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Narrativa do governo Lula sobre apagão mira assentos no conselho de administração da Eletrobrás privatizada por Bolsonaro

O governo Lula não aceita governança chamada de corporate onde a empresa deixa de ter um dono personalizado e entende que tem direito a indicar quatro conselheiros para lhe representar na Eletrobras.

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Fernando Castilho

Publicado em 17/08/2023 às 7:30 | Atualizado em 17/08/2023 às 10:10
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Do primeiro post da primeira-dama Rosângela Lula da Silva (ela fala de isenção de roupas da Shein à privatização de empresa públicas) ao pedido de investigação da Polícia Federal sobre o incidente do apagão, a estratégia do governo Lula embute uma estratégia política que objetiva a presença de até quatro representantes da União no Conselho de Administração da Eletrobras privatizada no final do governo Bolsonaro.

O post de Janja funcionou como uma espécie de senha sobre a opinião de Lula, e dos ministros, sobre a questão da capitalização da Eletrobrás onde - pelo modelo desenhado apesar de possuir 40% das ações e deter uma ação que lhe dá direitos de intervir em situações específicas - a União não tem direito a interferir na gestão da empresa assim como não tem assentos no Conselho de Administração.

Na manhã de terça-feira (15), um apagão provocou a separação elétrica das regiões Norte e Nordeste das regiões Sul e Sudeste/Centro-Oeste. Às 08h43 foi iniciado o restabelecimento da região Sul concluída às 09h05. Também às 08h52 foi feito o restabelecimento das cargas do Sudeste/Centro-Oeste, sendo concluída às 09h33. Todo sistema foi recomposto às 14h49.

O governo Lula não aceita essa governança chamada de corporate onde a empresa deixa de ter um dono personalizado e, assim como deseja indicar o ex-ministro Guido Mantega à presidente da Vale, onde só tem participação através do fundo de funcionários (Petros) da Petrobras, deseja rever a questão da privatização da Eletrobrás tendo assentos no colegiado.

Ao desembarcar no Brasil, antecipando sua volta após a posse do novo presidente do Paraguai, o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira já havia postado nas redes sociais que determinara a volta, o mais depressa possível, do fornecimento assim como a investigação do apagão. Silveira acionou o gabinete de crise que reúne representantes de todos os órgão vinculados ao setor elétrico.

Quem conhece minimamente o funcionamento do setor elétrico sabe que a volta do fornecimento assim como a investigação do evento passa a quilômetros da sede do MME em Brasília.

Divulgação
Reunião do MME para debater o apagão depois que ele já estava restabelecido. - Divulgação

 

Primeiro, porque o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) tem sistemas de gestão que cuidam disso em milésimos de segundos. Depois, porque a legislação federal prevê a convocação da Polícia Federal em qualquer evento onde haja suspeitas de intervenção criminosa. Portanto, as falas do ministro no setor elétrico, nesse ponto, tem o mesmo peso da opinião de Janja.

Como já se sabe, segundo informou o ONS, eventos ocorridos nesta terça-feira (15) foram iniciados em função da ocorrência da abertura, por atuação incorreta da proteção, da LT 500 kV Quixadá-Fortaleza II.

E que o desligamento isolado não causaria o impacto visto no Sistema Integrado Nacional com as repercussões que teve e esse é um ponto que ainda está sendo apurado.

Joédson Alves/Agência Brasil
O ministro da Casa Civil, Rui Costa foi o entrevistado do programa Bom Dia, Ministro na Empresa Brasil de Comunicação (EBC) - Joédson Alves/Agência Brasil

Em português claro o que aconteceu foi que, na subestação administrada pela Chesf, o computador identificou um problema técnico e acionou os protocolos de desligamento. Isso, automaticamente, faz com que a carga de energia que passava pela linha fosse desviada para outras linhas de modo a que o fornecimento não fosse interrompido. O que está se investigando é porque isso se deu e seu efeito cascata.

Sobre isso o ministro admitiu um erro no sistema da Chesf que opera a rede. Mas adiantou que não se sabe "se essa falha foi humana", e se adiantou dizendo que "mais do que nunca" a Polícia Federal (PF) deve apurar as razões que levaram ao apagão embora o próprio . O Operador Nacional do Sistema ainda não encontrou as causas técnicas que levaram à falha na linha.

Alexandre Silveira se reuniu com o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Passos. Ele também acionou a Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

Silveira não está falando sozinho. Já pela manhã desta quarta-feira (16), o ministro da Casa Civil, Rui Costa, sentenciou que o apagão foi provocado por um “erro técnico” que precisa ser investigado. E se apressou em descartar a possibilidade da queda generalizada ser reflexo da insuficiência energética do país”.

Ninguém estava preocupado com a insuficiência de energia que pelo nível das barragens dos reservatórios brasileiros asseguram que a bandeira verde não será acionada este ano.

Mas Rui Costa aproveitou para dizer que o país viveu “alguns apagões no Brasil em períodos em que nós tínhamos crise de geração de energia, ou seja, reservatórios de água estavam em baixa”. Ele se referia à crise de 2021 quando a gestão atabalhoada do governo Bolsonaro obrigou ao acionamento de termelétricas de alto custo, o que provocou o aumento do custo da energia ano passado, este ano e deve se estender até 2024.

Os dois representantes do governo têm outros motivos além da investigação do apagão. O primeiro é induzir que ele se deu porque a Eletrobrás agora é uma empresa privada e, portanto, está interessada apenas em remunerar seus acionistas. Segundo, que isso decorre da falta de controle estatal na maior empresa elétrica do Brasil.

Para o MME e para a Casa Civil, a capitalização foi um erro grave e que, se não pode ser revertido, ao menos a União deve ter assentos no Conselho de Administração da empresa. Pelas contas do governo, por ter 40% das ações da companhia, o presidente Lula pode indicar até quatro representantes do setor público. Isso hoje não é possível e para que aconteça exigiria uma mudança radical no objeto do contrato de capitalização.

Segundo o ONS, os levantamentos realizado até agora e que provocaram a interrupção no fornecimento de cerca de 18.900 MW no Sistema Interligado Nacional, se deu pelo acionamento de mecanismos automáticos de intervenção no SIN especialmente pelo Esquema Regional de Alívio de Carga (ERAC) que permitiu o rápido restabelecimento de 100% da carga no Sul e no Sudeste/Centro-Oeste em aproximadamente uma hora. O ONS e a Aneel estão mais interessados em rever todo o caso de aprender para que ele não se repita.

Foto: ABr
'Hoje a única opção que a Eletrobras tem é ser eficiente para ter o seu custo operacional menor que a receita da cota', disse Wilson Ferreira Junior - Foto: ABr

Mas o governo tem outro foco. Alexandre Silveira insistiu que a Chesf Eletrobras admitiu um erro que não protegeu o sistema diante de uma sobrecarga e que por isso todas as possibilidades estão sendo avaliadas justificando a convocação da Polícia Federal concluindo que uma eventual penalização depende das apurações.

O apagão revelou que o governo Lula tem, de fato, um trauma com a questão. E assim como usou o fato na primeira eleição de Lula, em 2002, acusando do Governo Fernando Henrique está usando o apagão desta terça-feira como decorrência de um ato do governo Bolsonaro com a privatização da Eletrobrás.

Para completar, no mesmo dia em que se deu o apagão, o governo foi surpreendido pela substituição de Wilson Ferreira Júnior que apresentou ao Conselho de Administração sua renúncia ao cargo de presidente da companhia sendo substituído por Ivan de Souza Monteiro, que era o presidente do CA e que foi eleito pelos conselheiros para assumir o cargo.

Alexandre Silveira considerou um absurdo que um acionista que tem 40% do capital de uma empresa seja informado pelos jornais de uma mudança tão importante. E mais uma vez defendeu que a privatização seja revista.

Ainda não se sabe se a substituição de Wilson Ferreira Júnior foi por alguma pressão do MME. Mas, na semana passada, o coordenador de estatais do ministério Efraim Pereira da Cruz enviou um ofício a Ferreira Junior reclamando do Plano de Demissão Voluntária (PDV) para 1.400 funcionários, Segundo o governo isso pode comprometer o futuro desempenho da companhia pelo nível de especialização desses funcionários. E pede que ele seja suspenso.

De fato, Ferreira Júnior, que já foi presidente da também privatizada BR Distribuidora (atual Vibra), foi escolhido pelos acionistas imediatamente a privatização e estava num movimento de reorganização da empresa eliminado todas diretorias e conselhos de administração das subsidiárias da Eletrobras, menos da Chesf que tem um regime acionário que obriga o controlador ter um presidente e um Conselho de Administração.

Isso eliminou quase uma centena de cargos que anteriormente sempre poderiam ser indicados pelo governo em acomodações partidárias.

De qualquer forma, até que uma investigação seja concluída pelo ONS , a Aneel da Polícia Federal, o governo vai pressionar a Eletrobras. Mesmo que hoje a empresa seja um corporate, modelo de gestão que Lula se recusa a aceitar.

Beth Santos/Secretaria-Geral da PR
Governo ainda no descarta possibilidade de interferência humana ou falha técnica para apagão - Beth Santos/Secretaria-Geral da PR

 

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