizar crianças seja maior do que colocá-las na Universidade, onde hoje estão 19,2%, ou de reduzir o analfabetismo entre os 60+, que é de 16%, embora no Nordeste seja de 32,5%.

Tem a ver com as condições sociais das mães, em especial no Nordeste. Se observa a taxa de escolarização, por exemplo, onde o Nordeste chega a 93,6%; pode-se dizer que estamos no caminho certo. Entretanto, a falta de creches se acentuou entre 2019 (27,5%) e 2022 (39,7%), o que justifica a decisão dos pais de não colocar seu filhos nelas. De certa forma, é a percepção de que não tem que leva à decisão de não procurar.

E isso tem a ver com o abandono da escola. É verdade que um percentual maior de mulheres nessa faixa etária frequentava a escola (32,6% frente a 28,1% dos homens). Isso é bom. Só que o Brasil, que tinha 9,5 milhões de jovens com 14 a 29 anos na situação de Abandono escolar, sendo 58,8% homens e 41,2% mulheres.

E quando se observa o motivo de abandono é que a coisa se explica. Ao menos 22,4% das mulheres que abandonaram a escola tinha como motivo a gravidez, que somado a 21,5% que não tinham interesse em estudar e 24,0% porque precisavam trabalhar.

É uma situação dramática. Uma gravidez no Nordeste leva 10,4% das jovens a deixar a escola. Exatamente o grupo que nem estudava nem se qualificava (38,9%), entre as que estavam trabalhando e 24,4% no grupo das desempregadas.

Então, quando se diz que em 2022, pela primeira vez, mais de 50% das pessoas com 25 anos ou mais de idade do país já haviam concluído a educação básica e que, em média, as mulheres tinham 10,1 anos de estudo, enquanto os homens tinham 9,6 anos, é preciso olhar com mais cuidado para a questão da alfabetização. Porque elas são quem decidem e acompanham a alfabetização das crianças.

Em outras palavras: Todo mundo concorda que ter menos de 10 milhões é ruim. Que quando cai o número de pessoas com o fundamental incompleto - caiu 3,2 p.p. no período (de 31,2% para 28,0%), é bom. Mas sem que as mães tenham condições de manter seus filhos, o desafio ficam muito maior.

Afinal, para milhares pouco escolarizados, o Bolsa Família de R$ 600,00 somado a R$ 150,00 por cada filho menor de seis anos, é melhor do que deixar seus filhos numa creche de baixa qualidade e trabalhar o dia todo para receber um salário-mínimo.

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