Coluna JC Negócios

Para fazer roupa no Brasil, Shein contrata Coteminas que adotará modelo de facções de costura criado no RN

Na facção, a produção de parte de peças de confecções é feita por micro empresa ou MEI que por sua vez contratam trabalhadores por tarefas

Imagem do autor
Cadastrado por

Fernando Castilho

Publicado em 03/07/2023 às 7:00 | Atualizado em 03/07/2023 às 8:00
Notícia
X

Assim como surpreendeu o mercado ao anunciar que iria começar a produzir no Brasil, investir US$ 750 milhões no país e gerar 100 mil empregos, a gigante chinesa Shein surpreendeu ao setor têxtil e de confecções que estava aderindo ao Programa de Remessa Conforme da Receita Federal - que dá tratamento aduaneiro mais rápido.

Mas o fato novo é que ela está iniciando sua produção no Brasil através de uma parceria no Rio Grande do Norte com a Coteminas um dia depois de o governo publicar uma portaria que reduziu a zero a alíquota de importação, a partir de 1º de agosto, para compras até 50 dólares quando empresa de comércio eletrônico.

Com acesso direto ao governo, através do presidente da Coteminas e presidente da Fiesp, Josué Gomes, a Shein voltou ao Palácio do Planalto com a governadora do RN, Fátima Bezerra para dizer que para fazer suas primeiras peças em território nacional vai usar a expertise de mais de quatro mil profissionais de oficinas de costura do interior do estado, em especial na região do Seridó.

O acordo prevê que dois mil dos clientes confeccionistas da empresa passem a ser fornecedores da companhia asiática para atender os mercados doméstico e da América Latina. A parceria também abrange a promessa de financiamento para capital de trabalho e contratos de exportação de produtos para o lar.

A expertise profissionais de oficinas de costura do interior atende pelo nome de facção, um sistema de produção que embute denúncias de precarização do trabalho e que vem sendo objeto de controvérsia entre o Ministério do Trabalho e as indústrias de confecções no estado.

No sistema, uma grande empresa contrata de micro ou MEI, a produção de parte de peças de confecções que por sua vez contratam trabalhadores por tarefas, fora do ambiente de fábrica trabalhando em suas casas.

Tribuna do Norte

Confecionistas do Serido no RN - Tribuna do Norte

 

Facção não é sulanca

Esse modelo é diferente do que acontece no Polo de Confecções de Pernambuco onde também existe a subcontratação entre micro e pequenas empresas que produzem suas próprias coleções. Na verdade, em Pernambuco, existem microempresas que se especializam em determinadas parte de peças de roupas, mas não existe o conceito de facção que é caracterizado pela produção para grandes montadoras de coleções de roupas.

Mas no caso das facções, o TST já pacificou a tese de que entre a empresas e as facções não existe responsabilidade de direitos trabalhistas dos empregados por ser formalmente um contrato de uma empresa com outra prestadora de serviços.

No ano passado, o Grupo Guararapes (dono da cadeia Riachuelo) venceu um disputa de quase uma década sobre a questão quando a 2ª turma do TRT da 21ª Região decidiu que inexiste vínculo empregatício de funcionários terceirizados de empresas têxteis (as chamadas facções) com o grupo Guararapes.

A vitória não foi apenas do empresário Flávio Rocha, da Guararapes que, após fechar uma planta de confecções no Ceará, anunciou que estava concentrando a produção do RN e que contrataria mais serviços a faccionistas.

O próprio governo do Estado apoiou a empresa porque entende que isso reforça o Programa de Interiorização da Indústria Têxtil (Pró-Sertão) que tem como objetivo promover a geração de emprego e renda em municípios localizados em regiões de baixo desenvolvimento econômico, apoiando a implantação de novas empresas de confecções.

O programa foi criado em 2014 pelo secretário de Desenvolvimento Econômico e hoje senador pelo PL, Rogério Marinho que agregou ao programa instituições como o Sebrae e a própria Federação das Indústrias que não questionam diretamente a relação de trabalho existente entre os donos de facções e seus empregados preferido priorizar a geração de postos de trabalho.

FIESP

Josué Gomes com Fernando Haddad - FIESP

Clientes da indústria

Isso explica por que a Coteminas que tem fabricas em Blumenau, Montes Claros e João Pessoa e que não atua no segmento de moda onde se concentra a Shein (a Coteminas produz tecidos, artigos de cama, mesa e banho uniformes profissionais e roupas destinados à segurança do trabalho) tenha optado pelo Rio Grande do Norte. A Coteminas sempre vendeu tecido para as facções, mas até agora não usou o sistema de facção.

A entrada a Coteminas com a Shein no segmento de moda surpreendeu o mercado porque o presidente da empresa chinesa, Marcelo Claure disse que a companhia quer abrir duas mil fábricas e gerar 100 mil empregos. "Estamos aqui para reafirmar o compromisso nesse projeto piloto no Rio Grande do Norte", disse Claure em abril último.

Como o RN é hoje o principal polo de confecções a adotar o sistema de facção é fácil perceber que a empresa de Josué Gomes vai atuar como uma grande integradora de produtos feitos pelas facções norteriograndeses para a Shein.

A governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT) está entusiasmada com a entrada da Shein no estado através da Coteminas. Ela diz que é o reconhecimento do potencial do estado, da qualificação de nossa mão de obra e da vocação que temos para a indústria têxtil. Bezerra  estima mais quatro mil novos empregos na Região do Seridó onde concentram-se as facções.

Do ponto de vista do governo do Estado a transformação de uma planta como a da Coteminas passar a contratar serviços de facções no sertão do Seridó faz todo sentido. Até porque abre-se a possibilidade de abertura de novas oficinas de costura, que hoje somam 116 apenas no Seridó. Além disso em janeiro, a própria Guararapes anunciou que vai envolver as fábricas do Pró-Sertão onde através das facções foram produzidas 6,3 milhões de peças em 2022.

Pela própria estrutura da economia do RN, os empregos geradas pelos pequenos negócios (21.736) são mais de oito vezes maior que o gerado pelas médias e grandes empresas como a Coteminas que agregaram 2.550 postos de trabalho.

Curiosamente, a questão das relações de trabalho não está no radar do governo mesmo sendo do PT. Não há muitas informações sobre quantas pessoas trabalham para as facções e quantas tem carteira assinada.

Tribuna do Norte

Oficinas de confecções com facção no Seridó do RN - Tribuna do Norte

Isso se explica em parte pelo próprio modelo de produção no regime de facção que de certa forma se assemelha ao usado na China. O trabalhador recebe os equipamentos e as partes das peças e entrega o produto, às vezes para outra facção. Centenas de oficinas estão nas casas das famílias.

Trabalho x emprego

O argumento do governo é que no Sertão não teria mesmo indústrias e empresas formais daí porque o importante é a geração de renda.

Até porque o empreendimento facção é, em grade parte das vezes, tocado por pequenos artífices, ex-empregados da contratante da "facção", os quais se veem obrigados a admitir outros trabalhadores, cujos direitos não encontram garantia no real beneficiário dos serviços.

De qualquer forma para o governo de Fátima Bezerra a disposição da Shein em aderir ao Programa Remessa Conforme mediante certificação que comprove o atendimento dos critérios definidos no novo normativo é interessante.

Por que a Receita Federal terá à sua disposição, de forma antecipada, as informações necessárias para a aplicação do gerenciamento de risco dessas remessas internacionais. Não garante que não ocorram desvios, mas é muito melhor que nada como tem até o final do mês.

Mas o governo Lula sabe que fechou uma porta para o varejo brasileiro e mais ainda no setor de confecções. No sábado passado (1) o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao lado do secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy ouviu do presidente do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV) , Jorge Gonçalves Filho que a portaria é prejudicial ao varejo brasileiro e pode gerar um aumento do desemprego.

Sergio Lima

GeraldoAlckmin-JorgeGoncalves-IDV-Varegistas-Entrevista-14jun2023 - Sergio Lima

Setor pede isonomia

Não queremos redução de impostos. Queremos mais isonomia”, disse Gonçalves. Haddad disse que iria ajudar.

Pode ser. Mas o fato é que a portaria ocorre após o governo ter tentado taxar essas operações, alegando que empresas estrangeiras faziam várias remessas de baixo valor, com nomes fictícios de vendedores pessoas físicas com o intuito de burlar o Fisco. O que agora ao aderirem ao Programa Remessa Conforme poderá ser reduzido com o repasse dos impostos aos preços.

O problema é que Fernando Haddad recuou depois de que foi desautorizado publicamente da primeira-dama, Rosângela Lula da Silva, a Janja, reprovando a medida. Que garantiu nas redes sociais que não haveria taxação para as compras de até US$ 50 o que terminou acontecendo.

Tags

Autor